quarta-feira, 19 de julho de 2023

MEU PREFÁCIO AO LIVRO DE INÊS NAVALHAS «COMUNICAR CIÊNCIA E TECNOLOGIA. OS LIVROS DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DA EDITORA GRADIVA NO ENSINO SUPERIOR»

 


PREFÁCIO


Este livro resulta de um trabalho de doutoramento que investigou uma colecção de livros de divulgação científica que tem tido um extraordinário impacto em Portugal. É, de resto, um dos poucos trabalhos realizados entre nós sobre uma colecção de livros. A tese, concluída brilhantemente em 2021 na Universidade Nova de Lisboa, é da autoria de Inês Navalhas: ela analisou a comunicação de ciência no Portugal democrático, centrando-se na coleção «Ciência Aberta» da Gradiva.   Embora possa ser acusado de falar em causa própria, por ser autor de meia dúzia de livros dessa colecção, para além de a dirigir desde o n.º 200, estou em crer que a  autora, juntamente com suas orientadoras, as Professoras Doutoras Maria Paula Digo e Paula Urze, fez uma escolha acertada ao considerar um tema – o da comunicação de ciência - de enorme relevância na sociedade contemporânea – e ao colocar o foco numa colecção emblemática que tem concretizado essa comunicação de ciência sob a forma de livro impresso.

Muitos leitores portugueses e no vasto espaço de língua portuguesa declararam-se beneficiários dessa colecção, iniciada em 1981 por Guilherme Valente (que tinha fundado a Gradiva um ano antes), e que, na data em que escrevo, já vai em 241 volumes publicados (só 237 são títulos diferentes, por ter havido quatro títulos reeditados com novas capas e conteúdos revistos). O crescimento da ciência e da tecnologia em Portugal desde 1995, impulsionado em grande medida pelo ministro da Ciência e Tecnologia José Mariano Gago, só foi possível por ter sido acompanhado pelo aumento da cultura científica, espelhado de um modo especial pela publicação de livros de divulgação científica e tecnológica. Houve quem tivesse chamado «geração Gradiva» à dos jovens leitores cuja formação foi bastante ajudada por esses livros. O editor percebeu a falta de ciência no panorama cultural português e soube-a colmatar de forma clarividente. Recebi no ano de 2012 – há dez anos – o testemunho dele e não podia deixar de aceitar a continuação que me pediu: o essencial já estava feito e tratava-se apenas de manter o rumo, tendo sempre em vista o objectivo de sustentar a cultura científica. Ao coordenar a «Ciência Aberta», linha do currículo que muito me orgulha, tenho tido o gosto de ver crescer uma obra semeada há mais de 40 anos.  Enriqueço-me a ler em primeira mão originais, de autores nacionais e estrangeiros, que são excelentes fontes de conhecimento científico, e folgo em saber que também outros, muitos outros, beneficiarão tal como eu da respectiva leitura.  Tenho tentado aumentar o número de autores portugueses, espelhando o crescimento da ciência no nosso país. Foram 14 os autores portugueses (três deles com duas obras, o físico Jorge Dias de Deus, infelizmente já falecido, o químico João Paulo André e o matemático Jorge Buescu), no total das 41 obras que saíram nesta segunda fase da colecção.

Guardo nas minhas estantes todos os livros da colecção «Ciência Aberta», muitos deles esgotados. Do n.º 1 só possuo a 3.ª edição, de 1985, já que as duas primeiras esgotaram logo: O Jogo dos Possíveis. Ensaio sobre a diversidade do mundo vivo, do biólogo francês François Jacob, prémio Nobel da Fisiologia ou Medicina em 1965. Note-se que o original francês, saído na Fayard, é do mesmo ano, 1981, que o da publicação em português. A tradução teve revisão científica de Luís Archer, professor da Universidade Nova de Lisboa e investigador do Instituto Gulbenkian de Ciência (e, já agora, jesuíta e especialista em ética da vida). Este facto dá conta da preocupação, presente desde o início, com a qualidade das edições, o que passa não só pela selecção dos melhores autores e títulos, mas também pela fidelidade aos textos originais. O mesmo autor, que faleceu em 2013, reaparecia no n.º 91 da «Ciência Aberta», O Ratinho, a Mosca e o Homem, o seu último livro, saído entre nós em 1997, de novo no mesmo ano do original francês.  O volume mais recente da «Ciência Aberta», o n.º 241,  é Amor, Matemática e outros Portentos, de Jorge Buescu, o autor nacional com mais títulos na colecção (sete no total, ou oito se acrescentarmos a sua participação numa obra colectiva, Despertar para a Ciência). Como assinala Inês Navalhas, que faz uma cuidadosa análise dos títulos publicados, o autor com mais livros na colecção – nada mais nada menos do que treze –  é o astrofísico franco-canadiano Hubert Reeves, o autor do grande sucesso editorial que foi o n.º 2, Um Pouco Mais de Azul (os versos do francês Paul Verlaine «Patience dans l’Azur» do original foram substituídos por versos do português Mário de Sá Carneiro). Outro autor emblemático da «Ciência Aberta» é, com certeza, Carl Sagan, o autor de oito títulos, entre os quais Cosmos, o n.º 5 da colecção, que é um dos maiores best-sellers da divulgação de ciência no mundo (só terá sido batido por Breve História do Tempo, de Stephen Hawkings, o n.º 27, com prefácio precisamente de Carl Sagan, que vendeu mais de dez milhões de exemplares em dezenas de línguas).

Quem estiver interessado numa análise pormenorizada da colecção fará bem em ler este livro. Inês Navalhas recolheu informações, não só olhando para as fontes escritas como ouvindo editores e autores: pela parte que me toca só posso dizer que foi correctíssimo o modo como me ouviu e transcreveu o que lhe disse, numa longa entrevista sobre divulgação de ciência em geral e a dita colecção em particular.  Este livro reúne informações muito interessantes sobre uma colecção que marcou e continua a marcar o panorama editorial português (são raras as séries de livros que já levam mais de quatro décadas de publicação ininterrupta).

Os leitores poderão pensar que as teses académicas são áridas, mas a verdade é que esta se lê muito bem. Tem, como teria de ter, algum aparato erudito, designadamente no enquadramento inicial do tema, mas depois fornece de uma forma simples e consistente um conjunto de dados que proporciona uma visão adequada das obras em causa e apresenta os resultados de inquéritos sobre comunicação de ciência e a leitura dos livros da «Ciência Aberta» feitos a professores e estudantes da Universidade Nova de Lisboa. O rol de respostas dadas dever-nos-ia fazer reflectir sobre o tempo que atravessamos:  os livros em geral são menos lidos pela nova geração, em resultado não apenas da transição para o mundo digital, mas também, como Guilherme Valente certeiramente assinala, por uma certa falência do sistema educativo na formação para a leitura. Existindo um Plano Nacional de Leitura, os seus resultados não são ainda decerto os que todos gostaríamos.

Termino realçando o papel do editor de livros. Este é alguém que sabe lançar sementes à terra, para que as árvores cresçam e se possa beneficiar dos seus frutos. Guilherme Valente criou uma colecção que tem procurado dar resposta à ânsia intelectual que caracteriza a espécie humana. Como tão bem disse Carl Sagan, a nossa ambição deve ser o conhecimento, sendo a ciência um meio indispensável para esse fim.

Felicitando a autora pelo seu trabalho, desejo boas leituras deste livro e também – há muito por onde escolher – dos livros da colecção, mais antigos ou mais recentes, que ele analisa. Eles estão nas bibliotecas ou nas livrarias à nossa espera.

 

Coimbra, 15 de Outubro de 2022

 

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