Por Eugénio Lisboa
Com raríssimas excepções, a nossa comunicação social ignorou completamente o falecimento de Alfredo Campos Matos, ocorrido no passado dia 5 de Janeiro.
Nascido em 1928.
Licenciou-se em arquitectura com 19 valores, tendo dedicado ao urbanismo e à divulgação da arquitectura moderna do seu tempo vasto e profícuo labor.
Também António Sérgio lhe mereceu aturada atenção, tendo deixado por publicar uma excelente fotobiografia do grande ensaísta, cuja leitura tanto bem faria a alguns dos nossos bizantinos e assaz galardoados escritores. Recomendo à Imprensa Nacional – Casa da Moeda a publicação desta obra, já que seria perder tempo tentar publicá-la de outra maneira.
Mas foi, sobretudo, como apaixonado estudioso da obra de Eça de Queirós (que teimou sempre em escrever Queiroz), que Campos Matos investiu o melhor do seu labor.
O autor de OS MAIAS fascinou-o completamente, prendendo-o para sempre nas malhas sedutoras das suas intrigas acutilantes e no feitiço da sua prosa inventiva, esbelta e cheia de condimentos atrevidos.
Grande parte da vida de Campos Matos dir-se-ia ter sido o teimoso pagamento de uma dívida de gratidão: gratidão a um enorme prazer fruído na leitura exaustiva e repetida da obra do grande escritor. Eça é irresistível e foi, para ele, um potente magnete.
Como estudioso de Eça, Campos Matos deixou uma abundante bibliografia, de que destacaríamos, como obras magnas de futuro garantido,
o DICIONÁRIO DE EÇA DE QUEIROZ, com três edições, cada uma mais completa do que a anterior,e ainda um volumoso SUPLEMENTO AO DICIONÁRIO DE EÇA DE QUEIROZ;EÇA DE QUEIROZ. UMA BIOGRAFIA;EÇA DE QUEIROZ. CORRESPONDÊNCIA (2 vols.);EÇA DE QUEIROZ – EMÍLIA DE CASTRO, CORRESPONDÊNCIAe, ainda, 7 BIOGRAFIAS DE EÇA DE QUEIROZ, livro em que desfaz alguns mitos em vigor.
No entanto, sublinho, isto, que justificaria uma vida de trabalho intenso, é apenas uma parte do seu enorme labor.
Campos Matos era um trabalhador compulsivo, sempre a congeminar novas aproximações à obra do seu conterrâneo da Póvoa de Varzim.
E ainda lhe chegava o tempo, para o partilhar, em saborosa e prolongada tertúlia, com quatro amigos e admiradores fiéis, nos quais, afortunadamente, me incluo. Essas instrutivas e divertidas tardes ficam connosco, para sempre.
É um mistério, que seria curioso averiguar, a razão por que certas personalidades, apesar da sua vasta e profunda contribuição para o avanço do nosso conhecimento literário e para o afinar da nossa capacidade de fruição, passam “despercebidos” da atenção jornalística, até no triste momento em que se retiram da nossa presença. Por algum motivo oculto, que só as vestais conseguem decifrar, estes grandes trabalhadores não estão “in”, não sendo portanto “chic” falar neles. Dizem coisas claras e trabalham muito, mercadoria pouco vendável nos impérios de Bizâncio.
Mas é também claro que a última palavra estará com os futuros estudiosos do autor de O CRIME DO PADRE AMARO, que não poderão decentemente escrutiná-lo, sem recurso aos preciosos instrumentos que Campos Matos lhes legou.
Eugénio Lisboa
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