quarta-feira, 19 de julho de 2023

CONHECER OS OTOMANOS

Meu artigo no último JL:

Em 1 de Novembro de 2022 passaram cem anos desde o fim do Império Otomano, o qual, remontando ao final do século XIII, vingou com a tomada pelo exército de Maomé II, o Conquistador (1432-1481), da cidade de Constantinopla, hoje Istambul, aos Bizantinos, em 1453 – data que marca o início da Idade Moderna - e atingiu o seu auge no século XVI com o sultão Solimão, o Magnífico (1494 – 1566), senhor de um extenso território no sudeste da Europa, no Médio Oriente e no norte de África, que chegou a cercar Viena. 

Os impérios otomano e português cruzaram-se. Em 1538 teve lugar um violento confronto entre os turcos, com cerca de 20 000 homens, e os lusitanos, que não eram mais do que 600, no cerco de Diu, na Índia, que terminou com o recuo dos primeiros. As relações entre otomanos e portugueses foram mais amplas do que essa e outras refregas. O almirante e cartógrafo Piri Reis (c. 1465- 1553) produziu um mapa, de 1513, que hoje se encontra no Palácio de Topkapi, em Istambul, que mostra o Brasil e que deve ter recorrido a fontes portuguesas. No ano em que Piri Reis morre chegava a Constantinopla, vinda de Portugal, com estadas em Antuérpia, Ferrara e Veneza, a judia portuguesa Gracia Mendes ou Gracia Nassi (1510-1569). Conhecida por «A Senhora», distinguiu-se não só como empresária, mas também como filantropa no auxílio a numerosos judeus em fuga do reino lusitano.

O facto de o Império Otomano, alinhado com a Alemanha, ter sido derrotado na Primeira Guerra Mundial, sendo consequentemente ocupado pelos vencedores, agravou o seu estado de decadência. A resistência por parte de um conjunto de jovens oficiais (os «jovens turcos») encabeçados por Mustafa Kemal, dito Atatürk, isto é, «pai da Turquia» (1881- 1938) na Guerra da Independência Turca, conduziu em 29 de Outubro de 2023 à proclamação da actual República Turca: está a ser comemorado o centenário desse evento. As homenagens ao «pai» são merecidíssimas pois foi, como primeiro presidente turco, o estadista que empreendeu uma série de reformas profundas, que visaram transformar um país bastante atrasado num estado moderno, laicizando-o e implementando um conjunto de reformas legislativas, económicas e políticas. Ancara, na Anatólia Central, passou a ser em 1923 a capital da Turquia, em substituição de Istambul.

Em viagem recente à Turquia, reparei na profusão de retratos de Atatürk. O recente vencedor de eleições presidências Recep Tayyip Erdogan (n. 1954), no poder há duas décadas, tem transmitido alguns sinais de reconhecimento da herança otomana, o que atenta cotra o legado republicano de Atatürk. De certo modo, comporta-se como um sultão de antigamente, querendo «matar o pai». Para entender melhor o que foi o império otomano recorri, antes e durante a viagem, a três livros publicados recentemente entre nós: O Império Otomano e a Conquista da Europa, de Gábor Ágoston, historiador norte-americano de origem húngara (Desassossego, 2023), Os Otomanos. Cãs, Césares e Califas, de Marc David Baer, historiador norte-americano que ensina na London School of Economics and Political Science (Temas e Debates, 2022) e Os Séculos Otomanos. Ascensão e Queda do Império Turco de Lorde Kinross, de seu nome John Patrick Balfour, historiador escocês já falecido (Bookbuilders, 2022). 

São espessos volumes, todos eles muito informativos sobre o notável império euro-asiático-africano que, entre nós, não obstante as relações históricas de antagonismo ou proximidade, são pouco conhecidos. Tratou-se de uma civilização assombrosa, mais pela sua organização militar, e arte do que pelas suas realizações científico-técnicas. No enorme Palácio de Topkapi, no centro histórico de Istambul, muito perto do hipódromo bizantino e das Mesquita Azul e de Santa Sofia (Erdogan mudou a antiga igreja bizantina de museu para mesquita) pude admirar uma bela colecção de relógios mecânicos, na sua maioria de proveniência ocidental, e alguns astrolábios e quadrantes, instrumentos de orientação pelos astros que os árabes usaram desde tempos antigos (são astrolábios muito mais decorados do que os  usados pelos navegadores portugueses). O que mais me impressionou em Istambul foi, porém, a Cisterna da Basília, um vasto complexo subterrâneo (10 000 m2) perto de Santa Sofia, sustentado por 336 colunas de 8 metros de altura, e com água em toda a sua extensão. Esse prodígio de engenharia e arquitectura foi construído no ano de 532, no tempo do imperador Justiniano I (c. 482 – 565). Foi aí que foram rodadas algumas cenas do filme Inferno (2016), dirigido por Ron Howard, com Tom Hanks, cujo guião assenta no romance de Dan Brown, autor do Código de Da Vinci».

Mas Istambul é muito mais do que o palácio do sultão (não perder a visita ao Harém, que é a parte privada do palácio, que vai muito para além do que a palavra suscita ao imaginário ocidental), as mesquitas (há muitas outras além das duas referidas, que fazem assíduas chamadas à oração por altifalantes) e as cisternas (também há outras para além daquela que servia Santa Sofia). Há sobretudo a água em volta: o mar de Mármara, o estreito do Bósforo, que separa a Europa da Ásia, e o Corno de Ouro (com duas belas pontes: a Galata e a Atatürk), tudo sítios onde se podem fazer belos passeios de barco. E há, para as compras, o caótico Grande Bazar e o mais arrumado Bazar Egípcio, perto da ponte Galata, o primeiro onde se vende tudo e mais alguma coisa, e o segundo centrado em especiarias.

Istambul, cuja paisagem e luz fazem lembrar Lisboa, está muito bem descrita no livro autobiográfico Istambul. Memórias de uma cidade, de Orhan Pamuk (n. 1952), laureado com o prémio Nobel da Literatura em 2006. Há na maior cidade turca (mais de treze milhões de habitantes na área metropolitana!) um pequeno museu intitulado «Museu da Inocência» que remete para o romance homónimo de Pamuk, uma história de amor situada em finais do século XX que cruza tradição e modernidade. Mas não tive tempo para o visitar. Istambul merece bem nova visita… Para a próxima visita já ando a ler dois pequenos guias histórico-literários, publicados entre nós há algum tempo: Istambul, do francês Daniel Rondeau (Europa-América, 2004) e A Istambul do Sultão. do inglês Charles Fitzroy (Bizâncio, 2016).

1 comentário:

Manuel M Pinto disse...

Em 29 de outubro de 1923 foi fundada a República da Turquia sob a liderança de Mustafa Kemal Atatürk.

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