«Entrei numa livraria. Pus-me a contar os livros que há para ler e os anos que terei de vida. Não chegam! Não duro nem para metade da livraria! Deve haver certamente outras maneiras de uma pessoa se salvar, senão… estou perdido. No entanto, as pessoas que entravam na livraria estavam todas muito bem vestidas de quem precisa salvar-se.»
Não é só nas livrarias físicas que compro livros. Compro-os on line na Wook ou na Amazon, passe a publicidade. Além disso, sabendo do meu apetite livresco, tanto editores como autores oferecem-me bastantes livros, sendo raro o dia em que o carteiro me traga um pacote (um dos funcionários dos CTT vai-me informando sobre os livros que anda a ler, pelo que abro a encomenda à frente dele, para que ele também saiba das minhas próximas leituras). Também frequento alfarrabistas, de porta aberta ou na Internet, embora, mais por dificuldades de bolsa do que por falta de vontade, não coleccione livros antigos (distingo o Miguel Carvalho, com uma bela loja na Figueira da Foz, e o Francisco Brito, em Guimarães, que faz boas listas enviadas por e-mail). E sou frequentador inveterado de feiras do livro e de alfarrabistas, para além de feiras de velharias onde costuma haver livros a esmo: aos sábados em Lisboa vou sempre que posso à feira da Rua Anchieta, ao lado da Bertrand, e em Coimbra é raro perder a Feira das Velharias que tem lugar no quarto sábado de cada mês, onde vou directo a duas bancas que já sabem o que me interessa (a 1870, de Lisboa, e a Suméria, de Leiria). Oscar Wilde dizia que resistia a tudo menos a uma tentação eu não resisto a uma boa pechincha livreira.
A minha biblioteca é, além de enorme, diversificada, abrangendo muitos géneros, que vão da ciência (designadamente história da ciência e mecânica quântica, mas também teoria da evolução e genética) à poesia (principalmente portuguesa, mas também alemã). Tenho secções bem fornecidas sobre certos temas: história da ciência em Portugal (incluindo história da medicina), artes visuais (principalmente, os expressionistas alemães, como Otto Dix), prospectiva (a ciência e arte de prever o futuro), «portugalidade» (seja lá o que isso for), banda desenhada franco-belga e portuguesa (para além dos clássicos gosto do Loustal), etc. Uma das maiores secções, que comecei quando fui nomeado director da Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, é sobre livros e bibliotecas: inclui a história do livro, as mais belas bibliotecas (o critério de qualidade consiste em ver se inclui a Biblioteca Joanina), as artes gráficas, a indústria editorial, o comércio livreiro, livros com listas dos melhores livros, o «futuro digital» do livro, etc.
O alfarrabista Carlos Maria Bobone (filho de alfarrabista, pois filho de peixe sabe nadar) escreveu recentemente para a colecção «Retratos» da Fundação Francisco Manuel dos Santos, um livrinho intitulado A Religião dos Livros. Alfarrabistas, livrarias e livreiros, no qual faz, em 93 páginas, um apanhado dos ecossistemas formados pelas pessoas que vendem e compram livros. Depois de lido vorazmente, foi para a secção dos livros sobre livros. Se há uma «religião dos livros», eu não poderei escapar a ser tido como «devoto». O culto consiste na aquisição constante de obras, na leitura de uma pequena parte delas (há quem venha a minha casa e me pergunte se li «aquilo tudo»), na sua arrumação cuidadosa para que saiba onde os encontrar, e, em muitos casos, na escrita sobre o que li, como é agora o caso.
É impossível escrever sem ler e eu, se continuo a escrever, é porque continuo a ler. Os templos da «religião do livro» estão, para meu contentamento, por todo o lado: as editoras, os estabelecimentos de comércio livreiro, as bibliotecas públicas e particulares, e até os sítios onde se podem deixar livros para que alguém lhes pegue. Pode não ser logo ou aqui, mas haverá sempre um leitor para um livro.
Bobone fala da crise dos livros, no continuado fecho das livrarias e alfarrabistas, na muito badalada substituição da leitura de papeis pela leitura de ecrãs, mas também fala do continuado encantamento de todos os que gostam de livros, alguns mesmo «devotos» como eu da «religião dos livros», que as livrarias e alfarrabistas oferecem. Conta algumas das histórias que aconteceram nesse mundo (eu também tenho algumas: por exemplo, a de um conhecido alfarrabista que se recusou a arredondar o preço de uns volumes «porque não estávamos em Marrocos»).
Fala dos livreiros (referindo alguns nomes míticos entre nós e no estrangeiro), do vocabulário bibliográfico (uma boa referência é o Dicionário Técnico dos Termos Alfarrabísticos, de Paulo Gaspar Ferreira, da In Libris, do Porto), dos livros usados e raros (incluindo os catálogos e os catalogadores), dos leilões e leiloeiros (onde alfarrabistas e bibliófilos se juntam na ânsia de litigarem os melhores lotes), das livrarias independentes (como a Shakespeare & Co., em Paris, ou a Ferin, em Lisboa), das «aldeias de livros» (como Óbidos, o projecto de José Pinho) e dos clientes (em particular, os bibliófilos), e na doença dos livros (em sentido literal e metafórico).
No final, responde afirmativamente à questão «Há esperança para as livrarias?» Nós, os crentes nos livros, partilhamos devotadamente dessa esperança. ;
1 comentário:
Estimado professor Carlos Fiolhais: Quando vier ao Porto faça visitas à UNICEPE...
Enviar um comentário