segunda-feira, 31 de julho de 2023

CONCERTO AO LUAR EM PENEDONO

 Texto da minha apresentação ontem em Penedono de um concerto da Orquestra Clássica do Centro, com a soprano Regina Freire:

Muito boa noite. Sejam muito bem-vindos a este concerto ao luar, da Orquestra Clássica do Centro, neste fantástico Largo do Castelo em Penedono. Muito obrigado à Câmara Municipal de Penedono pela magnífica hospitalidade.


Começo por explicar por que razão este concerto ao luar é muito oportuno: hoje é dia de lua cheia. Mais do que isso, é noite de superlua, quando a Lua nos aparece ligeiramente maior, em virtude de estar um pouco mais próximo da Terra na sua órbita elíptica. Não é um fenómeno raro, em cada 12 ou 13 luas cheias que há no ano, três ou quatro serão superluas. Mais raro é uma luz azul, que vai acontecer no final deste mês de Agosto, por ser a segunda lua cheia do mesmo mês.


Sobre Penedono, basta olhar para o altaneiro castelo para percebermos que é um lugar histórico. Erguendo-se a 900 metros de altitude aqui, bem no interior de Portugal, foi fundado ainda o país não existia no ano de 900. A estrutura medieval constitui uma mistura de fortificação defensiva e de residência senhorial. A atual configuração do castelo remonta aos fins do século XIV, quando D. Fernando incluiu a povoação no termo de Trancoso. Foi aqui que nasceu nessa época Álvaro Gonçalves Coutinho (1383-1445), o célebre Magriço, eternizado por Luís de Camões n’Os Lusíadas, no semilendário episódio dos Doze de Inglaterra (que em 1966 haveria de dar o nome à selecção nacional de futebol que participou Mundial de Inglaterra).   Sob o reinado de D. Manuel I, a vila recebeu o Foral Novo (1512), o que atesta a sua importância à época. Foram realizadas, neste tempo, novas obras no castelo, para o que terá contribuído a influência do 4.º conde de Marialva, vedor das obras reais na Beira. Foram várias as posteriores vicissitudes do castelo na idade moderna. O castelo foi visitado por Alexandre Herculano em 1812, que o descreveu, à época, como já em ruínas. O castelo de Penedono está classificado como Monumento Nacional desde 1910. Hoje está bem restaurado graças à intervenção da Câmara Municipal.


Confesso que nunca tinha vindo a Penedono. E estou encantado com o sítio. De facto, já tinha ouvido maravilhas, pois a minha sogra nasceu aqui um pouco incidentalmente porque o pai era funcionário das finanças que tinha de peregrinar por terras da Beira Alta em tarefas de inspecção. Ela haveria de crescer em Viseu, de se formar em Farmácia na Universidade do  Porto e de ensinar na Universidade de Coimbra. Portanto, Penedono tem outras filhos ilustres para além do Magriço…


Vamos hoje ouvir vários trechos de ópera.  A ópera é um género musical que nasceu no século XVI quando um grupo de músicos florentinos tentavam recriar o teatro grego. Entre os membros da Camerata Florentina que fez as primeiras representações operáticas, estava Vincenzo Galilei, o pai do físico Galileu Galilei, que tocava alaúde na corte dos Medici em Florença. Portanto, a ópera data do tempo da criação da ciência moderna. No início do século XVII, mais precisamente em 1609, Galileu, o filho, foi o primeiro a observar o céu com o auxílio do telescópio. Foi ele que viu pela primeira vez montes e vales na Lua. Assim como aqui na Terra há montes e vales – na região de Penedono abundam - também os há na Lua. E eles desenhou-os com habilidade artística. A arte e a ciência têm seguido ao longo da história caminhos paralelos, mas cruzam-se de vez em quando. Por exemplo, cruzam-se nas muitas vezes em que a arte, seja pintura, seja literatura, representou o nosso único satélite natural.


 A lua inspira-nos. É propícia ao amor. A lua cheia ilumina a noite, dando-lhe um encanto particular. E dizem que é propicia também à loucura. Lunático significa não apenas extravagante, mas também maluco. Alguns dos temas que vamos escutar hoje têm a ver com o amor,  um fenómeno físico-químico no nosso cérebro e no nosso corpo, e também um sentimento misterioso que as artes tentam descrever. A ciência do amor é difícil de efectuar e de transmitir. Sabemos que, na química amorosa, para além das hormonas sexuais existem as substâncias do amor romântico, que desempenham um papel essencial no processo da paixão. Uma molécula importante é a serotonina, que está associada à primeira fase do amor romântico, em particular à tendência para fantasiar. Mas uma música que descreve um sentimento de amor é algo que entra em nós facilmente porque o nosso cérebro é extraordinariamente permeável à música. Todos nós humano gostamos de música. E gostamos ainda mais da grande música como aquela que vamos ouvir esta noite.


O amor é um tema recorrente em óperas e, para favorecer ou fenecer a química do amor no cérebro, existem várias poções, desde a que aparece no Elixir do Amor do italiano Gaetano Donizetti, que é uma bebida preparada por um impostor simpático, até ao veneno de Romeu e Julieta de Charles Gounod, de qual hoje vamos ouvir um trecho.


 Perante vós está a Orquestra Clássica do Centro, que desde há anos, sob a notável direcção de Emília Cabral Martins, tem protagonizado a grande música em Coimbra. Hoje vamos desfrutar neste magnífico cenário, do som dessa Orquestra, que aliás já actuou em Penedono, dirigida pelo maestro Sérgio Alapont. O nosso querido maestro, nascido em Valência, Espanha,  estudou direcção de orquestra em Péscara, Itália, e em Nova Iorque, Estados Unidos, recebeu o prémio de melhor maestro do GBOSCAR, Itália, em 2016, e ganhou a 2.ª edição do Prémio de maestros de Granada. Já dirigiu algumas das mais famosas orquestras do mundo, nalguns dos melhores palcos do globo. Tem estado nos últimos anos à frente da Orquestra Clássica do Centro. E Penedono está hoje no centro.


1)      Vamos começar com a abertura de uma obra de um génio da música, apesar de ter vivido muito pouco tempo: o austríaco Wolfgang Amadeus Mozart (Salzburg 1756 – Viena 1791),  Le nozze di Figaro , em português As bodas de Fígaro, é uma ópera-bufa em quatro atos composta por Mozart, sobre um libreto de Lorenzo da Ponte, com base na peça homónima do escritor francês Pierre-Augustin de Beaumarchais (Le Mariage de Figaro). Composta entre 1785 e 1786, estreou em Viena, em 1 de Maio de 1786. Mozart terá começado a ter problemas de reputação com esta ópera, que satirizava a vida de alguns nobres. Mozart compôs várias obras e não falta quem diga que esta é a melhor de todas: mas destaco também o Don Giovanni, o Cosi fan tutte e a Flauta Mágica, todas posteriores as Bodas de Fígaro. A acção das Bodas de Fógaro decorre em Sevilha, no Castelo do Conde de Almaviva, no século XVIII. Fígaro e Susana, servos do conde, vão-se casar. Mas o conde assedia a casta Susana. E mais não conto… Só digo que, depois de algumas confusões o Conde arrepende-se, a condessa perdoa-lhe e tudo acaba numa alegre festa. Vamos ouvir a abertura das Bodas de Fígaro. 


2)    O segundo autor de ópera convocado é o italiano Gioachino Rossini (Pésaro 1792- Paris 1868, o autor de 39 óperas, entre as quais o Barbeiro de Sevilha, a mais famosa. Vamos ouvir de Rossini a abertura de La scala di seta, em português A escada de seda. É uma farsa cómica em apenas um acto, com o libreto de Giuseppe Foppa. A sua estreia ocorreu no Teatro San Moisè, de Veneza, no dia 9 de Maio de 1812. Nesta farsa, conta-se o pedido de casamento que Dormont fez à sua pupila Giulia. Mas tinha-se casado secretamente com Dorville, a quem obrigava a subir todas as noites ao seu quarto por uma escada de seda. Felizmente, a prima de Giulia e um ajudante conseguem "embrulhar" as coisas de modo acaba tudo bem.


3)      Outro gigante da ópera, o italiano Giacomo Puccini (Lucca 1858- Bruxelas 1924). Morreu por complicações surgidas no tratamento por radioterapia de um cancro na garganta. É o autor de Manon Lescaut, Tosca, Madame Butterfly,  Turandot e La Boheme. Vamos ouvir uma ária de La Bohème: "Quando m'en vo". La Bohème é uma ópera em quatro atos   com libreto de Luigi Illica e Giuseppe Giacosa, baseado no romance de Henri Murger, Scènes de la vie de bohème. Estreou no Teatro Regio de Turim em 1 de Fevereiro de 1896, sob a regência do grande maestro italiano Arturo Toscanini. "Quando me'n vo'", também conhecida como "valsa de Musetta", é uma área para soprano do 2.º acto. É cantada por Musetta, na presença dos seus amigos boémios, esperando chamar a atenção do seu ex-namorado Marcello. A cena tem lugar no Café Momus. Pouco depois dos seus amigos se sentarem para uma bebida, Musetta aparece. Ela chega à boca de cena para cantar uma ária em que se auto-promove muito bem. Canta para a audiência do café e também para a audiência do concerto hoje aqui. Traduzi o início de “Quando m'en vo”: “ Quando eu caminho sozinha na rua, as pessoas param e olham para mim, e contemplam a minha beleza, da cabeça  aos pés.” No papel de Musetta está hoje connosco Regina Freire, soprano natural do Porto. Completou os estudos com distinção na Guildhall School of Music and Drama em Londres Já obteve alguns prémios em concursos nacionais e internacionais.  Apesar de ser bastante jovem, Regina já teve a oportunidade de ser solista no Reino Unido, França, Noruega, Grécia e Portugal, de trabalhar com orquestras como orquestras famosas como a London Symphony Orchestra, dirigida Sir Simon Rattle.

4)      De novo  Rossini, o autor de Il barbiere di Siviglia, uma ópera de que já falei.-Vamos ouvir a abertura  do Barbeiro de Sevilha. É uma ópera-bufa do italiano Gioachino Rossini (1792 - 1838), que foi um fracasso na sua estreia em 1816 em Roma, mas que depois conheceu um retumbante êxito. O Barbeiro de Sevilha também parte de uma obra do francês Beaumarchais tal como As Bodas de Fígaro. Faz parte de uma trilogia, a «trilogia de Fígaro» desse escritor, da qual uma parte foi aproveitada por Mozart nas Bodas de Fígaro, 30 anos antes. Também aparece o Conde de Almaviva. Acontece que o argumento começa com uma serenata do Conde de Almaviva a Rosina, uma jovem tutorada por um médico charlatão, o Dr. Bartolo, um velho que quer casar com ela. Estão reunidos os ingredientes para uma tempestade sentimental. Bem, há uma tempestade real descrita musicalmente na ópera, uma ligação curiosa entre música e meteorologia. Mas hoje o tempo está bom, não haverá tempestades.

5)      Chegou a altura do que é talvez o maior de todos os compositores de ópera o italiano Giuseppe Verdi (Roncoli  - Parma 1813 – Milão 1901). Os apreciadores de Wagner que me desculpem…  Vamos ouvir o Prelúdio do 1.º acto de La Traviata, de Verdi.  Esta ópera do genial Verdi, em três actos, estreada em 1853 em Veneza, baseia-se no romance Dama das Camélias, de Alexandre Dumas. La Traviata, a mulher caída, é Violeta, que se apaixona sem revelar que está gravemente enferma. No final, Violeta morre, vítima de tuberculose, nos braços do seu amado, Alfredo. A tuberculose é uma epidemia que dizimou muita gente no século XIX, incluindo numerosos escritores (entre nós Júlio Dinis, António Nobre, Cesário Verde, etc.) e músicos (Frédéric Chopin e Niccoló Paganini), e também no século XX (entre os escritores estrangeiros, Franz Kafka, D. H. Lawrence, George Orwell). Mas a morte de Violeta é só no fim da ópera, vamos só ouvir o prelúdio. Só uma nota sobre a morte do próprio Verdi, de derrame cerebral: as suas exéquias foram impressionantes, com mais de 200.000 pessoas a cantar “Va Pensiero” ou “Coro dos Escravos Judeus”, uma área da ópera Nabucco, tocada por uma grande orquestra dirigida por Arturo Toscanini.

6)      E chegou a vez de um compositor francês Charles Gounod (Paris, 1818 – sant – Cloud 1893,, vamos ouvir da ópera  Roméo et Juliette, Romeu e Julieta, a ária “Je veux vivre" (“Quero Viver”).  Romeu e Julieta é uma ópera em 5 actos de Gounod com libreto de Jules Barbier e Michel Carré. Gounod foi um compositor francês famoso sobretudo por suas óperas e música religiosa. A inspiração de Romeu e Julieta foi evidentemente a peça de William Shakespeare do final do século XVI, uma das suas primeiras tragédias. Nela entra a a paixão de dois jovens de Verona e, como bem sabem, há poções e mortes. A ópera estreou no Théâtre Lyrique de Paris, a 27 de Abril de 1867. Esta ópera é notável pela série de quatro duetos dos personagens principais.  “Je veux vivre” é uma área cantada no 1.º acto por Julieta: Quando outros lhe falam do casamento, ele conta que gostaria de viver dentro do seu sonho onde seria eternamente Primavera. Canta, em tradução portuguesa: “Quero viver / Neste sonho que me embriaga / Ainda neste dia, / Doce chama / Guardo-te na alma / Como um tesouro!” Esta canção em forma de valsa para  voz de soprano é interpretada por Castafiore no filme de desenhos animados de 2011 de Steven Spielberg Les aventures de Tintin: Le secret de la Licorne. A cantar a área do Romeu e Julieta estará Regina Freire,

7)      A próxima peça é o Intermezzo da Cavalleria Rusticana, do italiano Pietro Mascagni (Livorno 1863 – Roma 1945), A Cavalleria Rusticana (em português “Cavalheirismo, ou nobreza, rústica”) é uma ópera num só acto com libreto extraído de uma novela de Giovanni Verga, que foi estreada em 1890 em Roma. Mascagni, um adepto de Mussolini, morreu pobre logo após a libertação da Itália, há cerca de 75 anos. Apesar de ter estado pouca gente nessa estreia tornou-se um sucesso imediato. Dividida em duas partes, separadas pelo intermezzo que vamos escutar, a Cavalleria Rusticana é uma das primeiras composições do realismo operático italiano. Trata-se de uma história de amor, ciúme e morte que termina num duelo. Esta composição tem sido usada como banda sonora de séries e filmes. Uma nota curiosa: O êxito de Mascagni deve-se à sua esposa, que enviou a ópera sem ele saber para um concurso musical, no qual obteve o primeiro lugar. Atrás de um grande homem há sempre uma grande mulher…

8)      E, quase a finalizar,  um trecho de uma opereta Giuditta “Meine Lippen sie küssen so heiß,” “Os meus lábios beijam ardentemente”, do compositor austro-húngaro Franz Lehár (1870 - 1948), o autor da Viúva Alegre.  Lehár nasceu num sítio da actual Eslováquia e morreu num sítio da actual Áustria. Vamos ouvir uma ária para soprano de uma comédia musical em cinco cenas de Lehar, que foi o seu último trabalho de comédia. Surge quase no final: “Os meus lábios beijam ardentemente” canta Giuditta, a heroína da peça com o mesmo título estreada em 1934. Giuditta abandonou o seu marido fugindo com Octavio, um oficial do exército, para o Norte da África. Devido à sua profissão, teve Octavio  teve de deixar a sua amada, que se torna dançarina de um clube nocturno. Virá a descobri-la após ter deixado a sua unidade. Giuditta tinha alcançado sucesso na sua nova profissão, mas a auto-estima de Octavio fica arrasada... Ela canta: “Os meus lábios beijam tão ardentemente./ Os meus braços são tão macios e brancos./ Nas estrelas está escrito:/ Deves-me beijar, deves-me amar!” Isto claro não é astronomia, mas sim astrologia. Dá muito jeito para namoros… Connosco de novo estará Regina Freire. 

9)     Blue Moon dos compositors norte-americanos Richard Rodgers (1902-1979) e Lorenz Hart (1895-1943).  O encore, um tema de música americana fora do universo da ópera, fala da Lua Azul. Escrita em 1934, “Blue Moon” é uma canção clássica do século XX. Foi cantada por grandes artistas como Billie Holiday, Elvis Presley, Bob Dylan e Cliff Richard. Hoje, será Regina Freire. Na cultura popular, essa canção já apareceu em filmes musicais como Grease e Blue Moon. É o hino do Manchester City, campeão inglês e europeu, onde jogam os portugueses Ruben Dias e Bernardo Silva. A versão que vamos escutar é um arranjo para orquestra de Pedro Carvalho, concertino da Orquestra Clássica do Centro. A Lua Azul, como já disse, é um acontecimento astronómico relativamente raro: a lua não fica azul, mas chama-se assim à segunda lua cheia que acontece num mês. A última Lua Azul foi a 31 de Outubro de 2020 e a próxima será a 30 de Agosto de 2023, precisamente daqui a um mês. Foi um prazer a Vossa companhia. E muito boa noite, para todos! Vai ser,  sob a égide da lua cheia.

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