Meu texto na Visão de hoje:
O núcleo atómico foi descoberto em 1911 e a cisão do urânio em 1939, mas a era nuclear só foi espoletada com o teste Trinity, sob a direcção científica do físico J. Robert Oppenheimer, no dia 16 de Julho de 1945, no deserto do Novo México, 350 quilómetros a Sul de Los Alamos, nos Estados Unidos. Três semanas volvidas explodiam em Hiroxima e Nagasáqui, no Japão, até agora as únicas bombas nucleares em cenário de guerra.
A primeira bomba, de plutónio, o Gadget (falar de “bomba” era tabu), libertou, no referido teste uma energia de 25 quilotoneladas de TNT. As duas bombas que puseram termo à Segunda Guerra Mundial, a Little Boy, de urânio, e a Fat Man, de plutónio, eram menos potentes – as suas energias eram de 15 e 20 quilotoneladas de TNT – mas causaram mais de 200 mil vítimas humanas.
Com o seu uso, começou a louca corrida ao armamento nuclear, no tempo da «guerra fria». Hoje os arsenais nucleares são constituídos por bombas de fusão, ou de hidrogénio, cuja ignição requer bombas de cisão. A maior que explodiu até hoje – 58 megatoneladas de TNT, 2300 vezes mais potente do que o Gadget – foi largada pela União Soviética num teste sobre uma ilha do Árctico em 1961. Os testes de armas nucleares estão actualmente proibidos por tratados internacionais, evitando danos terríveis no ambiente.
A explosão de Trinity, cuja recriação é o ponto alto no filme Oppenheimer, dirigido por Christopher Nolan, foi algo nunca visto. Os peritos em explosivos ficaram estupefactos.
Por exemplo, o almirante William Leahy, o mais graduado chefe militar americano na Segunda Guerra Mundial, tinha dito ao presidente Truman, que tomou posse escassos meses antes de ordenar o lançamento das bombas no Japão: “Esta é a coisa mais idiota que já vi. A bomba atómica nunca explodirá e falo como especialista em explosivos.” Mesmo os físicos mundiais de topo reunidos no ultrassecreto projecto Manhattan, em Los Alamos, não tinham a certeza de que tudo ia correr como as contas indicavam. Enrico Fermi, que, em 1942, tinha realizado em Chicago a reacção em cadela de cisão do urânio, verificou, ainda que encadeado pela luz de Trinity, a intensidade explosiva largando uns papelinhos à chegada da onda de choque: os cálculos estavam certos. Tinha-se aberto uma caixa de Pandora.
Nenhum dirigente militar ou político exprimiu dúvidas antes das dramáticas explosões no Japão. Mas muitos físicos tiveram-nas, incluindo Leó Szilárd, o físico de origem húngara colaborador de Fermi em Chicago, que havia escrito uma carta assinada por Einstein em 1939 informando o Presidente Roosevelt da possibilidade de construção de uma arma arrasadora. Oppenheimer mostrou-se céptico da necessidade da bomba de hidrogénio defendida em Los Alamos pelo seu colega Edward Teller e advogou o diálogo entre as duas superpotências a fim de prevenir o seu confronto bélico.
Foi essa sua posição pacifista que acicatou acusações de traição, sustentadas pelas suas ligações a ex-comunistas.
A maioria dos físicos, no pós-guerra, foram activistas em prol da paz, incluindo o mais famoso de todos, Albert Einstein, que assinou um manifesto, em 1955, no qual, com Bertrand Russell e outros sábios, instava o poder político a evitar uma catástrofe. Um grupo de físicos tinha em 1947 criado o “Relógio do Apocalipse” para indicar simbolicamente a proximidade do fim do mundo. Começou aos sete minutos para a meia-noite e, à data do Manifesto Russell-Einstein, faltavam dois minutos.
Hoje, devido em boa parte à guerra da Ucrânia, já só falta minuto e meio: nunca estivemos tão perto!
Nolan, em entrevista ao Financial Times, sustenta que Oppenheimer foi “o homem mais importante até hoje” já que “mudou o mundo do modo importante: deu-nos o poder de autodestruição.” A ciência facultou-nos, de facto, meios de destruição maciça. Mas não foram nem Szilárd nem Einstein que carregaram no botão, mas sim Truman, como ele aliás reclama no filme.
Há uma lição a extrair: a consciência, que ultrapassa largamente a ciência, permite-nos sempre evitar o pior.
Sem comentários:
Enviar um comentário