Artigo do jornalista Pedro Bastos Reis noa revista «Urologia actual» que resume a intervenção que fiz na sessão de encerramento do Congresso Centenário da Associação Portuguesa de Urologistas, a mais antiga associação de especialistas médicos do país:
Na sua conferência, Carlos Fiolhais pretende apresentar “um balanço do século”. Para dar conta dos “progressos extraordinários” desde a fundação da APU até aos dias de hoje, vai pôr em retrospetiva a atribuição do Prémio Nobel em diversas áreas. “Em 1923, o Nobel da Física foi atribuído a Robert Andrews Millikan, por ter medido a carga do eletrão e por ter realizado experiências do efeito fotoelétrico”, recorda o professor.
“Em 2023, este prémio foi atribuído a três físicos [Pierre Agostini, Ferenc Krausz e Anne L'Huillier] que apuraram uma técnica para ver os movimentos de um eletrão quando se separa do átomo. Vejam bem a diferença: há um século, falávamos da ionização em bruto. Agora, estamos no pormenor de ‘fotografar’ a evolução dos eletrões”, sublinha Carlos Fiolhais. Foi também em 1923 que faleceu Wilhelm Röntgen, o primeiro vencedor do Prémio Nobel da Física, em 1901. “Ele descobriu os raios-X e, para mim, é o físico que maior contributo deu ao desenvolvimento da Medicina, incluindo, claro, a Urologia”, comenta o conferencista.
No âmbito da Medicina, há 100 anos, o Prémio Nobel foi entregue a Frederick Banting, que “conseguiu o feito na época extraordinário de isolar a insulina”. “Em 2023, este prémio foi atribuído a Katalin Karikó e Drew Weissman pelo desenvolvimento da técnica das vacinas de ARN mensageiro utilizadas contra a Covid-19 e com outras aplicações na Medicina. É impressionante a evolução registada nos últimos 100 anos! Para a perceber, basta olhar para os prémios Nobel de 1923 e de agora”, reitera o professor de Física..
Política, Educação e Ciência
Na sua
palestra, Carlos Fiolhais pretende ir além da Medicina e da Ciência, não
deixando de lado as questões políticas. Nesse sentido, começa por notar que, em
1923, o Prémio Nobel da Paz não foi atribuído. “A Primeira Guerra Mundial tinha
acabado há poucos anos e o mundo atravessava um tempo de grande instabilidade,
com graves problemas económicos e assomos de autoritarismo”, explica. E
acrescenta: “Foi em 1923 que se deu um golpe de Estado em Espanha, com Miguel
Primo de Rivera, e que se começou a ouvir falar de Adolf Hitler, que, nesse
ano, tentou um golpe em Munique, contra o governo da Baviera, pelo qual foi
preso, mas não cumpriu a pena na totalidade”. Além disso, em 1923, Benito
Mussolini tinha acabado de subir ao poder em Itália.
Em Portugal, com a República
implantada há 13 anos, “vivia-se uma grande instabilidade governativa”. “Em
1923, o presidente do Conselho de Ministros era António Maria da Silva, que liderou
vários governos, tendo um terminado a 15 de novembro desse ano. Ou seja, no dia
em que nasceu a APU, caiu o governo”, ironiza Carlos Fiolhais.
Já no campo da Educação, “em 1923,
existiam 33 liceus em Portugal, com cerca de 10 000 alunos. Atualmente, nos
2.º e 3.º ciclos do básico e no secundário, há mais de 900 000 alunos. Há 100
anos, só havia três universidades, em Lisboa, Coimbra e Porto, com um total de 3400
alunos, e hoje há, no ensino superior, cerca de 450 000 alunos.
Quanto à produção científica, Carlos Fiolhais enaltece que, atualmente, Portugal tem cerca de 50 000 cientistas e investigadores, sendo publicados “mais ou menos 30 000 artigos científicos por ano”. “Entre 1915 e 1924, só foram publicados 11 artigos científicos, um exemplo claro da debilidade da Ciência entre nós na altura”, esclarece.
Colocando várias dimensões em perspetiva, o cientista não tem dúvidas de que o ano de 1923 constituiu um marco para a evolução médica e científica no mundo e no nosso país. “Foi um grande ano para a Medicina nacional, desde logo porque nasceu a nossa primeira associação médica de especialidade, à qual se seguiram outras, imitando o exemplo da APU”, remata Carlos Fiolhais.
Elogio aos precursores da
Urologia
Alguns dos precursores da Urologia em Portugal merecerão particular atenção na conferência de Carlos Fiolhais. Desde logo, Artur Ravara, que, além de primeiro presidente da APU, “em 1902, inaugurou a primeira consulta de Urologia, no antigo Hospital do Desterro”. Anos depois, “criou o Serviço de Urologia do Hospital de São José”, destaca o conferencista.
Carlos
Fiolhais também evidencia o papel do segundo presidente da APU. “O ensino da
Urologia em Coimbra começou em 1909, impulsionado por Ângelo da Fonseca, que tem a particularidade de ter sido um dos
responsáveis pela criação em Coimbra da Faculdade de Letras e pela sua reintegração
nessa cidade depois de ter sido transferida para o Porto”, sublinha.
Por fim, o físico enaltece o legado
de Reynaldo dos Santos, quarto
presidente da APU: “Na Medicina, foi um grande professor e cirurgião, que desenvolveu
várias técnicas inovadoras. No entanto, o mais notável é que foi também um
homem da Arte e da Cultura, um dos maiores críticos de arte portugueses. Era uma
mente excecional.”
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