quarta-feira, 26 de julho de 2023

UNESCO alerta: nem toda a inovação leva ao progresso. Urge a regulamentação sobre o uso de tecnologia nas escolas

Por Cátia Delgado

É notícia, hoje, no The Guardian, o mais recente relatório da UNESCO, Global education monitoring report, 2023: technology in education: a tool on whose terms?, que agrega as medidas tomadas em 200 sistemas educativos de todo o mundo, no que toca à regulamentação do digital, em contexto escolar, estimando-se que um em cada quatro países tenha banido os telemóveis das escolas.

A parte introdutória é assinada pela Diretora-Geral da Organização. Dela deixo os seguintes excertos que  explicam o propósito do relatório:
Durante a pandemia COVID-19, os instrumentos de ensino à distância – através da Internet, mas também da rádio e da televisão – mostraram a sua utilidade e necessidade. De facto, este período evidenciou uma tendência profundamente enraizada para ver as soluções tecnológicas como uma ferramenta universal, adequada a todas as situações, uma forma inevitável de progresso. Esta confusão entre a ferramenta e a solução, entre o meio e o fim, é o que o presente relatório nos convida a abordar, pondo em evidência três paradoxos, três equívocos comuns. 
1 – Em primeiro lugar, existe a promessa de uma aprendizagem personalizada. Muitas vezes, esta poderosa esperança leva-nos a esquecer a dimensão social e humana fundamental que está no cerne da educação. Vale a pena reiterar o óbvio: nenhum ecrã pode substituir a humanidade de um professor. Como sublinhado no relatório da UNESCO "Futuros da Educação", publicado em 2021, a relação entre os professores e a tecnologia deve ser de complementaridade – nunca de substituibilidade. 
2 – Embora a tecnologia prometa um acesso mais fácil à educação, a realidade é que as clivagens digitais continuam a existir, ao ponto de aumentarem efetivamente as desigualdades educativas – que é o segundo paradoxo que este relatório destaca. Durante a pandemia, quase um terço dos alunos não teve acesso efetivo ao ensino à distância – o que não é surpreendente, uma vez que apenas 40% das escolas primárias em todo o mundo têm atualmente acesso à Internet. Mesmo que a conectividade fosse universal, seria necessário demonstrar, de um ponto de vista pedagógico, que a tecnologia digital oferece um verdadeiro valor acrescentado em termos de aprendizagem eficaz, especialmente numa altura em que todos estamos a tomar consciência dos riscos do tempo excessivo no ecrã. 
3 – O último paradoxo, e não o menos importante, é que, apesar do desejo de fazer da educação um bem comum global, o papel dos interesses comerciais e privados na educação continua a crescer, com todas as ambiguidades que isso implica: até à data, apenas um em cada sete países garante legalmente a privacidade dos dados educativos. (...) Sempre com o mesmo objetivo em mente: assegurar que a tecnologia serve a educação e não o contrário.
Em síntese: 
A premissa básica deste relatório é que a tecnologia deve estar ao serviço das pessoas e que a tecnologia na educação deve colocar os alunos e os professores no centro. O relatório tenta evitar uma visão demasiado centrada na tecnologia ou a afirmação de que a tecnologia é neutra. Lembra também que, como muita da tecnologia não foi concebida para a educação, a sua adequação e valor têm de ser provados em relação a uma visão da educação centrada no ser humano.

Nem toda a mudança constitui um progresso. O facto de algo poder ser feito não significa que deva ser feito.

Fica aqui o vídeo promocional da campanha associada ao relatório, #TechOnOurTerms.

1 comentário:

Eugénio Lisboa disse...

Belo e importante alerta. "O facto de algo poder ser feito não significa que deva ser feito" Exemplo: Uma bomba nuclear pode ser lançada, MAS NÃO DEVE SER LANÇADA.. Mais ainda: Pôde ser construída mas DEVIA SER DESTRUÍDA. O material para uma guerra biológica foi uma conquista da tecnologia, mas é uma má conquista que não deve ser usada. Quando a primeira bomba atómica foi lançada, no deserto de Los Alamos, o físico Robert Oppenheimer, o principal responsável por essa conquista tecnológica, murmurou, arrependido, citando um clássico indiano: "Eu tornei-me morte". Foi o começo de uma longa e dilacerante peregrinação interior, que só terminaria com a sua morte. É um facto: nem todas as conquistas são boas conquistas. Aumentam o nosso conhecimento, mas desafiam a nossa sabedoria.

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