quinta-feira, 6 de julho de 2023

DA MUI ANTIGA ARTE DA DESLEITURA

Por Eugénio Lisboa

Dedico este texto aos meus assíduos desleitores.

Uma das competências que as escolas e até as universidades deviam dar aos alunos que as frequentam seria a da leitura. Saber ler um texto é uma competência essencial, na vida.

Infelizmente, a maioria dos estudantes sai das escolas e muitos deles das universidades, com diploma em riste, evidenciando uma total incapacidade de interpretar correctamente um texto. 

Saber ler um texto serve a professores, médicos, juízes, engenheiros, enfermeiros, biólogos, astrónomos, informáticos, mecânicos, electricistas, empresários, serve, em suma, a toda a gente, nos mais diversos caminhos da vida.

Porém, quando lemos jornais, livros, comentários nas notórias redes sociais, pasmamos com a manifesta iliteracia da assim chamada geração mais qualificada de sempre.

O mais grave é que tal iliteracia roça, muitas vezes, pela mais rotunda boçalidade. Muita desta gente que não sabe ler um texto muito claro mostra um total desrespeito por quem sabe, reagindo com os mais destemperados dislates, nos palcos mediáticos que lhes são oferecidos e que se tornam verdadeiros focos infecciosos de desinformação e de deseducação.

O espectáculo é simplesmente assustador, mas nós lá vamos, cantando e rindo, exibindo uma aparatosa e cintilante estatística de diplomas e conquistas académicas. Cada um consola-se como pode e com o que tem… 

Tenho tido uma vasta, triste e dolorosa experiência de assédio, às vezes ideológico, outras vezes, simplesmente inepto e grosseiro, outras vezes, ainda, as duas coisas ao mesmo tempo, sendo raríssima a cara lavada de um comentário minimamente asseado. 

Faz pena, porque é um retrato muito claro de uma suposta elite, o qual não augura nada de bom para o futuro do desenvolvimento deste país, no concerto das nações europeias. Reage-se a uma sátira, como se fosse um texto erudito, analisa-se um soneto como se fosse um ensaio ideológico, arrasa-se boçalmente um texto, do mesmo passo que se revela uma aflitiva ignorância do assunto que o texto glosa, enfim, uma paisagem de grosseria contentinha e de ignorância que se ignora.

A desleitura é quem mais ordena. Mas há mais grave: a desleitura é, muitas vezes, enviesada e usada como torpe arma de difamação. Com uma total falta de escrúpulos, reveladora de que se trata provavelmente de executar uma “ordem de serviço” dimanada de algum departamento com uma missão a cumprir. 

Tudo isto é muito mau, muito vil e muito feio. Neste milieu cheio de miasmas, a elegância é quem menos ordena. 

Sem educação e sem educação cívica (que alguns pais rejeitam), a nossa sociedade evolui assintoticamente para um futuro paraíso de selvagens, como aquele que retratou o grande Melville numa das suas narrativas.

Eugénio Lisboa

6 comentários:

Anónimo disse...

Grosseria contentinha e ignorância que se ignora. Muito bem auto-aplicado. LOL.

Anónimo disse...

Olhe que a sua rápida reacção àquele texto de EL parece dar-lhe (ao texto) razão. Dir-se-ia que o Anónimo enfiou a carapuça, o que muito irá divertir o EL. Convém estarmos atentos, quando nos armam uma ratoeira. Neste caso, impunha-se ficar calado...

Anónimo disse...

Isto não é nenhum concurso. Até gosto de enfiar a carapuça, e ainda mais de divertir o EL. Um asno divertido é um espectáculo precioso.

Anónimo disse...

"Também" acho, que, apesar de ser a "geração mais qualificada ...", a "maioria" não sabe ler, nem escrever, nem, muito menos, "fazer contas". Contudo, quem escreve "publicamente", como o doutor EuGénio, deveria "estar preparado" para todas as reações e ... não se queixar "publicamente".
O doutor EuGénio poderia, todavia, dar uma "ajudinha grande", vindo sempre a terreiro denunciar os "maiores" da política, quando eles, demagogicamente, falam da geração (?) diplomada "à força" e "ao lado".
("Também" me parece, que o que o doutor EuGénio deseja - sejam assobiadelas, ou palmas - é palco. "Acho" ainda que não sou desrespeitoso, porque o "tom" do meu comentário não é diferente do dele.)

Carlos Ricardo Soares disse...

Sempre que visito Guimarães, só penso no castelo. E já me especializei nas artes de defesa e de ataque. Para mim, Guimarães não é nem pode ser outra coisa, pelo menos enquanto não perceberem aquilo que eu acho que é importante. Mas ainda não consegui perceber se as pessoas que iam comigo, e que eu procurava impressionar com a minha veia metapsíquica, estavam realmente a admirar a minha inteligência, não de um guia bem informado, mas de alguém que sabia para além das razões da concepção daquela fortificação. Do género: não estou a contar-lhes a história do castelo, estou a contar-lhes a verdade do castelo que, na realidade, se passou pela cabeça de alguém, foi a minha. Ninguém me contou a história do castelo e a história do castelo que li, tinha pouca história do castelo. Mas vi o que vós estais a ver e desafio-vos a explicar por que é que este castelo era inexpugnável. Não se trata de um enigma, é algo que se descobre simplesmente olhando, mas não seríamos capazes de saber simplesmente pensando.

Anónimo disse...

Não se aflija que nós sempre percebemos, não aquilo que escreve, mas aquilo que é.

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