quinta-feira, 18 de março de 2021

Sobre a loucura em que a avaliação se tornou

Numa loucura, disseminada nas últimas décadas, de avaliar, a todo o momento, tudo e todos, em relação a todos os aspectos que se possam imaginar (e mais aqueles que transcendem a imaginação), perde-se o sentido da própria avaliação. E, pior do que isso, minam-se as relações pessoais, padroniza-se a acção e, com isto, o pensamento. 

Não se trata de negar a importância da avaliação, mas de ponderar a sua necessidade e legitimidade, bem como o modo de a concretizar, sendo que ela deve sempre perseguir fins benéficos para as pessoas, para as instituições e, de modo mais alargado, para o mundo próximo ou distante, e não fins prejudiciais a estes três níveis.

A declaração é válida para múltiplos (todos) os sectores do funcionamento social, e, portanto, também para a educação formal: a aprendizagem, o ensino, a formação de professores, etc.

Sobre o assunto, vale a pena ler uma entrevista ao psicanalista francês Roland Gori - Il faut avant tout refuser l’évaluation! -, com data de 2019. 
Acima de tudo, devemos recusar a [esta] avaliação porque ela é sintoma e operador do neoliberalismo! Obviamente, é normal ser responsável, avaliar as consequências do que fazemos, os efeitos do que produzimos. Mas é preciso sair do campo fechado de uma avaliação quantitativa processual que conduz a hábitos de servidão e submissão, inibição e impedimento, colectiva e individualmente. É preciso romper com uma avaliação que existe há 30 anos, como manifestação do neoliberalismo, que traça a forma de cada um estar no mundo consigo e com o outro. É preciso destruir essa máquina de esmagamento que nasceu com [esta] avaliação e estabeleceu uma moralidade puramente utilitária"

 E ver/ouvir uma conferência que deu, em 2017, sobre o tema, com o título De quoi l'évaluation est-elle le nom dans un monde sans esprit?

1 comentário:

Carlos Ricardo Soares disse...

Numa sociedade organizada e moldada segundo princípios que, por um lado, colocam o indivíduo no centro das razões como único absoluto e, por outro lado, reduzem tudo ao valor de mercado, que se exprime em unidades monetárias, não há como escapar aos efeitos e consequências destas duas poderosas abstrações, sendo irrelevante para o caso se são intencionais, pretendidas como fins ou assumidas como meios. É como se a máquina, a engrenagem, dotada de inteligência e vontade própria não obedecesse a nada nem ninguém, funcionando num modo automático blindado a qualquer tentativa de o interromper.
Não é agradável imaginar que isto corresponda à verdade. É preferível acreditar que as guerras não aconteceram em situações semelhantes, como tentativa, ou necessidade de forçar, pela destruição, que a máquina voltasse a estar sob os comandos dos humanos.
Nada escapa à lógica da avaliação, quando ela é vista e sentida, porque opera eficientemente, como a única forma ou critério de valor, expresso em unidades monetárias.
Por exemplo, qual é o valor de um quadro? É valor estético? Não, é monetário. E o valor de um jogo de futebol? É o valor desportivo, lúdico, do espectáculo? Não, é monetário. Apenas se está interessado na vitória do seu clube, ainda que tenha de ser arrancada a ferros. E o valor de um livro? É monetário.
As coisas tendem a ser avaliadas por aquilo que podem significar em quantidade de moeda e não o contrário. E mesmo que isto, muitas vezes, não seja verdade, é assim entendido, fomentando a inversão dos termos. Não é o valor da obra que dita o seu preço, mas é este significa aquele.
Porquê? Há muitas razões para que assim seja. A mais imediata, na minha perspectiva, é a simplicidade com que isso satisfaz a totalitária lógica e a necessidade mercantil.
Seria muito mais complicado se, por exemplo, um juiz tivesse de fundamentar a sua sentença, não apenas comas normas legais, mas também e, essencialmente, com a justiça dessas normas. Talvez não houvesse juízes em regimes ditatoriais.
Isto lembra-me o deslumbramento que o positivismo exerce sobre qualquer mente, por mais brilhante ou baça que seja. É extremamente simplificador, redutor, funcional, eficiente, em suma, económico. É maisfácil, económico, prático, despachar os mortos de qualquer maneira, para nos vermos livres de cadáveres do que verificar cuidadosamente quem são, porque morreram, etc..
Quanto ao resto, parece que nos querem dizer «aprendam a fazer como no futebol», o que interessa é ganhar, nem que seja a partir pernas e cabeças. E assiste-se efectivamente a uma padronização de tudo, fortemente potenciada e favorecida pelas tecnologias informáticas, que deixa de nos fazer pensar que somos peças de uma engrenagem fabril, o que já era triste e deprimente, e nos faz pensar cada vez mais, que somos um algoritmo e que, só por o sermos, é que não somos totalmente descartáveis, porque os algoritmos também servem para alguma coisa.

AINDA AS TERRAS RARAS

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