No jornal Público de ontem, a propósito da greve e das manifestações dos professores, acima do artigo de opinião do Professor António Galopim de Carvalho, encontra-se um artigo, também de opinião, de dois académicos com protagonismo de primeira linha na reforma educativa e formativa em curso. Protagonismo que se encontra legitimado institucionalmente, estando bem presente nas escolas e nas entidades formativas, entre professores e directores.
Não querendo tecer, neste texto, comentários sobre as mencionadas greve e manifestações (a questão não é de fácil análise, nem esta se pode reduzir a meia dúzia de linhas superficiais) quero, no entanto, deixar duas notas ao artigo desses académicos, de entre as muitas mais que ele suscita:
1. A defesa das mais recentes políticas educativas e formativas (que, insisto, derivando de "orientações" emanadas por organismos supranacionais, nada, mas mesmo nada, têm de inovador) e do seu mais alto representante em Portugal é tão óbvia que o seu efeito há-de ser o contrário do pretendido.
Vir a terreno defender, sem outros argumentos que não sejam os da convicção, políticas que os próprios ajudam a operacionalizar e a implementar, em que estão, portanto, envolvidos, não é, por certo, o critério de discussão académica mais válido para se sustentar uma posição que se apresenta muito segura.
2. Reconhecendo um estado de "insatisfação e malestar dos docentes que foram sendo acumulados, ao longo dos anos", os autores do artigo, atribuem-no a políticas anteriores, excluindo as mais actuais, assinadas por este governo (que, note-se, são a sequência "natural" das que haviam sido iniciadas no final do século XX).
Excluem dessa "insatisfação e malestar" as medidas que dão corpo ao "Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular", o qual estrutura e determina o actual currículo. Refiro-me, em concreto, às medidas patentes em documentos que os mencionados autores nomeiam: "Decreto-lei n.º 55/2018"; "Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória" e "Aprendizagens Essenciais".
Do que me é dado a conhecer (e julgo ter um conhecimento razoável do que falo), para esse estado de espírito dos professores, pelo menos para uma parte substancial dele, muito têm contribuído essas medidas.
Como professora que participa na formação de educadores e professores, devo dizer que essas medidas constituem o centro das minhas preocupações. Elas, além de me merecerem as maiores reservas em termos de fundamentação teórica e empírica, vejo-as ter efeitos reais na aprendizagem. Ou seja, nas crianças e nos jovens que estão ao cuidado da escola pública.
Bem podemos dizer, como dizem os autores mencionados, que queremos "contribuir para que a escola pública se possa ir transformando num espaço culturalmente mais significativo, humanamente empoderador e, por isso, política e socialmente mais inclusivo", mas, se bem entendi o sentido desta declaração, a verdade é que, se quisermos ser honestos para connosco e, sobretudo, para com as novas gerações (temos essa obrigação), não podemos deixar de reconhecer que estamos a falhar em toda a linha.
Dito de outro modo, a escola pública não está a cumprir, em Portugal, nem em muitos outros países, a sua função de educar no que lhe está (ou deveria) estar adstrito.
Em vez de procurarmos defender as políticas eductivas vigentes e os seus protagonistas, em vez de procurarmos defender-nos, deveríamos, isso sim, pôr em causa essas políticas e por em causa aquilo de que estamos muito convencidos.
1 comentário:
Parece que para esses senhores académicos, a Ciência, que se ensina e aprende nas universidades e escolas, não pode ir além das chamadas "ciências da educação". Eu, por exemplo, tenho formação em ciências físico-químicas, e não reconheço autoridade à senhora Ariana Cosme, nem ao senhor Rui Trindade, para, através das suas teorias estapafúrdias, me retirarem a autonomia técnica e pedagógica, indispensável ao exercício das minhas funções de professor do ensino secundário.
O mal-estar entre os docentes nunca foi tão grande como atualmente, desde logo, porque os seus vencimentos LÍQUIDOS nunca foram tão baixos, e porque as políticas educativas foram tão estúpidas como as mais recentes. Entre os executores destas políticas, não são poucos os que defendem que a solução para a educação em Portugal está na difusão generalizada, entre professores e alunos, da Filosofia Ubuntu!
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