Por Eugénio Lisboa
Costumo ler, com prazer, muitas vezes com proveito e algumas, com discordância, as colunas de João Miguel Tavares, na última página do PÚBLICO.
Discordar não faz mal e é, até, saudável. Da discordância nasce o progresso do conhecimento científico. Se toda a gente, no tempo de Pascal, tivesse concordado com o conceito de que a natureza tem horror ao vazio, a hidráulica ainda hoje estaria na sua pré-História.
Por isso, peço a JMT que não veja na discordância que lhe vou propor nenhum acto de hostilidade: esta não é, de modo nenhum, a minha intenção, porque isso seria um acto de ingratidão para com o prazer que tantas vezes sinto ao lê-lo.
Vamos então ao assunto, que é sério: a catástrofe climática que se aproxima e da qual todos os dias nos chegam sinais alarmantes. Na sua coluna bem humorada e sempre admiravelmente redigida, JMT visa sossegar as actuais futuras bisavós, quanto ao futuro dos bisnetos e bisnetas, neste planeta assolado, já hoje, por ventos, fogos e dilúvios.
Em abono de tal sossego cor de rosa, ele socorre-se de todas as muito antigas previsões de fim de mundo que afinal nunca tiveram concretização. É um argumento que só aparentemente tem qualquer solidez. JMT dá, como exemplo, as previsões apocalípticas feitas no tempo da peste negra, quando uma vasta fatia da humanidade sucumbiu.
Esquece-se porém que tais profecias foram proferidas numa altura em que a ciência estava na sua infância e as pessoas seguiam, não os avisos de cientistas, mas sim as proclamações de profetas e de padres que bebiam em textos da Bíblia como se fossem certezas.
Hoje não há profetas a avisarem-nos do que pode acontecer, quem o faz são cientistas sérios, baseados num acervo impressionante de factos e de acontecimentos que já estão diante dos nossos olhos.
Comparar as profecias de Nostradamus ou do Bandarra, com cálculos feitos por gente que já chegou à Lua ou a Marte, que já curou a tuberculose, que descobriu os antibióticos e vai a caminho de controlar o cancro é o mesmo que pretender medir a energia com uma régua. Não é possível.
Os erros dos profetas “inspirados” não podem nem devem extrapolar-se às hipóteses de trabalho de quem as avança, solidamente apoiadas em muita e cautelosa investigação. Não são os profetas que inventam as vacinas contra as pandemias. Os profetas, ainda hoje, até avisam contra o perigo que entendem correr as pessoas vacinadas.
Meu caro JMT, não dê razões de sossego às futuras bisavós: dê-lhes, antes, razões de lutar contra políticos e empresários de vistas curtas e de inteligência boçal.
O perigo é mesmo real e é de dimensões assustadoras. Estamos a dar cabo da possibilidade de vida neste belo planeta, que não é só nosso: os animais, árvores e plantas são também parte dele e não têm de pagar pelos nossos pecados e pela nossa hubris.
Eugénio Lisboa
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