domingo, 15 de janeiro de 2023

Carta aberta ao Senhor Primeiro Ministro A propósito das manifestações dos Professores.

Por António Galopim de Carvalho
(Carta saída no Público de ontem) 

Pretendo com esta carta transmitir-vos, Senhor Primeiro-Ministro, a minha grande preocupação face ao estado em que se encontra um dos mais importantes sectores da nossa Sociedade – a Educação. 

A mesma grande preocupação foi afirmada por V, Ex.ª, em finais de 2015, na cerimónia de entrega do Prémio Manuel António da Mota, no Palácio da Bolsa, no Porto, ao dizer para quem quis ouvir: 
“De uma vez por todas, o país tem de compreender que o maior défice que temos não é o das finanças. O maior défice que temos é o défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação.” (sic). 
Eu ouvi, não esqueci. 

Mais de sete anos sobre esta solene afirmação, nada de verdadeiramente importante aconteceu, A verdade é que estas vossas palavras ainda não passaram à prática e é por isso que os Professores saem à rua em muitas e sucessivas manifestações.

Diga-se, em abono da verdade, que ampliámos a escolaridade obrigatória para 12 anos, que aumentámos o número de escolas e que melhorámos consideravelmente o parque escolar, mas, o problema continua por resolver. O problema está na inexistência de uma política de educação consertada entre governos e oposições, pensada a duas, três ou mais legislaturas, que envolva 
(1) gente verdadeiramente capaz de a concretizar, visando com especial atenção os programas e os manuais de ensino,
(2) a escolha criteriosa dos titulares da respectiva pasta, a par de 
(3) uma completa revolução na respectiva máquina ministerial. O problema está, ainda, na manifesta insuficiência das dotações orçamentais necessárias a este importante sector da administração. 
Estas manifestações revelam que os Professores são uma classe desacarinhada, desprotegida e mal paga, muitos deles a viverem longe de casa ou a somarem quilómetros de deslocações, sem terem a dignidade e o respeito que lhes são devidos como agentes de uma das mais relevantes profissões de qualquer sociedade. 

Estas manifestações dizem-nos, ainda, que os Professores são prisioneiros de múltiplas obrigações administrativas e outras, que nada têm a ver com o acto de ensinar. Dizem-nos, também, que precisam de tempo para pensarem e agirem no desempenho da nobre missão que escolheram como modo de vida. 

Estas manifestações explicam porque é que há cada vez menos interessados em seguir a profissão e porque é que os que que nela labutam só esperam reformar-se logo que a idade o permita.

Em minha opinião, Senhor Primeiro-Ministro, e na de muitos dos que têm vindo a público, não temos estado a formar os jovens que a democratização do ensino trouxe às nossas escolas. Temos estado, sim, e continuamos a estar focalizados nas estatísticas e, nessa óptica, os Professores são como que coagidos a amestrarem os alunos a acertarem nas questões que irão encontrar nos exames finais. 

Em minha opinião a formação dos Professores deixa muito a desejar e o sistema de avaliações, praticamente, nada avalia. Lembremos propostas de avaliações a sério que têm sido rejeitadas (com o apoio dos sindicatos) por parte dos muitos que não querem ou receiam ser avaliados. Sim, porque também sei que, a par os muitos bons Professores, há os que o não são. 

Estamos a atentar contra o futuro de Portugal. 

Sou, Senhor Ministro, o que se costuma dizer, um velho, mas continuo bem lúcido e longe de estar cansado. Se desejar aproveitar do muito que os anos e a experiência me ensinaram, basta que me mande chamar. 

Com os meus respeitosos e amistosos cumprimentos 
António Marcos Galopim de Carvalho

1 comentário:

Alberto disse...

"Temos estado, sim, e continuamos a estar focalizados nas estatísticas e, nessa óptica, os Professores são como que coagidos a amestrarem os alunos a acertarem nas questões que irão encontrar nos exames finais."
Com o devido respeito pela pessoa do insigne Professor Galopim de carvalho, eu, como professor do ensino secundário, mal integrado na carreira única dos professores dos ensino básico e secundário e dos educadores de infância, mais do que coagido, sou obrigado, apesar da autonomia técnica e pedagógica que a lei me confere, a avaliar os alunos, através do preenchimento diário de grelhas descomunais, com uma grande parte dos parâmetros de natureza natureza emocional, sendo os critérios sobre a aquisição de conhecimentos racionais desvalorizados de tal maneira que todos os alunos alcançam, fraudulentamente, portanto, o sucesso escolar na sua plenitude. Quem fica a ganhar são as estatísticas, embelezadas à martelada, e a filosofia do ubuntu, feita de paz e amor entre todos os membros da comunidade escolar.
O pior é a persistência da indisciplina e violência escolar nas nossas escolas e jardins de infância, de que ninguém fala por ser tema tabu entre a intelectualidade da educação em Portugal, mas que, nem por isso, deixa um problema central a resolver nas escolas EB 1,2, 3 + JI + S.
A municipalização da contratação dos professores e educadores de infância, reconhecida a sua grande importância, não pode ser o principal tema a debater entre os sindicatos e o ministro da educação!

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