Meu artigo no último número da «Seara Nova»:
A palavra «energia», que anda hoje nas bocas do mundo, só surgiu no século XIX, no tempo em que emergia a termodinâmica, o ramo da física que trata o calor. O neologismo, com base no étimo do grego antigo enérgeia (que significa actividade), foi usado pela primeira vez pelo polímato inglês Thomas Young, em 1802, nas suas conferências sobre Filosofia Natural. Energia tem a ver com o movimento.
Os sistemas macroscópicos possuem uma energia, dita interna, que pode sofrer alterações por interacções com a vizinhança: o trânsito de energia de e para o sistema pode ser feito sob a forma de trabalho (forma ordenada) ou de calor (forma desordenada). A meio do século XIX, percebeu-se que a energia se conservava: a 1.ª Lei da Termodinâmica diz que a energia não pode ser criada nem destruída, pelo que se mantém invariável num sistema isolado. Se sair ou entrar energia, a energia total do sistema e da sua vizinhança tem de se manter inalterada. Por seu lado, a 2.ª Lei diz que a energia se degrada: isto é, só uma parte da energia proveniente de uma fonte de calor pode ser aproveitada como trabalho.
A Revolução Industrial começou, com o desenvolvimento da máquina a vapor no final do século XVIII, tendo a Termodinâmica estudado o rendimento de engenhos desse tipo. Uma máquina térmica moderna, como o motor de combustão interna de um carro, usa a energia da queima da gasolina ou do gasóleo, para fazer mover as rodas, perdendo-se uma parte em atrito com o solo e no aquecimento do motor e imediações.
A energia do combustível é transformada em movimento. Tudo se passa como na máquina a vapor, em que o combustível era o carvão ou a lenha: da energia entrada uma parte é usada para produzir movimento. Quando se queima um qualquer material combustível, fóssil ou não, há em geral emissões de dióxido de carbono (CO2). Excepção relevante é a queima de hidrogénio, que não implica emissões de CO2, resultando da sua combustão apenas água.
Sabemos hoje que o planeta está a aquecer por causa das emissões de CO2 resultantes da queima de combustíveis, que desde a Revolução Industrial são as que mais têm contribuído para o aumento do efeito de estufa, dada a necessidade de desenvolvimento por uma população que, à escala global, é cada vez maior. O Acordo de Paris de 2015 preconizou um aumento de não mais do que 2ºC, desejavelmente menos do que 1,5ºC, acima dos níveis pré-industriais.
Civilização significa uso de energia. Pre cisamos de energia para nos aquecermos, para nos movermos, para nos alumiarmos, para pormos máquinas a funcionar, etc. O carvão passou a substituir a lenha como material combustível ao longo do século XIX, ultrapassando 50% das fontes primárias de energia em 1900. Na segunda metade do século XIX as máquinas eléctricas passaram a substituir as máquinas a vapor, continuando a ser alimentadas a carvão. O uso deste combustível atingiu o seu máximo no mundo em 1915 e, ao longo do século XX, começou a ser usado o petróleo em sua substituição, embora sem nunca ter chegado a 50% do consumo de energia. O gás natural começou a ser usado ao mesmo tempo que o petróleo, embora nunca tenha atingido valores similares. A energia nuclear surgiu no pós-Segunda Guerra Mundial: ao contrário dos combustíveis fósseis, apenas serve para gerar electricidade e não para fazer mover veículos. Embora tenham antecedentes na história, energias renováveis, como as energias hidroeléctrica, eólica, solar e geotérmica, só recentemente têm sido usadas de modo significativo.
Nem a energia nuclear nem as energias renováveis produzem emissões de CO2. A necessidade, reconhecida nas últimas décadas, de evitar um sobreaquecimento do planeta tem levado a enormes desenvolvimentos na área das energias renováveis. Fala-se hoje no banimento do carvão, o combustível fóssil que provoca mais emissões de CO2, e da diminuição do petróleo, que provoca mais emissões do que o gás natural.
Em Portugal, a Revolução Industrial chegou tarde, em comparação com outros países europeus. As primeiras máquinas a vapor surgiram na navegação e na moagem por volta de 1820. Em 1890, o carvão e o petróleo não satisfaziam mais do que 20% das necessidades energéticas, O resto era obtido do vento, da água, da lenha e dos animais. Mas, apesar do arranque industrial tardio, o caminho de aproveitamento dessas energias fósseis foi semelhante ao de outros países. A hidroelectricidade surgiu ainda no final do século XIX, representando então uma parcela muito pequena da energia eléctrica, que vinha principalmente do carvão e, a grande distância, do petróleo, que foi tomando o lugar do primeiro.
O consumo de energia foi subindo entre nós a partir de 1940, satisfazendo as necessidades de desenvolvimento de uma população crescente. É dessa altura a criação da rede eléctrica nacional. O gás, que começou por ser usado para iluminação pública no século XIX, foi impulsionado nos anos de 1940 com a sua produção em Cabo Ruivo a partir de carvão, só aparecendo uma companhia para fornecimento de gás natural a todo o país em 1989. Por não ser produtor significativo de combustíveis fósseis, Portugal sempre esteve dependente do exterior para cobrir as suas necessidades energéticas. A crise internacional do petróleo nos anos de 1970 foi vivida no alvor da democracia, causando sérias dificuldades económicas. O país, que nunca tinha tido centrais nucleares (ao contrário de outros países europeus como a Espanha), abandonou nos anos de 1970 os projectos nesse sector.
Nos anos mais recentes, dada a boa exposição ao vento e à luz solar e a políticas de estímulo, as energias alternativas têm aumentado entre nós, somando-se ao aproveitamento hidroeléctrico, que atingiu para alguns cursos de água patamares de quase saturação. Proliferaram na paisagem inúmeras torres eólicas e painéis solares. Um marco da chamada «transição energética» foi o encerramento em 2021 da última central a carvão. Dada a boa cobertura florestal do país, a biomassa tem sido entre nós um recurso interessante. O uso da energia geotérmica está restrito aos Açores. Mesmo contando com o incremento das fontes renováveis, Portugal continua a ser importador líquido de electricidade.
Vejamos qual é a situação actual do consumo de energia em Portugal. Usando os dados contidos em A Energia em Números, do Observatório da Energia, da Direcção-Geral de Energia e Geologia e da Agência para a Energia, de 2022, que está on-line. Em 2020, na distribuição de consumo de energia primária, incluindo o uso de electricidade, por formas de energia, o petróleo tem 41%, seguindo-se as energias renováveis (30%), o gás natural (25%), o carvão (3%) e outros (2%), nos quais se inclui a electricidade importada. O consumo total de energia tem vindo a diminuir (foi menos 10% do que em 2010), registando-se a diminuição do petróleo e do carvão e a subida do gás natural e das renováveis. Portanto, apesar do aumento das energias renováveis, estas ainda não chegam a um terço do consumo total de energia primária. Se olharmos para a distribuição do consumo de energia final – em vez de primária – por formas de energia, o lugar de topo continua a ser ocupado pelo petróleo (44%) seguindo-se a electricidade (26%), o gás natural (11%), as renováveis (11%) e o calor (7%). Olhando para os diferentes sectores, percebe-se melhor a necessidade dos combustíveis fósseis: os transportes prevalecem com 33%, seguindo-se a indústria (31%), o sector doméstico (20%), os serviços (13%) e a agricultura e pescas (3%).
Existiu em 2020 um grande saldo importador de energia, embora menor do que o de uma década atrás, sendo as maiores parcelas nessas importações, por ordem, o petróleo, o gás natural e a electricidade. Importámos em 2021 petróleo principalmente do Brasil, da Nigéria e do Azerbaijão, e gás natural da Nigéria, dos EUA e da Rússia. A balança de pagamentos do país ressente-se obviamente da falta de autonomia energética. Somos, na União Europeia, o 11.º país com maior dependência energética (2020), um pouco acima da média europeia. No entanto, somos o 5.º país da União com menor consumo de energia final per capita (2020), muito abaixo da média europeia (os países mais desenvolvidos consomem muito mais do que nós).
Há alguns bons indicadores, que convém sublinhar. Portugal tem um lugar notável – o 4.º da União Europeia (2020), depois da Áustria, da Suécia e da Dinamarca – na quota de energia eléctrica proveniente de renováveis, que foi de 58%, o maior valor de sempre no registo histórico (os maiores contributos vêm das energias eólica e hídrica, seguindo-se a biomassa e a solar; uma parcela considerável da electricidade ainda vem do gás natural).
Também ocupamos um bom lugar nas emissões de gases de efeito de estufa per capita: somos, nesse índice, o 6.º melhor país da União Europeia (2019). Contra nós joga, porém, o facto de haver demasiada utilização de veículos privados, de ainda ser pequena a frota de carros eléctricos, e de haver deficiência de climatização da generalidade dos edifícios. Mais incentivos nestas áreas fariam sentido.
Em conclusão:
Portugal está no bom caminho no uso das energias renováveis. Equipamentos que as fornecem estão por todo o lado. Têm surgido críticas à instalação exagerada de eólicas e painéis solares por não só desfigurarem a paisagem como causarem danos ecológicos. Um dos desenvolvimentos a que se está a assistir é a instalação de eólicas offshore em vários sítios da costa. A existência de fortes ventos em áreas marítimas torna rentável a sua instalação, que também tem os seus custos ecológicos.
Por outro lado, Portugal é o 7.º país do mundo com maior produção de lítio, o que lhe confere uma potencial vantagem na electrificação da frota automóvel, que a União Europeia quer acelerar. Fala-se também muito no hidrogénio verde (produzido com energia renovável), mas a rendibilidade económica do seu uso generalizado nos transportes carece ainda de validação. O futuro vem aí, mais rapidamente do que era costume, e pode ser que fortaleça algumas das nossas esperanças.
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