Foi há cem anos que faleceu Basílio Teles (1856 – 1923), um intelectual
portuense que militou no movimento republicano. Para além de activista
político, foi professor do ensino secundário, autor de livros sobre política,
história, religião, economia e filosofia, além de prolixo publicista.
Teles estudou na Academia Politécnica e na Escola Médico-Cirúrgica do Porto,
que abandonou em 1879 por conflitos com professores. Vivia-se então um tempo
marcado pelo positivismo: foi condiscípulo no curso médico de Júlio de Matos
(1856-1922), da mesma idade, que foi editor com Teófilo Braga da revista
filosófica O Positivismo, e que haveria de se dedicar à psiquiatria em
Lisboa.
Uma marca do republicanismo foi o distanciamento em relação à Igreja. Não
admira, por isso, que Teles tenha assumido uma posição ateísta, baseada na sua
visão do problema do mal. Dissertou sobre a religião em O Livro de Job (1912)
e A Questão Religiosa (1913), tendo o mesmo tema também sido tratado
pelo seu companheiro da revolta de 31 de Janeiro de 1981 José Sampaio Bruno
(1857-1915).
Teles confiava na ciência, tendo
desenvolvido uma visão cosmológica monista. Podemos-lhe chamar-lhe um
positivista idealista ou metafisico, uma forma decerto heterodoxa do
positivismo prevalecente. Afastando-se também do positivismo comtiano, Sampaio Bruno
encaminhou-se não para a ciência, mas para o misticismo e o esoterismo. Cada um
à sua maneira, foram os dois figuras singulares no positivismo republicano.
A filosofia de Teles
A filosofia da ciência de Basílio Teles está expressa em dois livros. O
primeiro foi uma tradução do grego da tragédia de Ésquilo, Prometeu
agrilhoado (com um estudo a propósito da tragédia) (1914), onde incluiu um
texto seu sobre a ciência helénica, e outro sobre a ciência moderna, no qual apresentou
as suas ideias sobre o espaço, o tempo e a matéria. O segundo consistiu no
desenvolvimento das suas ideias anti-atomistas, que já tinham aparecido no
livro anterior: A Ciência e o Atomismo. Continuação do ‘Estudo’ inserto no
‘Prometeu Agrilhoado’ (s. d., que Braz Teixeira data de c. 1921, na edição
dos Ensaios Filosóficos de Teles publicada pela Imprensa Nacional – Casa da Moeda -
INCM).
No texto sobre a «ciência moderna» incluído em Prometeu expôs
sumariamente a sua cosmologia: entende que existe uma realidade regida por
leis, que a ciência procura descobrir. A formação científica de Teles era
inteiramente fundada na física clássica (teve uma cadeira anual de Física na
Academia Politécnica). Mas as ciências físicas estavam em plena transformação
no início do século XX, com as leis clássicas a darem lugar a outras, bastante
diferentes: por exemplo, as leis de Newton eram abanadas pela teoria quântica e
pela teoria da relatividade. Se a primeira ainda era determinista, a segunda já
não o era. Teles, por falta de suficiente formação científica e de atenção ao
exterior, não se apercebeu das grandes mudanças científicas que então
ocorreram.
A teoria quântica é de 1900, e a teoria da relatividade de 1905, na forma
restrita, e 1915, na forma geral. A primeira nasceu com o alemão Max Planck
(1856-1947), com a descoberta da descontinuidade da energia, mas passou pelo
suíço Albert Einstein (1789-1955), pelo dinamarquês Niels Bohr, pelo francês Louis
de Broglie (1892–1987) antes de chegar à
forma actual, fruto principalmente dos trabalhos do alemão Werner Heisenberg
(1901-1976) e do austríaco do Erwin Schroedinger (1887-1961).
A segunda teoria foi inteiramente de Einstein: ele uniu matematicamente o
espaço e o tempo, os dois considerados relativos, e ligou numa identidade a
matéria e a energia. Na sua coroa de glória, a relatividade geral, explicou a
gravidade como o encurvamento do espaço-tempo pela matéria-energia.
Quando Teles morreu, a teoria da relatividade estava terminada e a teoria
quântica estava quase a ser terminada. Não acompanhando esses desenvolvimentos,
o pensador portuense elaborou sobre conceitos essenciais dessas teorias - como
espaço, tempo, matéria e energia – não num registo científico, mas num registo
filosófico.
Para ele, o espaço era uma realidade infinita e continua, o cenário onde se
passavam todas as coisas. E o tempo não tinha uma realidade exterior, sendo
apenas pessoal e subjetivo: este foi um dos seus maiores erros. Alem de não
fazer um tratamento científico do tempo, ignorou as ideias do filósofo francês Henri
Bergson (1859-1941), que também tinha uma noção subjectiva do tempo (expressa
em Evolução Criadora, 1907), que
também tinha uma noção subjectiva do tempo, por causa da qual teve uma
discussão com Einstein, reflectida no livro Duração e Simultaneidade (1922).
Embora de uma maneira diferente da de Einstein, para Teles matéria e energia
também estavam ligadas, pois não considerava demonstrada a existência de átomos:
ao contrário de Einstein, que em 1905 corroborou a chamada «hipótese atómica»,
para ele a matéria não passava de um conjunto de «flocos» de energia em
permanente movimento. As suas ideias filosóficas vinham em parte do matemático
francês Henri Poincaré (1854-1912), um predecessor da teoria da relatividade e
também o autor de livros de filosofia da ciência que se tornaram clássicos: Ciência e Hipótese 1902), O Valor da
Ciência (1905) e Ciência e
Método (1908). Apesar de Poincaré enunciar basicamente a ideia da
relatividade restrita no segundo destes livros, Teles não se interessou por
essa parte. Teles sabia, via Henri Poincaré, que a massa entendida como inércia
mudava com a velocidade em experiências de electrões, mas fala da «hipótese de
electrões» como algo por provar. Por outro lado, ignorou a relatividade geral,
apesar de ela ter sido corroborada na ilha do Príncipe e no Nordeste do Brasil
em 1919, mantendo-se fiel ao paradigma euclidiano: conhecia, mais uma vez via
Poincaré, as geometrias curvas, mas achava que elas não tinham qualquer
aplicação na realidade. Saliente-se que Teles não era um cientista – de resto, havia
muito poucos cientistas portugueses nas primeiras décadas do século XX – mas
sim um filósofo largamente autodidacta. Há quem lhe aponte a escassez de leituras,
mas temos de o compreender à luz do défice da ciência no Portugal da época.
O anti-atomismo de Teles
Basílio Teles foi um anti-atomista, por razões que explicou
aprofundadamente em A Ciência e o Atomismo. Pode parecer estranho porque a atomismo está historicamente mais ligado
ao ateísmo do que ao não-ateísmo. Podemos considera-lo defensor
do energeticismo, uma doutrina que foi durante algum tempo defendida por
Poincaré, mas que este abandonou em 1911. A realidade dos átomos tornou-se
então clara com a difusão dos resultados do físico francês Jean Perrin do
movimento desordenado de partículas em suspensão.
Vejamos porque razão Teles não aceitava os átomos: no seu texto sobre a
ciência moderna, inserto no Prometeu, Teles escreveu (p. 269 da ed. da INCM):
“A matéria é descontínua: eis a proposição em que assenta o atomismo, o
antigo e o moderno. Será um facto? Será uma indução imposta irresistivelmente
ao nosso espírito? Ou não será um mero postulado, admitido apenas no intuito de
dar um nexo lógico às relações parciais estabelecidas pelo pensamento acerca do
mundo exterior? Não se lembrando nenhum homem de ciência de afirmar que um
átomo seja atingível pela observação ou pela experiência, aquela
descontinuidade é evidente que não pode ser um facto, no sentido que a palavra
cientificamente reconhece. De comprovação directa, torna-se incontestável que o
não é, até mesmo para um noviço. Mas de comprovação indirecta, quer dizer, como
um facto provável inferido legitimamente doutros factos – não o será? Eis a primeira
dificuldade a resolver; porque as opiniões, e das mais autorizadas, são
divergentes no assunto.»
Mais adiante (p. 290) explica por que razão as interaçcões (gravidade, luz,
calor) desafiavam a teoria que ele chama átomo–mecânica, que ele repudia em
favor de uma teoria átomo-dinâmica. Para ele, a relacionação dos movimentos «é
insolúvel para qualquer das teorias». E acrescenta: «Pensam o contrário os
defensores da átomo-mecânica, mas é um erro que é urgente dissipar. O que se
torna aparentemente fácil de entender é a transmissão do movimento de um corpo a
um outro contíguo, como na experiência das esferas elásticas em física.
Aparentemente: porque analisado mais de perto, o fenómeno é, em extremo,
complicado e não permite perceber aquela transmissão.”
O mais relevante era a relação entre as coisas, que se expressava através
da energia (p. 309): “A força ou
energia, portanto, e só era é o substratum, o último e irredutível
elemento em que pode resolver se o Universos fenomenal, como realidade exterior
e como ideia.”
Para Teles, a matéria era
essencialmente energia. A teoria energeticista
existia no pensamento científico europeu, mas o português não invoca fontes
onde o possamos filiar, para além de Poincaré.
A crítica de Teles ao atomismo é ainda mais clara em A Ciência e o Atomismo.
Começa por falar de dificuldade em conceber os átomos como pequenas esferas
iguais. Depois levanta o problema da passagem da água a gelo (p. 324);
«O corpo é sempre um só invariável, pois o número dos seus átomos em
qualquer um dos dois estados, e, todavia, o gelo adquire uma rigidez que a água
não possui, e um volume superior ao dela antes que a solidificação se realize (
…) Era este um óbice grave para os atomistas de Abdera, e é-o ainda para os
atomistas de hoje, que reclamam para essas partículas insecáveis igualdade
completa de forma e de grandeza; e, para a sua influência recíproca, o contacto»
E, mais adiante (p. 396):
“Se inúmeros factos vulgares, como sejam a difusão, a osmose, a dissolução,
as misturas, ligas, amálgamas, infiltrações combinações e decomposições, etc.,
nos impõem o conceito de corpo, seja composto ou simples, como sendo uma geração
de partes similares, i. e., de corpos iguais a ele, mas de dimensões infinitésimas
- nem um único, que nos saibamos, nos compele
a admitir que essas partes similares, ao menos dos corpos simples, sejam por
seu turno verdadeiros agregados, conforme a teoria dos átomos conjectura. Esta
descontinuidade molecular – servindo-nos da expressão actual, é pura hipótese. Eliminada
a extensão entre as propriedades da matéria não vemos que uma necessidade lógica
qualquer na carência dum só facto impeditivo perfeitamente averiguado, obste ao
conceito oposto de continuidade molecular, e da redução de quaisquer diferenças
observadas entre esses corpos infinitésimos, ou moléculas, a diferenças de
intensidade de energia ou energias representadas em cada um, mais exactamente,
em que se resolve cada um deles, ou nos devemos esforçar por que se resolva.”
Os argumentos de Teles são débeis, pelo menos à luz dos conhecimentos de
hoje: um é a impossibilidade de acesso aos átomos através dos nossos órgãos dos
sentidos e, portanto, a sua figuração psicológica. Outra, patente no caso do
gelo e água líquida, é a relação que ele pretende intuitiva entre densidade e
rigidez. Outro ainda, talvez o principal, é a questão da transmissão dos movimentos:
como é que pequenas partículas que interagem por choques podem dar conta de toda
uma variedade de fenómenos da física e da química? Além disso, ele tinha
dificuldade em entender o vácuo, que confundia com o espaço. O seu livro A Ciência e o Atomismo usa a física
clássica para tratar de um mundo que hoje sabemos escapar a essa física.
A doutrina do atomismo
Mas, para percebermos melhor o que estava em jogo, vejamos a origem e o desenvolvimento
do atomismo, como se passou de uma ideia especulativa para uma teoria cientificamente
provada. A teoria atómica começou por ser uma hipótese mental e tardou até se
tornar uma teoria física confirmada pela experiência. A sua origem remonta aos
antigos gregos de Abdera, do século V a.C. No início do seculo XX persistia a «hipótese
atómica», havendo cientistas e filósofos qu e a negavam. Mas só em 1911, quando
se reuniu o 1.º Congresso Solvay em Bruxelas com os maiores físicos do mundo, é
que o atomismo triunfou, com a comunicação do francês Jean Perrin (1870-1942) dos
seus resultados experimentais do movimento dito browniano. Já se tinha
percebido antes que o átomo não era indivisível, contrariando a etimologia da
apalavra): em 1879 tinha sido descoberto o electrão. E o núcleo atómico foi descoberto
no mesmo ano de 1911 pelo britânico Ernest Rutherford, um dos participantes no
Congresso.
Foi longo e complexo o caminho do atomismo grego à hipótese atómica dos cientistas
do início do século XX. O atomismo é uma filosofia natural que se desenvolveu não
só na Grécia como noutras tradições antigas. Partindo indefinidamente qualquer
pedaço de matéria encontrar-se-iam os átomos. Para os atomistas seguidores de
Leucipo e Demócrito (c. 460-370 a.C.), os dois de Abdera, o primeiro do século
V a C. e o segundo dos séculos V e IV a.C., «tudo é «átomo e vazio».
A doutrina de Leucipo e Demócrito não vingou na Grécia antiga: Aristóteles
não a seguiu. Mas a ciência moderna acabou por a confirmar, embora os átomos
sejam divisíveis: são feitos de núcleos e de eletrões, os núcleos de protões e
neutrões e estes de quarks. Os átomos são, por isso, feitos no fundo de quarks,
partículas pesadas, e de electrões, partículas leves. Chamamos a uns e a outros
partículas fundamentais: são, de certa forma, os novos átomos. Pode parecer incrível
que, sendo a Natureza tao variada, tudo se reduza a eles (há ainda partículas
ultraleves e vadias, os neutrinos, que, ao contrário dos quarks e dos electrões,
não têm carga). O físico norte-americano Richard Feynman, Nobel da Física 1965,
disse um dia que, se a civilização humana estivesse na iminência de acabar, e
só houvesse uma chamada telefónica para comunicar a um extraterrestre o mais
importante que sabíamos do mundo, a mensagem deveria ser: «Tudo é átomos e
espaço vazio».
Entre os seguidores gregos do atomismo, destacou-se Epicuro de Samos
(341–270 a.C.): para ele tudo se resumia a infinitas combinações de átomos
diferentes em choques incessantes. A morte rara a desintegração dos átomos do
corpo, eternos e indestrutíveis, pois poderiam entrar na constituição de outros
corpos. O movimento dos átomos era o estado natural e permanente do mundo.
Epicuro procurava assim afastar o medo da morte e dos deuses. A sua doutrina
foi divulgada pelo poeta latino Tito Lucrécio Caro (c. 94 a.C. – c. 50 a.C.), o
autor de A Natureza das Coisas, que pode ser considerada uma das primeiras
obras sobre o ateísmo. Esse poema foi descoberto num mosteiro alemão em 1417,
na aurora da modernidade.
No Renascimento, as ideias de Lucrécio foram retomadas pelo padre francês Pierre
Gassendi (1592–1655), que de certo modo “cristianizou” o atomismo, até então
uma doutrina pagã. O italiano Galileu Galilei (1564 – 1642), um correspondente
de Gassendi, foi atomista. Foram-no também os ingleses Robert Boyle (1627–1692)
e Isaac Newton (1642-1729). Para este a luz era formada por partículas. O mesmo
se passou com o francês René Descartes (1596–1650), contemporâneo de Galileu,
que defendia pequenas partes de luz, embora ele não possa ser considerado um
atomista, pois lhe repudiava a ideia de éter.
Em 1808 o químico inglês John Dalton (1766- 1844) assimilou o conhecimento
experimental da química para sumariar a evidência da composição da matéria em
moléculas, grupos de átomos. A hipótese atómica foi ganhando força ao longo só
século XIX à medida que a química avançava. No final do século XIX tinha
surgido a teoria científica dos gases, para cuja criação pontificou o físico austríaco
Ludwig Boltzmann (1844-1906). Em 1875 concluiu que seus átomos apareciam como
pontos com massa no quadro da teoria cinética dos gases. A composição dos
átomos foi depois deduzida, sendo o electrão a primeira partícula elementar a
ser identificada pelo inglês Joseph J. Thomson.
No final do século XIX, houve críticas
relevantes ao conceito atómico em especial nos países de língua germânica por
parte do físico e filósofo positivista austríaco Ernst Mach (1838-1916) e por
parte do químico energeticista alemão Wilhelm Ostwald (1853-1932), o que levou
a uma acalorada controvérsia com Boltzmann. Mach, apesar do seu anti-atomismo, escreveu um obituário laudatório quando Boltzmann morreu. Ele suicidou-se em
1906, em consequência da doença bipolar, embora haja quem diga que estava
desiludido por não ser reconhecida a sua doutrina dos átomos.
Para o positivista radical Mach a filosofia da ciência devia assentar
apenas na experiência dos sentidos e os átomos não eram vistos! Por outro lado,
Ostwald, fundador da Física-Química e Nobel da Química em 1909 pelos seus
trabalhos em catálise e cinética química, criticou a hipótese atómica entendida
de forma mecanicista. Em 1895 apresentou pela primeira vez as suas
considerações filosóficas-naturais de uma forma coerente, defendendo a tese de
que a matéria não passa de uma manifestação especial da energia. Ostwald foi
respondendo a algumas das questões físicas e filosóficas que surgiram, mas algumas
respostas eram insatisfatórias.
Entre os químicos um outro anti-atomista foi o francês Pierre Duhem (1861-1916),
termodinâmico, historiador e filósofo da ciência. Não acreditava nos átomos,
porque eles não se viam, tal como Mach. Foi um defensor do energeticismo, i.e., da dispersão de energia no espaço
em vez de átomos, mais concentrada nuns sítios do que noutros, sendo a
redistribuição de energia a responsável por fenómenos observados. A principal contribuição científica de Duhem
foi o seu ensaio de unificar as ciências físicas e químicas no quadro de uma
termodinâmica generalizada, na qual as palavras “átomo” e “molécula” estavam
totalmente ausentes: Tratado de
Energética (1911). Morreu sem
acreditar na realidade atómica.
Foi em 1905 que surgiu o génio do então jovem Einstein. Na sua tese de doutoramento
em 1905 sobre o atomismo fez uma descrição matemática do movimento browniano, i.e.,
o movimento desordenado de uma partícula de pólen devido a choques incessantes
com moléculas de água (a descoberta do escocês Robert Brown em 1827 desse
fenómeno, usando um microscópio, foi o maior contributo que a botânica deu à
física!). Einstein publicou no mesmo ano da tese um artigo que explicava em pormenor
como o movimento aleatório observado era resultado do choque com moléculas
individuais de água.
Um dos seus maiores adversários foi o alemão Philipp von Lenard
(1862-1947), galardoado com o Nobel de Física de 1905 por suas pesquisas sobre
os raios catódicos ou de electrões. Ele foi um defensor da ideologia nazi.
Entre as guerras promoveu a chamada “física alemã”, em oposição à “física
judaica”.
Jean Perrin confirmou as ideias de Einstein,
observando com cuidado o mesmo movimento browniano. O físico francês realizou
as suas experiências sobre esse movimento em 1907-1909, tendo divulgado os seus
resultados numa série de artigos. Um deles, com o título “Movimento browniano e
realidade molecular,” foi publicado nos Annales de Chimie et de Physique (1909)
e, logo traduzido para o inglês, contribuiu para a sua divulgação do atomismo e
para a reputação do autor em França e no estrangeiro. Em 1910, Perrin foi
promovido a professor na Sorbonne. Publicou
uma síntese no livro Les Atomes em 1913. Recebeu o Nobel da Física de
1926 "por seu trabalho sobre a estrutura descontínua da matéria".
Ele foi um dos convidados para o primeiro congresso de física Solvay, em 1911,
em Bruxelas. Perrin encontrou lá Einstein,
Madame Curie (a única senhora) e o patriarca Henri Poincaré. O industrial belga Solvay foi o promotor deste
congresso que reuniu cerca de vinte dos maiores físicos da época. Os
participantes deviam enviar uma sua comunicação com antecedência para que
possam ser distribuídas aos participantes antes da reunião. A conferência de Perrin,
intitulada “As provas da realidade molecular,” foi tão clara e tão bem argumentada
que todos os participantes ficaram convencidos da existência dos átomos, mesmo
os mais cépticos. Em particular, Ostwald, que, como químico, não participou na
reunião e que tinha sido um adversário decidido do atomismo de Boltzmann,
declarou-se convertido após ler a comunicação de Perrin. Henri Poincaré, até
então céptico quanto à existência de átomos, admitiu, após ouvir a apresentação
de Perrin, que “o átomo dos químicos se tinha tornado realidade.”
Numa palestra em 11 de Abril de 1912 na Sociedade Francesa de Física,
intitulada “As relações entre a matéria e o éter” Poincaré disse: “As brilhantes
determinações do número de átomos, feitas por Perrin completaram o triunfo do
atomismo. O que anima a nossa convicção são as múltiplas concordâncias entre os
resultados obtidos por procedimentos completamente diferentes (…) O átomo dos
químicos é agora uma realidade, mas isso não quer dizer que estejamos a ponto
de chegar ais últimos elementos das coisas (…) No átomo encontramos muitas
outras coisas (…) Em primeiro lugar encontramos electrões cada átomo apresenta-se-nos
como uma espécie de sistema planetário.” Poincaré morreu em 1912, três meses
depois da palestra.
Após a Primeira Guerra Mundial, o energeticismo já quase não estava
presente nas obras de física ou de filosofia. De todos os defensores dessa teoria,
Teles cita Poincaré, e não Mach e Duhem. Estes últimos morreram em 1916 sem
nunca se terem «convertido» ao atomismo. Planck disse – e com razão - que as novas ideias não vingam por se
convencerem os adversários, mas sim por os adversários morrerem e as novas gerações
serem educados nas novas ideias.
Anti-atomismo em Portugal
Como é que apareceu o anti-atomismo em Portugal?
O atomismo foi entre nós prejudicado pela sua ligação ao ateísmo. Significativo
foi o facto de o primeiro atomista português foi o filósofo judeu Isaac
Cardoso, exilado no século XVII em Espanha e Itália e sem influência no país. Autores como Gassendi, Descartes e Newton foram proibidos no Portugal
pós-tridentino. A ciência feita lá fora ia chegando com algum atraso. Acaba por ser natural, no plano filosófico, a
opção de Teles pelo anti-atomismo.
A polémica entre atomistas e anti-atomistas passou pelos escritos do
filósofo Leonardo Coimbra (1883–1936), que, na sua tese O Criacionismo
(1912), foi o primeiro a referir a relatividade em Portugal, embora o nome de
Einstein. Em 1922 teve, num artigo em A Águia,
a clarividência de ver que, na disputa entre Einstein e Bergson, o primeiro
tinha razão. Na referida tese, Coimbra tentou conciliar posições atomistas e
energeticistas, escrevendo: “O que, consciente ou inconscientemente, fazem os
energeticistas é fugirem ao mecanismo cousista, no que são dignos de louvor”. O autor de O
Criacionismo professou um intelectualismo idealista, reconhecendo a
necessidade de reintegrar o saber das "mais altas disciplinas
espirituais", como a metafísica e a religião. Maçon como Bruno, interessou-se
pelo espiritismo. Converteu se ao catolicismo
numa fase tardia da sua vida, tragicamente interrompida por um acidente de automóvel.
A concluir: Apesar de não acompanhar os últimos desenvolvimentos da
ciência, e de alguns argumentos de Teles nos parecerem hoje um pouco naif, importa
salientar a enorme confiança que ele depositava na ciência, que ele escreve com
maiúscula. No final do seu A Ciência a e o Atomismo escreveu:
«Por toda a parte nos rodeiam enigmas. A cada um que a Ciência consegue desvendar,
outros surgem a desafiar-lhe a curiosidade inextinguível e a inesgotável paciência.
Não importa! Descrente de revelações do céu só na inteligência e no esforço
humanos confia, para os ir pouco a pouco resolvendo. Sabe que não encontrará
integralmente o seu programa; mas sabe também que do Universo, que aos seus
recursos próprios é acessível, só ela pode encontrar a fórmula adequada,
rigorosa, fecunda e progressiva.»
A teoria quântica veio unir a matéria e a energia de uma maneira muito
peculiar que de algum modo resolve a disputa entre atomistas e energeticistas:
os corpúsculos também se apresentam, como ondas. O físico francês Louis Victor de
Broglie fez há cem anos – numa comunicação à Academia das Ciências a 19 de
Setembro de 2023 intitulada «Quanta e Ondas» - contribuições inovadoras à
teoria quântica, que divulgou na sua tese de doutoramento de 1924: postulou a
natureza ondulatória do electrão, sugerindo que toda matéria tem propriedades
ondulatórias. Este conceito, conhecido por dualidade onda-partícula, é uma
parte central da física quântica. De Broglie ganhou o Nobel de Física em 1929, após
o comportamento ondulatório da matéria ter sido observado em 1927. Portanto
matéria e energia – corpúsculos e ondas - são duas faces da mesma moeda. Basílio Teles
não deixava de ter alguma razão: olhou só para uma das faces e não o
podemos levar a mal por isso.
Sem comentários:
Enviar um comentário