Meu artigo para a revista "As Artes entre as Letras":
Foi há cem anos que faleceu Basílio Teles (1856-1923), um intelectual
portuense que militou no movimento republicano. Um dos revolucionários do 31 de
Janeiro de 1891, viu-se obrigado ao exílio pelo falhanço deste golpe. A mesma
sorte teve o seu companheiro nessa revolta, José Sampaio Bruno, maçon como ele.
Instaurada a República, Teles não aceitou exercer o cargo de ministro que o novo
regime lhe ofereceu. Para além de activista político, foi professor do ensino
secundário, autor de livros sobre política, história e economia e um prolixo
publicista.
Teles estudou na Academia Politécnica e da Escola Médico-Cirúrgica do Porto,
que abandonou em 1879 por conflitos com professores, um dos quais o famoso
Doutor Urbino de Freitas, que haveria de ser condenado em tribunal num caso
famoso. Vivia-se então um tempo marcado pelo positivismo: Foi condiscípulo no
curso médico de Júlio de Matos, da mesma idade, que foi editor com Teófilo
Braga da revista filosófica O Positivismo, e que haveria de se dedicar à
psiquiatria em Lisboa. Também conviveu no Porto com o médico Ricardo Jorge, só
dois anos mais novo, que seria obrigado a deixar o Porto com a peste bubónica
que assolou essa cidade em 1899.
Uma marca do republicanismo foi o distanciamento em relação à Igreja. Não
admira, por isso, que Teles tenha assumido uma posição ateísta, baseada na sua
visão do problema do mal. Dissertou sobre questões religiosas em O Livro de
Job (1912) e analisou a relação entre ciência e religião no seu livro A
Questão Religiosa (1913).
Teles confiava na ciência, tendo desenvolvido
uma visão cosmológica monista. Podemos-lhe chamar-lhe um positivista idealista
ou metafisico, uma forma decerto heterodoxa do positivismo prevalecente. Afastando-se
também do positivismo comtiano, Sampaio Bruno encaminhou-se não para a ciência,
mas sim para o misticismo e o esoterismo. Cada um à sua maneira, foram os dois
figuras singulares no positivismo republicano.
A sua filosofia da ciência está expressa em dois livros. O primeiro foi uma
tradução do grego da tragédia de Ésquilo, Prometeu agrilhoado (com um estudo
a propósito da tragedia) (1914), onde incluiu um texto seu sobre a ciência
helénica, e outro sobre a ciência moderna, onde apresentou as suas ideias sobre
o espaço, o tempo e a matéria. O segundo consistiu no desenvolvimento das suas
ideias anti-atomistas, que já tinham aparecido no livro anterior: A Ciência
e o Atomismo. Continuação do ‘Estudo’ inserto no ‘Prometeu Agrilhoado’ (s.
d.).
No texto sobre a «ciência moderna» incluído no Prometeu expôs
sumariamente a sua cosmologia: entende que existe uma realidade regida por leis,
que a ciência procura descobrir. A formação científica de Teles era
inteiramente fundada na física clássica (teve uma cadeira anual de Física na
Academia Politécnica). Mas as ciências físicas estavam em plena transformação
no início do século XX, com as leis clássicas a darem lugar a outras, bastante
diferentes: por exemplo, as leis de Newton eram abanadas pela teoria quântica e
pela teoria da relatividade. Se a primeira ainda era determinista, a segunda já
não o era. Teles, talvez pelo seu isolamento e por falta de suficiente formação
científica, não se apercebeu das grandes mudanças científicas que então
ocorreram.
A teoria quântica é de 1900, e a teoria da relatividade de 1905, na forma
restrita, e de 1915, na forma geral. A primeira nasceu com Max Planck, com a
descoberta da descontinuidade da energia, mas passou por Albert Einstein, Niels
Bohr, Louis de Broglie antes de chegar à forma actual, fruto dos trabalhos de Erwin
Schroedinger e de Werner Heisenberg. A segunda teoria foi inteiramente de
Einstein: ele uniu matematicamente o espaço e o tempo, os dois considerados
relativos, e ligou numa identidade a matéria e a energia. Na sua coroa de
glória, a relatividade geral, explicou a gravidade como o encurvamento do
espaço-tempo pela matéria-energia.
Quando Teles morreu, a teoria da relatividade estava terminada e a teoria
quântica quase a ser terminada. Não acompanhando esses desenvolvimentos, o
pensador portuense tratou conceitos essenciais dessas teorias - como espaço, tempo,
matéria e energia – não num registo científico, mas sim num registo filosófico.
Para ele, o espaço era uma realidade infinita e continua, o cenário onde se
passavam todas as coisas. E o tempo não tinha uma realidade exterior, sendo
apenas pessoal e subjetivo: este foi um dos seus maiores erros. Alem de não
fazer um tratamento científico do tempo, ignorou as ideias do filósofo Henri Bergson,
que também tinha uma noção subjectiva do tempo, por causa da qual teve uma
discussão com Einstein, reflectida no seu livro Duração e Simultaneidade (2022).
Embora de uma maneira diferente da de Einstein, para Teles matéria e energia
também estavam ligadas, pois não considerava demonstrada a existência de átomos:
ao contrário de Einstein, que em 1905 corroborou a chamada «hipótese atómica», para
ele a matéria não passava de um conjunto de «flocos» de energia em permanente movimento.
As suas ideias filosóficas vinham em parte do matemático Henri Poincaré, um
predecessor da teoria da relatividade e também o autor de livros de filosofia
da ciência. Note-se que Teles não era um cientista – de resto, havia muito
poucos cientistas portugueses nas primeiras décadas do século XX – mas sim um
filósofo largamente autodidacta. Há quem lhe aponte a escassez de leituras, mas
temos de o compreender à luz do défice da ciência no Portugal da época.
Basílio Teles foi um anti-atomista, por razões que explicou aprofundadamente
em A Ciência e o Atomismo. Podemos chamar-lhe um defensor do energeticismo,
uma doutrina que foi durante algum tempo defendida por Poincaré, mas que este
abandonou em 1911. A realidade dos átomos tornou-se então clara com a difusão
dos resultados do físico Jean Perrin do movimento desordenado de partículas em
suspensão.
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