segunda-feira, 3 de julho de 2023

Triste papel o que se atribui ao professor como fornecedor de recursos e como recurso


Um director de uma escola de ciência e tecnologia pronuncia-se sobre a educação do futuro (quem o não faz?). A sua visão será mais tecnológica mais do que científica, e esta não chega às ciências que esclarecem a aprendizagem, nomeadamente à psicologia. Além disso falta-lhe, de base, uma reflexão de ordem filosófica acerca da essência e dos fins da educação. É comum! (ver aqui entrevista de Inês Dias, publicada no Diário de Notícias de dia 2 de Julho).

À pergunta:
Tendo em conta a digitalização no ensino, na sua perspetiva como será o futuro da educação?

Responde: 

(...) Se regressarmos atrás seis meses, quando estas novas tecnologias começaram a emergir, todos disseram que seria um pesadelo, um problema, e que destruiria o pensamento crítico. No entanto, hoje em dia muitos professores já estão a começar a perceber que não há qualquer impedimento em os estudantes utilizarem estas ferramentas, apenas têm de aprender a usá-las da melhor forma e a referenciá-las nos seus trabalhos. 

Tem razão, directores escolares e professores, impulsionados pela transição digital, têm-se mostrado grandes entusiastas do uso das mais novas tecnologias para... tudo! A lógica não é: temos este problema, vamos procurar solução. É, antes: se é inovação temos de a usar, até porque se não o fizermos "ficamos de fora". O medo de ficar de fora (Fear of Missing Out - FOMO) faz milagres!

Não percebi bem a continuação da entrevista, mas destaco duas passagens que me parecem valer por si:

Por exemplo, podemos pedir aos alunos para escrever uma simples palavra corretamente. Mas, se os computadores já o fazem por nós (...) Quando as calculadoras foram apresentadas, saber o que multiplicar passou a ser mais importante do que ser capaz de fazer contas.

Argumento nada novo e que parecerá razoável para legitimar a supressão de algumas aprendizagens: se há calculadoras, para quê ensinar a tabuada e fazer contas?! Se há há correctores automáticos de palavras, para quê ensinar a escrever sem erros?! Se há programas que "compõem" textos argumentativos para quê ensinar a escrever texto argumentativo?! Etc.

E não falta o argumento TINA (There is No Alternative):
Não há forma de trabalhar contra estas tecnologias. Portanto, há que ser progressivos e apoiar o uso de IA na educação.

E, claro, surge a declaração de que o professor não pode continuar a ensinar do mesmo modo porque... as tecnologias mudaram! O professor não vai à procura das tecnologias se entender que o deve fazer, são as tecnologias que o obrigam a mudar...

É importante mudar a forma de ensinar, de maneira a que seja irrelevante se um estudante usa esta ferramenta ou não. 

Mas, paradoxalmente, segue-se o clássico reforço da importância dos professores. À pergunta: 

"acredita que no futuro existe a possibilidade de a inteligência artificial substituir os professores?" 

Responde: 

Definitivamente não. Os professores têm muitos recursos que podem fornecer aos alunos. Por exemplo, o uso de calculadoras (...). Se o aluno não perceber o problema, não o vai conseguir resolver mesmo que tenha uma calculadora. O mesmo acontece com a inteligência artificial.

O professor como fornecedor de recursos e como recurso! Que mundo teremos se os professores forem reduzidos a isto? E, sobretudo, se reduzirem a isto? 

Na verdade, a crescente sofisticação tecnológica é acompanhada de uma decrescente consciência educativa, até por parte dos professores.

3 comentários:

Carlos Ricardo Soares disse...

Ocorre-me, ainda a propósito dos incidentes gravíssimos que continuam em França, pensar numa falha fatal das revoluções que ficaram por cumprir, inclusive a revolução francesa, que proclamava, e muito bem, a fraternidade como bandeira. A própria Declaração Universal dos Direitos do Homem é como um robot em quem se pode bater, mas que, na hora de estarmos em apuros, nos ignora.
Se não estou a inventar, o grande avanço civilizacional, que se deve ao cristianismo, e que não tem paralelo na história, resultou do entendimento simples, mas inesperado e inusitado numa cultura tradicional de repressão e de subjugação sob todas as formas, de que todos os direitos e todos os problemas relacionados com os direitos das pessoas, independentemente da sua geografia, cor, crenças, língua..., podiam ser prevenidos e resolvidos de um modo eficaz e, teoricamente, simples: com amor. Pois bem, a história prova que é mais fácil, apesar de tudo, tratar dos direitos, nos palácios da justiça e nos campos de batalha, do que tratar de amor, que tudo resolveria.
O cristianismo, infelizmente, não conseguiu, nem consegue ser coerente, nem tecer a concordância necessária entre o princípio do amor e o princípio do ódio. O próprio cristianismo fornece os critérios, os argumentos e as razões para condenar aos infernos.
Auguste Comte ainda tentou a proeza de pensar que se o amor é a solução, então tem de ser a solução, numa perspetiva cientifista dos problemas sociais. A história, no entanto, cansa-nos de mostrar que nem sempre o que tem de ser tem muita força, contrariamente ao adágio popular.
E vem tudo isto a propósito de educação, de ensino e de professores, porque há uma relação indissociável entre as questões abordadas, quer as vejamos na actualidade, quer as perspectivemos historicamente. O indivíduo humano, até que lho façam sentir, é incapaz de perceber amplamente que as suas condutas e o significado das suas condutas, independentemente das suas consequências, têm um peso para si próprio, que pode não ser maior que o peso que tem para os outros.
Antigamente, quer dizer, há duas gerações, chegou a funcionar em algumas áreas da sociedade, ou pelo menos foi proclamado, o princípio de que ninguém tinha o direito de andar a divertir-se à custa de quem trabalha. Ou seja, o divertimento à custa de quem trabalha era a excepção e não a regra. Mas logo se valorizou quem era excepcional.
Actualmente, existe uma inversão, em parte explicada pela queda do mito do divertimento, cada vez mais visto como um trabalho.
Mas eu não queria chegar ao difícil beco, sem saída, da falta de amor, seja por recusa, seja por vingança, seja por capricho, seja por pura maldade, por falta de empatia, ou de simpatia, por aversão, ressentimento, mágoa, perversão, ou qualquer outra paixão.
Quanto mais valorizamos umas coisas mais desvalorizamos e condenamos outras, normalmente, as que são opostas. Isto é sistemático e estrutural, mas tem sido fatal para a humanidade.
Uma das soluções encontradas tem sido a consagração de direitos universais iguais, de respeito e de igualdade de tratamento, para que ninguém tenha razão de queixa, ou, se tiver, poder fazer valer o seu direito.
Deste modo, a humanidade teria encontrado a saída para o tal beco difícil. É um progresso espantoso e inimaginável há uns anos. Ainda o é para alguns países que persistem em ignorar os direitos humanos. Mas não basta.
É preciso mais, algo que não é coercível e que, por esse motivo, talvez seja impossível de conseguir, pelo menos, de quem não estiver disposto a isso: é preciso amor, amor ao próximo.
Não basta respeitar os direitos, fazer justiça, pagar o devido, fazer o devido, ser tratado igualmente no palácio da justiça, ou pela polícia. Pode ser necessário algo mais que as revoluções e as declarações de direitos não podem dar, nem obrigar ninguém a sentir: amor.
É possível um direito ao amor?
Poderão as pessoas exigir mais do que direitos?

Anónimo disse...

O futuro da educação em Portugal não será aquilo que os portugueses quiserem. No presente, estamos nas mãos de estrangeiros com dinheiro que ditam as nossas políticas educativas. Quando confrontaram o ministro da educação com o escândalo da corrupção, feita de inflação de notas nos colégios privados, o que prejudicaria os alunos do público na candidatura de acesso ao ensino superior, ele respondeu que nos anos vindouros os serviços do ministério vão estar mais atentos às fraudes que eventualmente ocorram com a inflação de notas. Ponto final. Quem, ao longo dos anos, tem entrado em universidades e politécnicos pela porta do cavalo, ainda está lá dentro ou já saiu devidamente doutorado!
Este ministro é homem para afirmar, sem se desmanchar a rir ou a chorar, que os monodocentes (professores do 1.º ciclo e educadores de infância), e só eles, terão direito a pedir dispensa da componente letiva, a partir dos 60 anos de idade, porque, entre outras razões, pegam em crianças ao colo e os professores do secundário não!

Anónimo disse...

Professora Helena Damlão,
*Efetivamente, pressupus que o entrevistado era português, mas, pelo que vejo no terreno, o futuro da educação em Portugal, com as "aprendizagens essenciais" avaliadas através do projeto maia, a que a maioria dos professores adere à força, é pouco promissor.
Destruir a educação também passa por promover um tratamento preferencial dos educadores de infância e professores do 1.º ciclo, nas condições em que exercem a docência (a chamada monodocência), com grande desgaste psicológico e físico, nomeadamente porque TÊM DE PEGAR EM CRIANÇAS AO COLO, relativamente aos seus colegas que lecionam em escolas EB 2,3 + S, onde, como todos sabem, se vive em ambiente de Céu na Terra.
Os meus cumprimentos!

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