segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Medicina e outras ciências em 1923

 

Artigo do jornalista  Pedro Bastos Reis noa revista «Urologia actual» que resume a intervenção que fiz na sessão de encerramento do Congresso Centenário da Associação Portuguesa de Urologistas, a mais antiga associação de especialistas médicos do país:

É este o título da conferência de encerramento deste Congresso Centenário, que será proferida por Carlos Fiolhais, professor de Física da Universidade de Coimbra aposentado. Partindo dos Prémios Nobel de diferentes áreas atribuídos em 1923, ano em que foi fundada, a 15 de novembro, a Associação Portuguesa de Urologia (APU), o físico e reconhecido comunicador de Ciência em Portugal vai comentar alguns avanços dessa época no âmbito da Medicina, mas também de outras áreas científicas, assim como da Política, Educação e Cultura, traçando uma comparação com a atualidade.

Na sua conferência, Carlos Fiolhais pretende apresentar “um balanço do século”. Para dar conta dos “progressos extraordinários” desde a fundação da APU até aos dias de hoje, vai pôr em retrospetiva a atribuição do Prémio Nobel em diversas áreas. “Em 1923, o Nobel da Física foi atribuído a Robert Andrews Millikan, por ter medido a carga do eletrão e por ter realizado experiências do efeito fotoelétrico”, recorda o professor.

“Em 2023, este prémio foi atribuído a três físicos [Pierre Agostini, Ferenc Krausz e Anne L'Huillier] que apuraram uma técnica para ver os movimentos de um eletrão quando se separa do átomo. Vejam bem a diferença: há um século, falávamos da ionização em bruto. Agora, estamos no pormenor de ‘fotografar’ a evolução dos eletrões”, sublinha Carlos Fiolhais. Foi também em 1923 que faleceu Wilhelm Röntgen, o primeiro vencedor do Prémio Nobel da Física, em 1901. “Ele descobriu os raios-X e, para mim, é o físico que maior contributo deu ao desenvolvimento da Medicina, incluindo, claro, a Urologia”, comenta o conferencista.  

No âmbito da Medicina, há 100 anos, o Prémio Nobel foi entregue a Frederick Banting, que “conseguiu o feito na época extraordinário de isolar a insulina”. “Em 2023, este prémio foi atribuído a Katalin Karikó e Drew Weissman pelo desenvolvimento da técnica das vacinas de ARN mensageiro utilizadas contra a Covid-19 e com outras aplicações na Medicina. É impressionante a evolução registada nos últimos 100 anos! Para a perceber, basta olhar para os prémios Nobel de 1923 e de agora”, reitera o professor de Física..

Política, Educação e Ciência

Na sua palestra, Carlos Fiolhais pretende ir além da Medicina e da Ciência, não deixando de lado as questões políticas. Nesse sentido, começa por notar que, em 1923, o Prémio Nobel da Paz não foi atribuído. “A Primeira Guerra Mundial tinha acabado há poucos anos e o mundo atravessava um tempo de grande instabilidade, com graves problemas económicos e assomos de autoritarismo”, explica. E acrescenta: “Foi em 1923 que se deu um golpe de Estado em Espanha, com Miguel Primo de Rivera, e que se começou a ouvir falar de Adolf Hitler, que, nesse ano, tentou um golpe em Munique, contra o governo da Baviera, pelo qual foi preso, mas não cumpriu a pena na totalidade”. Além disso, em 1923, Benito Mussolini tinha acabado de subir ao poder em Itália.

Em Portugal, com a República implantada há 13 anos, “vivia-se uma grande instabilidade governativa”. “Em 1923, o presidente do Conselho de Ministros era António Maria da Silva, que liderou vários governos, tendo um terminado a 15 de novembro desse ano. Ou seja, no dia em que nasceu a APU, caiu o governo”, ironiza Carlos Fiolhais.

            Já no campo da Educação, “em 1923, existiam 33 liceus em Portugal, com cerca de 10 000 alunos. Atualmente, nos 2.º e 3.º ciclos do básico e no  secundário, há mais de 900 000 alunos. Há 100 anos, só havia três universidades, em Lisboa, Coimbra e Porto, com um total de 3400 alunos, e hoje há, no ensino superior, cerca de 450 000 alunos.

Quanto à produção científica, Carlos Fiolhais enaltece que, atualmente, Portugal tem cerca de 50 000 cientistas e investigadores, sendo publicados “mais ou menos 30 000 artigos científicos por ano”. “Entre 1915 e 1924, só foram publicados 11 artigos científicos, um exemplo claro da debilidade da Ciência entre nós na altura”, esclarece.  

Colocando várias dimensões em perspetiva, o cientista não tem dúvidas de que o ano de 1923 constituiu um marco para a evolução médica e científica no mundo e no nosso país. “Foi um grande ano para a Medicina nacional, desde logo porque nasceu a nossa primeira associação médica de especialidade, à qual se seguiram outras, imitando o exemplo da APU”, remata Carlos Fiolhais.

Elogio aos precursores da Urologia

Alguns dos precursores da Urologia em Portugal merecerão particular atenção na conferência de Carlos Fiolhais. Desde logo, Artur Ravara, que, além de primeiro presidente da APU, “em 1902, inaugurou a primeira consulta de Urologia, no antigo Hospital do Desterro”. Anos depois, “criou o Serviço de Urologia do Hospital de São José”, destaca o conferencista.            

Carlos Fiolhais também evidencia o papel do segundo presidente da APU. “O ensino da Urologia em Coimbra começou em 1909, impulsionado por Ângelo da Fonseca, que tem a particularidade de ter sido um dos responsáveis pela criação em Coimbra da Faculdade de Letras e pela sua reintegração nessa cidade depois de ter sido transferida para o Porto”, sublinha.

Por fim, o físico enaltece o legado de Reynaldo dos Santos, quarto presidente da APU: “Na Medicina, foi um grande professor e cirurgião, que desenvolveu várias técnicas inovadoras. No entanto, o mais notável é que foi também um homem da Arte e da Cultura, um dos maiores críticos de arte portugueses. Era uma mente excecional.”

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