Por Eugénio Lisboa
Agora, que, por todo esse mundo, avançam as radicalizações, à direita e à esquerda, convém ir lembrando de que metal são feitos os tiranos.
São gente perigosa, porque, mesmo quando o seu comportamento é ostensivamente grotesco, guloso de glorificação, para além daquele teor mínimo de megalomania que assiste a qualquer ser humano, arranjam sempre uma corte de bajuladores que se atropelam uns aos outros para verem quem mais se destaca na arte de bajular.
Vou aqui transcrever um excerto de um capítulo do excelentemente documentado livro A CONTRA HISTÓRIA DO COMUNISMO, do espanhol Fernando Díaz Villanueva: O JARDINEIRO DA FELICIDADE HUMANA
“Os tiranos foram sempre muito dados a olhar para o umbigo e a obrigar toda a gente a admirá-los. Por isso, aquilo a que hoje chamamos culto da personalidade – expressão extraída directamente do marxismo – teve lugar em todas as civilizações, independentemente da época e do lugar.
Os egípcios antigos divinizaram os faraós, que, mais do que simples reis, eram deuses num corpo mortal que estavam de passagem pela Terra. Em Roma, os governantes começaram a investir-se de divindade, assim que a antiga república deu lugar ao Império. Incas, aztecas, tibetanos e chineses transformaram os seus governantes em algo muito semelhante a deuses, quando não directamente em deuses. Na China, a filosofia política prevalecente era a do mandato do céu, que era muito similar à que, na Europa, legitimava a monarquia de direito divino.
Mas, ainda que pareça mentira, foi no século XX que o culto da personalidade alcançou o seu máximo esplendor, em boa medida, graças ao aparecimento de novas tecnologias e meios de expressão como a fotografia e o cinema e, principalmente, à irrupção dos totalitarismos após a Primeira Guerra Mundial. Os fascistas e os bolcheviques perderam a cabeça com o culto ao líder e aos poderosos. As suas ideologias anómicas tinham essa veneração no código genético e os avanços técnicos da época tornaram realidade os seus sonhos idólatras.
O fascismo italiano, como em muitas das formas exteriores do socialismo, foi o primeiro. Mussolini revestiu-se de uma autoridade inspirada no culto dos antigos césares. Os uniformes, os desfiles, o passo de ganso, as saudações romanas, tudo isso marcou um estilo que os nazis rapidamente adoptaram.
Os bolcheviques distanciaram-se ligeiramente da estética fascista, mas reforçaram ainda mais a veneração do líder. Isso aconteceu já nos tempos de Lenine, mas, como ele não viveu o suficiente para completar a sua obra, foi na era de Estaline que o culto da personalidade atingiu a sua máxima expressão. A loucura começou com os nomes do inominável. Ninguém no seu perfeito juízo se referia a ele como Joseph, o seu nome próprio, mas como Estaline, o seu cognome revolucionário, que em russo quer dizer qualquer coisa como “feito de aço”. Os aduladores depressa começaram a arranjar-lhe sobrenomes grandíloquos, como Pai dos Povos, Líder e Mestre dos Trabalhadores do Mundo, Titã da Revolução Mundial, Corifeu da Ciência, Jardineiro da Felicidade Humana, Brilhante Génio da Humanidade, Grande Arquitecto do Comunismo ou Sábio Timoneiro. Utilizavam esses vários epítetos grandiosos, consoante a época e a ocasião. A princípio, a designação que mais lhe agradava utilizar para ganhar legitimidade era a de Discípulo Predilecto do Camarada Lenine, depois, quando o seu poderio se tornou incontestável, passou a preferir a de Pai dos Povos, que foi muito utilizada fora da URSS após a Segunda Guerra Mundial, ou a especialmente cómica designação de Amigo Benevolente de Todas As Crianças. Não parou aqui a megalomania. Dezasseis cidades de diversos países mudaram de nome em homenagem ao líder de aço. A maior e mais famosa foi Estalinegrado, à qual a História reservou um papel especialmente heroico.”
De todos os títulos grandiosos, escolhi, para encabeçar esta transcrição, o de O JARDINEIRO DA FELICIDADE HUMANA, por razões de ferina ironia. Quando, ainda na vigência do regime soviético, visitei Moscovo e Leninegrado (hoje, de novo, S. Petersburgo), achei tudo aquilo tão tenebroso, tão soturno, tão absurdamente cruel (não encontrei rigorosamente nada que me apetecesse trazer como recordação), que cogitei, com os meus botões, nunca ter visitado nada de onde a felicidade humana estivesse tão arredada.
Eugénio Lisboa
15 comentários:
Eugénio, deixo-lhe um testemunho, que fortalece a sua ideia.
Korolev escreve no campo de treinamento quando chega a notícia da doença fatal de Stalin.
Ele escreve para a sua esposa uma carta particular.
"A ansiedade não sai da consciência por um minuto. O que vai acontecer com ele, Stalin, e como quero que tudo fique bem."
Um dia depois, na mesma carta à esposa:
"É tão insuportavelmente doloroso no coração, há um nó na garganta e não há pensamentos nem palavras para transmitir a dor que se abateu sobre todos nós. Esta é uma dor verdadeiramente nacional e incomensurável - não há ninguém maior do que o nosso querido camarada Stalin".
No seu diário datado de 9 de março, não mais para sua esposa, mas apenas para jogar fora sua dor, o grande designer Korolev escreverá para si mesmo:
"É tão insuportavelmente doloroso no coração, há um nó na garganta e não há pensamentos nem palavras para transmitir a dor que se abateu sobre todos nós. Esta é uma dor verdadeiramente nacional e incomensurável - não há ninguém maior do que o nosso querido camarada Stalin".
"Não há pensamentos nem palavras para transmitir a nossa dor. Eu chorei", escreve o designer Korolev sobre Stalin".
Como é possível, todos sabemos que, o vilão Stalin, levou o designer para Kolyma sem culpa?
Forte Abraço Eugénio
No seu diário datado de 9 de março, não mais para sua esposa, mas apenas para jogar fora sua dor, o grande designer Korolev escreverá para si mesmo:
"Ouvimos o funeral do camarada Stalin no rádio. Que terrivelmente difícil. Eu chorei. Não há nada a acrescentar. Nosso camarada Stalin viverá conosco para sempre."
Caro Anónimo, um apoio anónimo é um gesto de elegante pudor, o contrário de um feio ataque anónimo. Fico-lhe muito grato pelo gesto e pelo conteúdo dele. O exemplo que dá é das coisas mais sinistras que regista o comportamento humano: um inocente enviado pelas tropas de Stalin para o Gulag e que depois "escreve" à mulher, chorando baba e ranho pela morte do carrasco... Meu caro, está tudo no DARKNESS AT NOON, de Arthur Koestler: os desgraçados que, depois de meses de tortura, iam para julgamento confessar crimes que não tinham cometido, mesmo sabendo que seriam condenados à morte. Nem o Inferno de Dante previu isto. E há Partido que nunca explicitamente se distanciou do Sábio Timoneiro!
Bom abraço do
Eugénio
Para o fascista SALAZAR, o povo necessitava apenas de saber escrever e contar.
Para o bolchevique STALIN, os méritos eram sempre do povo. Os prémios Nobel eram uma vitória e conquista do povo.
Aqui é que os bolcheviques se distanciaram, não ligeiramente, (como escreve o ignorante Fernando Díaz Villanueva) mas muitíssimo da estética fascista.
As últimas palavras de Lev Davidovich Landau foram:
- Eu vivi uma vida boa. Eu sempre consegui.
Como é possível? Landau foi preso e torturado pelo regime de Stalin.
Éra equivalente ao Guantanamo dos nossos dias, não é assim caro Eugénio Lisboa?
O inferno de Dante também não previu Guantanamo, concorda?
Cumprimentos
Testemunho da filha de Sergei Pavlovich Korolev
"Meu pai sentiu profundamente a morte de Stalin. Assim como muitos outros, ele não viu sua culpa nas torções de seu próprio destino... E isso foi escrito e dito por um homem que passou pelas prisões e campos de Stalin, arrancado à força de seu amado trabalho e família por mais de seis longos anos..."
O Eugénio Lisboa parece ignorar quem foi Sergei Pavlovich Korolev e quase tudo sobre a URSS.
"Se podes olhar, vê. Se podes ver, repara."
Será possível que o Sr. Eugénio Lisboa ainda não se apercebeu que, nestes dias, os Israelitas estão a cometer um GENOCÍDIO de um povo, do Palestino.
É que nem uma linha escreve. Bem é até melhor que nada diga se a sua vontade é justificar o GENOCÍDIO comomuitoso fazem. Que Vergonha.
Claro que concordo. Guantanamo é uma dantesca vergonha. E é uma demonstração do fraco poder que têm os Presidentes dos EUA: mesmo os que já quiseram acabar com aquele inferno, além do mais, inconstitucional (Obama), não o conseguiram. Mas, apesar de tudo, há uma importante diferença: a literatura e o cinema americanos têm tido a coragem de denunciar este crime, em obras poderosas. Nunca vi isso acontecer nos regimes ditatoriais. Mesmo a democrática França , no que respeita a cinema, teve sempre grande dificuldade em lidar com o colaboracionismo e com a guerra na Argélia. As salas de cinema recusavam exibir filmes glosando esses temas. Nos EUA, não o esqueçamos, o sinistro macarthysmo foi derrubado corajosamente por um general que teve a coragem de em voz bem alta denunciar aquela infâmia. Convém termos estas coisas presentes, para fazermos um juízo firme mas não enviesado.
Um obrigado sincero pela sua lúcida mensagem
Abraço do
E.
O que o Sr. Anónimo precedente escreve a respeito do meu silêncio sobre Israel só pode ser resultado de ignorância ou má fé, provavelmente, de má fé. Por outro lado, eu é que posso estranhar o seu silêncio enviesado, quando fala carinhosamente do Povo Palestiniano e não menciona o Hamas, como se isso fosse um pormenor descartável. Sugiro-lhe que leia no PÚBLICO de hoje um longo e minucioso texto de historiador sobre os confessados pressupostos do HAMAS e ficará estarrecedoramente esclarecido sobre aquele bando de fanáticos religiosos que não merecem a simpatia de ninguém decente. Netanyhau é um bandido e os do HAMAS não são melhores. E os que defendem o povo palestiniano, esquecendo-se de que faz parte deles o HAMAS, que se está nas tintas para a tragédia vigente, não merecem ser considerados pessoas decentes. Devo acrescentar, porque nunca tive frio nos olhos, que tenho o maior desprezo pelo Islão todo, que considero uma verdadeira praga para a Humanidade: ponham os olhos, por exemplo, no Irão, na Arábia Saudita e por aí fora e meditem bem no modo infame como tratam e querem continuar a tratar as mulheres. É este mesmo Irão que patrocina grupos muçulmanos extremistas, que um dia comerão, ao pequeno almoço, todos os Anónimos que tanto carinho mostram por eles. As religiões, na minha opinião, são todas más e profundamente retrógradas, mas o Islão é a cereja em cima do bolo. Sugiro ao Anónimo que leia o Corão e ficará a saber o que Maomé recomenda ao bom muçulmano sobre o modo como deve tratar TODOS os INFIÉIS (eu, o Anónimo, os nossos amigos e familiares, etc.). Garanto-lhe que ficará edificado. Daquele menu, nem o esfolamento do infiel está descartado...
Haja, nisto tudo, um bom bocado de bom senso e menos gritaria acéfala. Entre este Israel e o HAMAS ou o HEZBOLAH, o diabo que escolha. O meu voto não vai para nenhum deles.
O depoimento do Anónimo das 13.21 faz-me dizer, como nos romances policiais duros, da América: "You believev that, You believe anything". Um notável engenheiro espacial, enviado, inocente, por uma denúncia de colega, para o sinistro Gulag, no qual perdeu, por escorbuto, vários dentes, ficar eternamente grato a Estaline - é preciso uma infinita credulidade para se engolir tal história. O que as histórias dizem dele, depois de sair do Gulag, é que se tornou imensamente cauteloso e reservado, o que não admira. Nem admira que, depois de tal experiência do inferno, levasse as suas precauções, ao ponto de fingir dor com a morte do Sábio Timoneiro. Faz-se tudo para sobreviver, sobretudo quando já se esteve à beira do abismo. Mas acreditar na sua dor sincera e até dilacerante, pela morte do carrasco, é a pior ofensa que se pode fazer à memória de Korolev.. Vale a pena reler o admirável DARKNESS AT NOON, de Arthur Koestler.
Tá na hora de mudar o sábio timoneiro é Arthur Koestler.
O Eugénio Lisboa conseguiu apresentar a sua ignorância sobre a URSS - como uma monstruosidade, que não foi.
Não satisfeito vem mostrar a sua ignorância sobre as religiões.
O mais grave, é ter dito que o povo palestino é também o Hamas.
Melhor fora que estivesse calado.
Porque juntou-se aqueles que permitem o GENOCÍDIO.
A ignorância deste anónimo sobre religiões, sobre a URSS, sobre a Palestina, sobre o HAMAS e sobre genocídio, é simplesmente deslumbrante e só igual ao seu atrevimento, o qual costuma andar de mãos dadas com aquela. Uns bons aninhos de estudo feito com espírito aberto fá-lo-á descobrir muita coisa. E tirá-lo-ia do estado bruto de falta de conhecimento em que se encontra. Em vez de ler panfletos de propaganda ideológica, leia verdadeiras obras de filosofia, história e, se isso estiver ao seu alcance, de ciência. E seja humilde e evite o anonimato das redes sociais. Que diabo, ainda não percebeu que atacar alguém, sob o véu do anonimato,
é feio e é cobarde? Não percebeu esta coisa de elementar de estética e de ética? Depois disto, tem a coragem de se ver ao espelho?
Adenda ao verbete anterior: O grande problema com estes comentários é que quem deveria falar está calado e quem fala deveria ficar calado. O silêncio nem sempre é de ouro, pode, mesmo sem querer, tornar-se cúmplice dos de má fé, que, ficando sozinhos em campo, deixam a imagem de que a maioria pensa como eles. Esta gente é atenta e activista e os outros remetem-se ao sossego. Foi assim que Hitler chegou ao poder e desassossegou o mundo inteiro, que só queria sossego.
Os ditadores conseguem transformar cidadãos, que deviam ser livres e racionais, em subservientes e submissos de uma maneira que causa angústia. Veja-se como no Coreia do Norte milhões de seres vivos, com capacidade para pensar, se transformam todos, mas mesmo todos, em adoradores cegos e completamente acéfalos. Veja-se a coreografia e a uniformidade - de postura, de trajes, de aplausos - dos milhares de participantes nos Congressos do Partido Comunista Chinês. Os crentes de todas as religiões - e as religiões políticas ainda são as piores que as outras - podem transformar-se em fanáticos, defensores de ideias, de pessoas e de comportamentos que, em seu juízo perfeito e livre,
seriam incapazes de fazer.
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