terça-feira, 31 de março de 2020
NOVA ATLANTIS
A
“Atlantís” acaba de publicar o seu último número (em acesso aberto).
Convidamos a navegar pelo sumário da revista para aceder à informação.
Imprensa da Universidade de Coimbra
Atlantís - review
v. 32 (2020)
Sumário
[Recensão a] FRAZIER, Françoise, Histoire et morale dans les Vies Parallèles de Plutarque, Paris, Les Belles Lettres, 2016 (2e édition), 505 pp. ISBN: 978-2-251-32895-9
Joaquim Pinheiro
[Recensão a] HULT, Karin, Theodore Metochites on Ancient Authors and Philosophy - Semeioseis gnomikai 27-60, A Critical Edition with Introduction, Translation, Notes, and Indexes. 306 pp., Acta Universitatis Gothoburgensis, 2016, ISBN: 978-91-7346-889-3
Miguel Monteiro
[Recensão a] SOUSA E SILVA, M. de F.; PAIVA, J., Teofrasto, História das plantas.
Tradução portuguesa, com introdução e anotação, Coimbra, Imprensa da
Universidade de Coimbra, 2016, 460 pp. ISBN: 978-989-26-1192-1
Andrew Dalby
[Recensão a] GARCÍA RUIZ, de José Miguel & ÁLVAREZ HOZ, Jesús María, [Galeno] Comentario a Sobre los humores de Hipócrates.
Estudio introductorio, traducción, notas e índices, Ediciones Clásicas,
Colección de Autores Griegos. Gal. 13, Madrid, 2016, 358 pp.
Jordi Sanchis Llopis
[Recensão a] MARCOS GARCÍA, Juan-José, Manual ilustrado de paleografía griega, Madrid, Clásicos Dyckinson, 2016, 558 pp. ISBN: 978-84-9148-007-5.
Ignasi Vidiella Puñet
Atlantís
http://impactum-journals.uc.pt/atlantis
É tempo de refletir, agora que há tempo...
Texto recebido de uma professora do Ensino Secundário.
Sou professora de Filosofia, tenho como princípios basilares da minha ação os que se alicerçam na ética e, como tal, no apreço pela pessoa entendida como valor absoluto. Assim, poder-se-á compreender como me sinto incomodada com o que tem vindo a público relativamente à classe profissional a que pertenço e ao ministério que a tutela.
Assola-nos uma hecatombe sem precedentes desde a segunda guerra mundial, vivenciamos horas de horror, pessoas que morrem, a solidão física e psicológica persiste contra a nossa natureza social. As consequências de tudo isto são imprevisíveis, nefastas certamente.
Nesta cena dramática, diria mesmo apocalíptica, o afã em que está mergulhada a educação formal afigura-se intolerável, não ficando tempo nem capacidade para pensar em aspetos como os que enuncio de seguida:
Primeiro: Neste final de período, o trabalho que se exigiu aos professores foi intenso, pois a última semana de aulas é, normalmente, dedicada à entrega de elementos de avaliação escrita e autoavaliações. Há que perguntar: qual foi o sentido desse trabalho?
Segundo: Durante os períodos normais de lecionação, muitos alunos descuidam as aulas, as tarefas de aplicação e o estudo, em grande medida por se aperceberem de certas narrativas prevalecentes na sociedade, que advogam o lúdico e o divertido, o hedonismo e a “felicidade”, em tudo dissonantes do empenho e esforço que a aprendizagem escolar implica. Agora, de um momento para o outro, pretende-se que, frente a um computador, se empenhem e esforcem de um modo que só alguns, muito poucos, conseguirão.
Terceiro: Por outro lado, há que lembrar a ideia da primazia do aluno e da secundarização ou afastamento do professor, bem clara nas novíssimas orientações da OCDE, que países como o nosso têm acatado sem crítica de maior. É preciso operar uma verdadeira transformação na relação pedagógica, diz-se nos documentos que leio: o professor retira-se dela, não pode ensinar, pois são os alunos que decidem o que querem aprender, para quê, como e com quem; será chamado a essa relação se e quando os alunos o entenderem. Enfim, a educação escolar “subordinou a aquisição de conhecimentos ao domínio das aptidões e capacidades”, considerando que os alunos podem aprender sozinhos (Mónica, 1997, p. 55). A verdade é que se tem defendido que são os próprios alunos a construir o conhecimento (Festas & Castro 2013).
Frente a estes e outros aspetos, tenho-me interrogado, atónita: afinal os professores são necessários ou não?
Se tivermos em conta a “pedagogia oficial”, a resposta é, sem qualquer dúvida, não. Nas suas casas, os alunos, por muito pequenos que sejam, com a “bússola de aprendizagem” que a OCDE diz que eles têm, hão de orientar-se para construir a competência global, invólucro das diversas competências transformadoras que lhes darão acesso ao futuro.
Independentemente, ou à margem, da “pedagogia oficial”, eu digo que os professores são indispensáveis. Segundo Gage (1963), o ato de ensino está ligado a um processo relacional, que influencia o outro, transformando-o. Nesse processo, o conhecimento, transmitido e adquirido, resultado do ensino e da aprendizagem, conduz ao aperfeiçoamento, fim último da educação. Por isso, como afirma Habermas, a ação educativa tem de passar, necessariamente, pela relação interpessoal, que pressupõe dois interlocutores (Martins & Rafael, 2006), um deles – o professor - detendo uma autoridade científica e pedagógica que o distingue do outro – o aluno –, de modo que este, no futuro, se eleve ao seu nível ou o supere.
Estamos a viver CIRCUNSTÂNCIAS DRAMÁTICAS EXCECIONAIS às quais não podemos nem devemos ficar indiferentes. Não temos apenas o dever de ficar em casa, mas também de refletir sobre o que advém da devastação pessoal que milhões de pessoas estão a sofrer. E isso não é compatível com a azáfama em que a educação está mergulhada.
Em tempos excecionais, urge aplicar medidas excecionais que não passam por sobrecarregar e desorientar as pessoas, no caso: professores e alunos, mas também as famílias.
A defesa da vida e a solidariedade, ainda que à distância, têm de ser os fundamentos de uma nova configuração social e ética.
É premente que se defendam os valores morais certos, que concorram efetivamente para a formação dos nossos alunos. E para a concretização desse desígnio é preciso abandonar a eficácia imediata e educar para a dádiva, numa lógica de coexistência, forjando-se, por esta via, aquilo que designamos como carácter (Camps, 1996).
Maria Dulce Marques da Silva
Referências bibliográficas:
- Camps, V. (1996). Los valores de la educación. Madrid: Grupo Anaya.- Festas, I. & Castro, S. L. (2013). Aprendizagem e cognição em áreas específicas: Leitura, escrita, compreensão, composição de textos, ciências e estudos sociais. In F. H. Veiga (Org.). Psicologia da educação: Teoria, investigação e aplicação (pp. 395-443). Lisboa: Editora Climepsi/Escolar Editora.- Gage, N. L. (Ed.). (1963). Handbook of research on teaching. Chicago: Rand McNally.- Mónica, M. F. (1997). Os filhos de Rousseau. Ensaio sobre os exames. Lisboa: Relógio D`Água.- Martins, E. C. & Rafael, (2006). J. Habermas e o retorno à modernidade. In E. Candeias Martins (Coord.). (R)evolução das ideias e teorias pedagógicas (pp. 102-116). Coimbra: Edição Alma Azul.- OECD (2019). Future of education and skills 2030: The new “normal” in education https://www.youtube.com/watch?v=9YNDnkph_Ko- OECD (2019). Learning compass 2030. https://www.youtube.com/watch?v=M3u1AL_aZjI
TEMOS DE PARAR PARA PENSAR
Mais do que os receios que, naturalmente, poderiam assaltar-me nesta situação de grave pandemia que estamos a viver, em que os meus quase 89 anos de idade e um historial clínico pouco risonho, me põem no grupo dos de máximo risco, mais do que esses receios, dou por mim com este pensamento quase obsessivo:
«Temos de parar para pensar».
As imagens filmadas, creio que por “drone”, de Lisboa e de muitas outras grande cidades dramaticamente desertas, recordando Chernobyl na sequência da explosão do reactor nuclear em 1986, têm o sabor da tragédia que se poderá abater sobre a humanidade.
No passado dia 27, escrevi o que então me veio ao pensamento:
Uma “coisa” que nem tamanho tem, feita de meia dúzia de moléculas à base de oxigénio, hidrogénio, carbono e umas pitadas de fósforo, ultramicroscópica, a meio caminho entre o inerte e a vida ou, como alguém disse, entre a química e a biologia, está a pôr em causa a hegemonia mundial dos EUA e a mostrar que todo o seu enorme poderio militar nada vale face à deliberada inexistência de um serviço nacional de saúde. Está a abanar a já de si frágil coesão da União Europeia, a revelar quão vãs foram as esperanças de Jean Monnet, Willy Brandt e Mário Soares e a dar voz aos partidos antieuropeístas. Está a desacreditar governantes irresponsáveis e populistas como Trump, Bolsonaro e Boris Johnson, a revelar uma Rússia em aproximação à Europa e uma China ambicionando ser a futura primeira potência mundial. Neste quadro, pode perguntar-se «de que vale, daqui para a frente, uma organização militar como a Nato»?
À margem do terramoto no mundo da política, da economia e das finanças, que julgo poder antever-se, assiste-se a uma notada melhoria em alguns aspectos do ambiente natural, nomeadamente e à vista de todos, na poluição atmosférica, dando plena razão à jovem sueca, tão mal e estupidamente tratada por alguns dos nossos comentadores de sofá.
Estas e mais do que evidentes reflexões são suficientes para, em meu modesto entender, que nada sei de ciências sociais e políticas, estar convicto de que
«temos de parar para pensar».
Na realidade, nós e todos os países ditos desenvolvidos, com milhões e milhões de habitantes concentrados em enormíssimas cidades, já estamos parados em múltiplos aspectos das nossas vidas. É nas escolas e nas universidades, na indústria e no comércio, no teatro, no cinema e nos concertos, nos museus e, até, no futebol. Estamos, por assim dizer, fechados em casa, uns porque têm consciência das vantagens dessa atitude, outros porque a isso se sentem obrigados. Uma recomendação que, diga-se, está a ser amplamente respeitada, praticamente sem necessidade de lhe dar o carácter de imposição subjacente à situação de Estado de Emergência decretado no passado dia 18.
Todos sabemos quais os sectores da sociedade que, numa situação como esta, não só não param como multiplicam os seus esforços ao limite das suas forças físicas e emocionais. São os da saúde, dos médicos e enfermeiros ao mais modestos operacionais, são os bombeiros, as forças de segurança e os militares, os farmacêuticos e todos os que nos continuam a assegurar os bens de primeira necessidade e os serviços essenciais. São, ainda, não esqueçamos, os cientistas e os técnicos que, neste momento, estão a dar o seu melhor na luta contra esta pandemia.
Estou convicto de que, quando esta contrariedade passar, muita coisa vai mudar, quer nas relações internacionais quer nas políticas internas dos países. Não estou a falar dos aspectos partidários, mas sim dos da administração, como por exemplo, a das dotações orçamentais para a saúde, as do ambiente natural, as da ciência, da educação e da cultura, as das opções económicas e financeiras, as das relações de trabalho e outras.
Especificando um pouco na área da educação (leia-se ensino) em que, como é esperável, terei algo a dizer e que, no que se reporta ao nosso país, mais me preocupa neste momento.
Começo por recordar uma afirmação do Primeiro Ministro António Costa na cerimónia de entrega do Prémio Manuel António da Mota, no Palácio da Bolsa, no Porto, em 2016:
“De uma vez por todas, o país tem de compreender que o maior défice que temos não é o das finanças. O maior défice que temos é o défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação”.
Num país, como Portugal, onde a investigação científica e o ensino superior, em todas as áreas do conhecimento, está ao nível do que caracteriza os países mais avançados, é confrangedor assistir à generalizada iliteracia dos portugueses, incluindo muitos dos nossos quadros superiores, intelectuais de serviço e políticos de profissão que, embora conhecedores dos domínios em que se movimentam, são falhos de outras culturas, em particular da científica, que a escola deveria dar mas não deu e continua a não dar, como está implícito nas palavras do Primeiro Ministro.
É minha convicção que grande parte desta a situação, vinda bem ao de cima na citada afirmação do Primeiro Ministro, que não mais esqueci, radica, desde há muito e em grande parte, na “máquina pedagógica” do Ministério da Educação.
Já aqui escrevi e volto a escrever que os ministros e secretários de estado da tutela, uns com ideias, outros sem elas, têm-se sucedido ao sabor das legislaturas e das remodelações. Foram, entrando, ignorando muitas das disposições dos que os antecederam, criando outras e desaparecendo de cena, dando lugar a novos outros, em repetição deste desgraçado ciclo. Outra parte da responsabilidade desta triste e lamentável situação cabe aos sucessivos chefes de governo que, mais preocupados com outros sectores da administração, dividendos políticos e outras aberrações dos aparelhos partidários instalados, têm descurado este gravíssimo problema, bem expresso nas ditas palavras do Primeiro Ministro:
“défice que acumulámos de ignorância, de desconhecimento, de ausência de educação, de ausência de formação e de ausência de preparação”.
Temos, pois, de parar para pensar.
Pensar que é preciso vontade política para promover uma profunda avaliação e consequente reformulação das políticas do Ministério da Educação, em particular as pedagógicas e administrativas.
Pensar no sentido de fazer com que o Ministério da Educação se torne numa das principais preocupações dos governos, não só na escolha dos respectivos titulares, como nas dotações orçamentas que permitam dar às escolas as necessárias condições de trabalho e de relativa autonomia e, aos professores, a dignidade compatível com o importantíssimo papel que representam na sociedade, a começar pelos respectivos vencimentos, colocações e estabilidade.
Pensar na profunda revisão de tudo o que se relacione com o ensino básico e secundário, a começar na conveniente e eficaz formação e avaliação de professores, reformulação de programas passando pelos livros e outros manuais de ensino (que envolvem interesses instalados) com discursos estereotipados que se repetem acriticamente em obediência a esses programas, levando ou, melhor, obrigando os professores, não a ensinar e formar cidadãos, mas a “amestrar” alunos a acertar nos questionários de exames, por vezes, autênticas charadas.
Pensar que o professor não pode, de maneira nenhuma, ser um mero transmissor das noções, tantas vezes, insisto em dizer, estereotipadas e acríticas dos manuais de ensino. Sempre disse e insisto em dizer que o professor deve saber muito, mas "muito mais" do que o estipulado no programa da disciplina que deve ter por missão ensinar. Para tal, os professores necessitam de tempo, e tempo é coisa que a situação que se vive nas nossas escolas lhes não dá. Há que libertá-los de, praticamente, todas as tarefas que não sejam as de ensinar. Há que resolver o problema das suas colocações, com vidas insuportáveis material e emocionalmente, a dezenas de quilómetros de casa, separados das famílias.
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Pensar no papel importantíssimo dos sindicatos, não só relativamente aos problemas laborais, mas aos de natureza pedagógica que eventualmente ao aflijam.
Pensar, face às extraordinárias capacidades das tecnologias informáticas no mundo globalizado dos dias de hoje, nas vantagens e desvantagens dos ensinos presencial e à distância, incluindo o ensino superior.
Pensar em intervir no sentido de alterar o tecido social e político dominante na sociedade economicista que domina na União Europeia e que, evidentemente nos envolve, continuando a promover e alargar o fosso entre os que estudam, e assim aspiram e conquistam o direito à cidadania, e os outros.
A. Galopim de Carvalho
AGENDA 2030 para o desenvolvimento sustentável comprometida?
Texto de Mário Frota, especialista em Direito do Consumo.
Parece irrealista indagar, em meio à crise reinante, se a AGENDA 2030 para o desenvolvimento sustentável se acha comprometida.
Os rombos que se antevêem na economia global constituem resposta cabal às questões que neste particular se vierem a suscitar.
No que ao consumo sustentável importa, objectivos marcantes se lhe assinam, a saber,
- “o uso de produtos e serviços que satisfaçam necessidades básicas e proporcionem uma melhor qualidade de vida, diminuindo, consequentemente,
- os recursos naturais e o emprego de materiais tóxicos
- a geração de resíduos e a emissão de poluentes durante o ciclo de vida do produto ou do serviço de modo a não pôr em risco as necessidades das futuras gerações”.
De acordo com os estudos desenvolvidos pelo European Environmental Bureau, o tempo de vida útil de um smartphone, a título de exemplo, para que se pudesse dizer em relativo equilíbrio com os ciclos naturais e humanos de reposição de recursos, deveria situar-se entre os 25 e os 232 anos.
O tempo de vida útil de um smartphone é, nos tempos que correm, de 3 anos.
Os custos ambientais e económicos desta discrepância são gigantescos e incomportáveis.
De acordo com os estudos disponíveis, a aprovação de regras que estendessem a longevidade – apenas de alguns dos dispositivos – representaria, em 5 anos, no EEE - Espaço da Económico Europeu,
- a diminuição de 12 milhões de toneladas anuais de equivalente-CO2.
- Se tal intenção se concretizasse, isso equivaleria a retirar de circulação 15 milhões de veículos movidos a combustíveis fósseis…
Mas a obsolescência programada não atinge os produtos na sua essência corpórea, abrange também os suportes lógicos, como, v. g., no caso da Apple e outras marcas de referência.
A Apple, de harmonia com notícias emanadas de Paris, em Fevereiro último, foi condenada a 25 milhões de euros por haver procedido a ligeiras alterações no sistema operacional de determinadas linhas:
- A Apple deixou os os iPhones 6, 7 e SE mais lentos depois de actualizar o sistema operacional para versões 10.2.1 e 11.2.
- Em resultado, os consumidores foram forçados a mudar a bateria ou até a mudar de smartphones.
A investigação desencadeada em 2018 teve o seu epílogo em 2019.
A Apple, que na Europa persistia em conceder um ano só de garantia aos seus equipamentos e menos do que isso às baterias, à revelia das Directivas europeias, que a situam nos 2 anos, tanto para os aparelhos como para os acessórios, não alertou, na vertente situação, os consumidores de que o sistema operacional adoptado deixaria os seus dispositivos mais lentos
CONSUMO SUSTENTÁVEL
Trata-se, em suma, de um estilo de vida ligado ao
- comportamento de cada um dos consumidores, destinatários dos produtos e
- um modo de eliminação de resíduos.
Os consumidores têm papel fundamental na protecção do ambiente se trajarem pelo figurino do consumidor sustentável.
Para tanto, cumpre observar um sem-número de atitudes capazes de fazer toda a diferença.
Nós elaborámos um decálogo, assistido por ditados populares, dirigido aos mais jovens, mas que aproveitam, de todo, aos consumidores já feitos:
1. Planeia as tuas compras: “quem vai para o mar avia-se em terra”
2. Evita produtos com excesso de embalagens: “o que é demais fede que tresanda”
3. Evita produtos pirateados: “quem o alheio veste na praça o despe”
4. Consome o estritamente indispensável: “não tenhas mais olhos que barriga”
5. Avalia o impacto do que consomes: “em casa de ferreiro espeto de pau?”
6. Separa os resíduos: “caem as rosas ficam os espinhos”?
7. Crédito só com parcimónia: “quem não tem dinheiro não tem vícios” (“só se empresta um cabrito a quem tem um boi”)
8. Avalia o desempenho do que compras: “quem compra ruim pano compra duas vezes ao ano”
9. Sê arauto do consumo consciente: “água mole em pedra dura tanto dá até que fura”
10. Contribui para a melhoria dos produtos: “a qualidade é função da exigência do consumidor”
Se os jovens forem educados nestas máximas, decerto que as coordenadas do nosso viver se alterarão.
O que esperar das transformações que microorganismos coroados imporão ao mundo e a cada um e a todos?
A natureza é sábia!
Mário Frota
apDC – DIREITO DO CONSUMO - Coimbra
segunda-feira, 30 de março de 2020
Voltar ao local do crime do copianço
Julgo que nem por sombras passou pela cabeça de Alice Vieira pôr em causa
os benefícios que os computadores podem trazer se utilizados de forma pedagógica
e honesta, embora, por ter razões para duvidar obedecer o seu uso escolar a estes dois princípios, tenha escrito, em contundente análise crítica ("Jornal de Notícias", 03/02/2008):
“Hoje em dia são os professores que ensinam os alunos a copiar. Hoje em dia a cópia está institucionalizada. Está a fazer-se uma revolução silenciosa. Hoje em dia os alunos nem entendem que possa ser de outra maneira. Chamem-lhe o que quiserem ‘descarregar’, ‘fazer ‘download’’ o que quiserem, nunca deixará de ser uma cópia”. (…) “’Fac-similes’ grosseiros porque grosseiros são os erros que contêm. Pior do que isso reside na ignorância desses professores aceitarem essas cópias como se tratassem de trabalhos originais em que cada aluno pusesse neles uma parte de si e da sua forma de interpretar os textos que leu na Net.” Fazer download”, e assinar por baixo como sendo obra original é, sem rodeios, pura vigarice e um atentado à cultura dos professores que as sancionam”.Talvez este “status quo” explique a facilidade da obtenção de certos doutoramentos que assumem a forma do jogo do gato e do rato, apesar dos actuais detectores de plágio, em que o doutorando foge à alçada do Código Penal e da vergonha pública em ser descoberto.
Não é o caso de Eça, Camões, Gabriel d’Annunzio, entre outros gigantes da Literatura, sobre quem recaiu o opróbrio de se terem inspirado noutros autores para escreverem as suas notabilíssimas obras. Não foram eles copiadores! Foram eles homens de génio que produziram textos com características bem pessoais e, por isso, isentos da infâmia do crime de plágio. A inspiração em obras de outros autores não pode ser tida como plágio: “O homem de génio tem o direito de se apropriar das imagens e das ideias alheias e lhes dar colorido, harmonia, sedução, vida, que as farão imortais” (Afrânio Peixoto).
Ou seja, “o plágio não é atributo negativo apenas da era dos computadores”, ou seja aquilo que Adolfo Toffler tem como “A Terceira Vaga”, que se seguiu à Revolução Industrial. Esta revolução, tão criticada por certos autores, trouxe os seus malefícios e os seus benefícios. Sopesando uns e outros será desonesto assumir o maniqueísmo em defesa de uns e exclusão de outros. A era da informática está recheada de promissoras novidades no âmbito da Cultura dos adultos e da formação dos jovens escolares. Seria lícito, por exemplo, eu ter transcrito o texto de Alice Vieira, sem aspas e sem indicar a sua autora?
Pelo valor que reconheço à sua autora seria uma tentação alguém apresentá-lo como obra sua punível com uma pena até três nos de prisão com a atenuante possível de ter sido uma das vítimas de professores, citando e fazendo fé em Alice Vieira, "que ensinam os alunos a copiar".
É isto que está em discussão. Fugir disto é fugir ao cerne da questão.
Do Uganda para o Uganda e para o mundo
Muito bonito, muito didáctico. Numa situação trágica, como esta que vivemos, é reconfortante saber que há pessoas que estão a fazer, por sua livre vontade e bondade, o que podem pelos outros. É o caso de Bobi Wine e Nublian Li, cantores.
domingo, 29 de março de 2020
"Quarentena bem passada... Ou, pelo menos, um bocadinho melhor".
Neste momento de ameaça global à vida humana, que não pode deixar de ser marcado pela desorientação, a que se aliam vários modos de tristeza e medo, persistem as marcas do "espectáculo" e do "fazer-por-fazer", que temos conferido à sociedade.
Sinais de perplexidade face à nossa fragilidade (e à fragilidade do planeta), de preocupação pelo presente e, sobretudo, pelo futuro, convivem com sinais de uma ligeireza, materializada no "fazer alguma coisa para mostrar na rede": o que se faz tem valor se aí aparece; não tem valor se fica entre nós e com os que nos são próximos. Nas mensagens destinadas aos mais novos, são estes últimos sinais que parecem prevalecer.
No caso de Portugal, vemos como o Ministério da Educação amplia, tais sinais, nomeadamente, com o "movimento nacional de motivação": Uma foto. Uma rede social. Uma hashtag, que tem tido algum acolhimento por parte das famílias (aqui).
No caso de Portugal, vemos como o Ministério da Educação amplia, tais sinais, nomeadamente, com o "movimento nacional de motivação": Uma foto. Uma rede social. Uma hashtag, que tem tido algum acolhimento por parte das famílias (aqui).
Mas estamos longe de ficar por aqui: outras propostas são feitas aos miúdos para "partilharem na rede".
Por exemplo, há um jornal que promove certa actividade com o título: "Quarentena ilustrada é quarentena bem passada". A ideia é que mostrem, através de desenhos, "como se vive dentro de quatro paredes", melhor, como se vive na sua casa, no seu espaço privado.
Além do evidente (e fácil) convite à publicitação do privado (outros temas poderiam ser sugeridos para ilustrar a quarentena) há uma pergunta óbvia: como pode uma quarentena (e pelas razões que se sabe) ser bem passada?! E como é possível que adultos (ainda que por razões simpáticas ou mera desatenção) sugeriram que isso é possível àqueles que, sendo crianças, estão a construir a sua estrutura ética e moral?
Quem apresenta a proposta, manifestamente centrada no mundo do "eu", terá tido um vislumbre no momento de rematar o texto, pois termina-o atenuando: "... bem passada. Ou, pelo menos, um bocadinho melhor".
Por exemplo, há um jornal que promove certa actividade com o título: "Quarentena ilustrada é quarentena bem passada". A ideia é que mostrem, através de desenhos, "como se vive dentro de quatro paredes", melhor, como se vive na sua casa, no seu espaço privado.
Além do evidente (e fácil) convite à publicitação do privado (outros temas poderiam ser sugeridos para ilustrar a quarentena) há uma pergunta óbvia: como pode uma quarentena (e pelas razões que se sabe) ser bem passada?! E como é possível que adultos (ainda que por razões simpáticas ou mera desatenção) sugeriram que isso é possível àqueles que, sendo crianças, estão a construir a sua estrutura ética e moral?
Quem apresenta a proposta, manifestamente centrada no mundo do "eu", terá tido um vislumbre no momento de rematar o texto, pois termina-o atenuando: "... bem passada. Ou, pelo menos, um bocadinho melhor".
“Oxalá o vírus nos faça sair da caverna, da obscuridade e das sombras”
Numa entrevista ao jornal El País aqui, neste dia 29 de Março de 2020, o filósofo espanhol Emilio Lledó fala dos ensinamentos que se podem extrair desta crise, e refere-se ainda ao estado em que se encontra a educação, a cultura e o conhecimento
Quando lhe perguntam como está a viver tudo isto, responde:
“Não me aborreço porque tenho a companhia dos meus livros e leio. Dialogar com os clássicos é sempre uma maravilha... isso reconforta-me muito no meio deste caos que não consigo compreender.”
E refere com quem dialoga nestes dias:
“Com Homero, estou a reler a Odisseia em grego. E Misericórdia, de Pérez Galdós. De quando em quando pego em Quixote, abro uma página e leio. ...”
Quanto à experiência a retirar desta crise, responde:
“A esperança é que nos reinventemos para melhor, que nos tornemos mais maduros como sociedade. Ainda que não queira dizer que sejamos melhores, não gosto de ser moralista. Prefiro dizer, simplesmente, que sejamos algo mais, que depois desta crise do vírus tentemos reflectir com uma nova luz, como se estivéssemos saindo da caverna de que falava o mito de Platão, na qual os homens permanecem prisioneiros da obscuridade e das sombras. Gostaria que fosse assim, mas preocupa-me que isto sirva, pelo contrário, para ocultar outras pandemias gravíssimas, as pragas com a deterioração da educação, da cultura e do conhecimento.”
Quanto à urgência de cuidar do público afirma:
“Mais do que nunca é fundamental. O esforço que estão a fazer os hospitais é um exemplo. Na Política de Aristóteles já se dizia que a cidade, a pólis na antiga Grécia, tem que ter como único fim o bem comum. Isso acontece com a saúde e com a educação, que, do meu ponto de vista, tem que ser a mesma para todos, e não deve estar marcada por classes económicas. É preciso cultivar a inteligência crítica... o cidadão deve ser capaz de colocar as perguntas próprias de uma mente livre...
Que tudo isto propicie um novo encontro com os outros na pólis, na vida em comum.”
Conselhos de santos e pecadores para um momento difícil
Há um certo humor que nos ajuda em momentos difíceis. Eis um apontamento que um amigo católico convicto me enviou, assinado por Robert Mickens (Vaticano).
Permitam-me dar-vos alguns conselhos que me foram transmitidos, oriundos de alguns santos e também de alguns pecadores notáveis.
- "Mantenham a calma e não percam a cabeça" (S. João Baptista)
- "Isto não é o Apocalipse!" (S. João, Evangelista)
- "Lavem as mãos" (Pôncio Pilatus)
- "Evitem cumprimentar uma pessoa com abraços e beijos" (Judas)
- "Não toquem nos olhos, nariz, boca ou qualquer ferida aberta" (S.Tomé, Apóstolo)
- "Cachorros e outros animais não espalham a doença" (S. Francisco de Assis)
- "Evitem ir para o Oriente " (S. Francisco Xavier) ou para Itália (Sto António de Lisboa)
E não esqueçam, se alguém tentar forçosamente apertar-vos a mão, chamem o Papa Francisco!
sábado, 28 de março de 2020
"Temos de potenciar todos os nossos recursos éticos e morais para enfrentar o futuro"
"A sociedade vai mudar radicalmente depois desta crise”, haverá um "antes e um depois", disse Adela Cortina, professora de Ética da Universidade de Valência, nome de referência na área da educação, sobretudo dos valores de cidadania, numa entrevista publicada no jornal La Vanguardia, no dia 25 deste mês (aqui):
Recorte da fotografia de A. Cortina feita por Emilia Gutiérrez |
"Temos de potenciar todos os nossos recursos éticos e morais para enfrentar o futuro, caso contrário haverá muitas pessoas a sofrer e isso não está certo".
"É preciso perspectivar o futuro e decidir o que queremos: se uma sociedade unida, na qual todos trabalhem juntos, ou uma marcada pela separação e ir "um contra o outro". "Se escolhermos o conflito, a polarização e a desintegração, todos sofrerão, em primeiro lugar os mais vulneráveis, mas também os mais poderosos".
"Se percebermos que o importante é estarmos unidos porque as pessoas merecem e porque temos de trabalhar juntos, faremos muito melhor... mas isso depende do que decidirmos em termos de solidariedade e justiça.
O problema é que só nos lembramos destas "grandes questões em tempos de grandes ameaças, grandes catástrofes ou grandes guerras". Não precisamos de esperar por uma "desgraça completa" para perceber que a humanidade pode escolher: "temos de cultivar bons costumes, aspirações e hábitos, grandes ideais em todos os momentos, não apenas quando uma catástrofe aterrorizante aparece".
Diz-se sempre que as crises devem ser aproveitadas como oportunidades de mudança, mas "não aprendemos nada" com a última crise económica: "vejo (na cidadania e na política) as mesmas atitudes de antes, de resolver no imediato: ora, é preciso construir o futuro mais distante.
A ESCOLA TRADICIONAL TRANSFERIDA PARA O DOMÍCILIO DO APRENDENTE:
"Eu testo (a Net), mas não uso no dia-a-dia.
Mais importante, os meus filhos não usam.
Eles são bons rapazes".
Steve Balmar, presidente da Microsoft
Steve Balmar, presidente da Microsoft
Um artigo da escritora Alice Vieira - “Copiar não vale” (“Jornal de Notícias” (03/Fevereiro/ 2008) – justifica o facto de voltar ao papel dos computadores na educação dos jovens escolares, abordado por mim neste blogue, em 15 de Setembro do ano passado, através do "post" com o título “A entrega de computadores na escola”.
Despertou o seu conteúdo mais de três dezenas de polémicos comentários pela minha chamada de atenção para uma gigantesca campanha política de “marketing” por parte da ministra da Educação, ao tempo, que anunciou, “urbi et orbi”, o interesse desta discutível medida, aquando da abertura do ano lectivo na Escola Secundária Francisco da Holanda, em Guimarães.
Detenhamo-nos, agora, na leitura de substanciais excertos do texto do jornal em que Alice Vieira começa por dizer que “antigamente, muito antigamente, copiar era coisa muito feia”. E prossegue esta conhecida escritora:
“Hoje em dia são os professores que ensinam os alunos a copiar, que os incentivam a copiar. Hoje em dia a cópia está institucionalizada. Está a fazer-se uma revolução silenciosa. Hoje em dia os alunos nem entendem que possa ser doutra maneira. Chamem-lhe o que quiserem ‘descarregar’, ‘fazer download’, o que quiserem: nunca deixará de ser uma cópia. Eu chego a uma escola e ouço ‘Os alunos fizeram muitos trabalhos a seu respeito’. E encontro 50, 100, 200 trabalhos rigorosamente iguais, iguais, por sua vez, aos que já tinha encontrado na escola anterior, e na outra, e na outra, com os mesmos erros (nem a Wikipedia nem o Google são infalíveis), com as mesmas desactualizações, com palavras difíceis de que nenhum deles sabe sequer o significado, etc. Os meninos são ensinados a mexer num computador, a carregar nos botõezinhos necessários para que o texto apareça – mas depois ninguém lhes ensina que isso não basta, e que trabalhar e pesquisar não é isso. Isso é, pura e simplesmente, copiar. E como se dizia no meu tempo, copiar não vale, etc. etc."Desta forma, Alice Vieira alerta-nos para o perigo de tornar os jovens escolares presa fácil da tentação de copiar. Longe de mim atrever-me a dizer, ou apenas a deixar subentendido, que o plágio é atributo negativo apenas da era dos computadores. Noutros contextos, seria a exigência utópica de uma sociedade perfeita onde se não aproveitassem todas as oportunidades para infringir as regras ditadas pela aceitação ética e tácita do que é correcto ou não. Os testes com cruzinhas de escolha múltipla facilitam, também eles, o copianço, tornando-o mais difícil nas respostas de desenvolvimento e mais difícil, ainda, quando é permitida a consulta de manuais por as respostas às questões equacionadas exigirem a pesquisa rápida de várias temáticas dispersas em páginas de difícil acesso para quem não estiver bem senhor da matéria.
O nosso compatriota Ricardo Reis, professor da universidade americana de Princeton, num artigo publicado no “Diário Económico” (3/Abril/2007), com o sugestivo título “Copianço”, descreve, bem a propósito, o que se passa na sua universidade:
“Em Princeton, o professor é obrigado a deixar os alunos sozinhos na sala durante o exame. Vigiá-los seria uma falta de confiança, até porque todos assinam no topo da folha de resposta uma jura de que se vão comportar de uma forma honrada. Mas se alguém é apanhado a copiar (ou porque foi denunciado por um colega ou porque as respostas o tornam óbvio) então a punição é muito severa: pelo menos suspensão por um ano e talvez expulsão”.No caso português, ocorre-me a história picaresca daquele aluno cábula até mais não que se dirige ao professor, que lhe atribuiu zero num determinado teste, para lhe pedir satisfações de não ter tido a mesma classificação atribuída ao melhor aluno da turma que tinha as repostas iguais às suas. Ao que o dito professor respondeu que o zero se devia a um evidente copianço seu que se detectava à légua. De imediato, o cábula contra-argumenta que a acusação pela sua gravidade carecia de uma prova cabal que a justificasse. É muito simples, responde-lhe o docente:
“À pergunta número tal, o seu colega respondeu ‘não sei’. E o senhor: ‘eu também não’!”Bem se pode dizer que o copianço é uma forma de corrupção estudantil bem enraizada na tradição nacional e que se pode tornar em semente germinativa de casos bem mais graves na idade adulta. Durante este ano, decorrem as comemorações do 400.º aniversário do nascimento do Padre António Vieira. Em seus “Sermões”, este gigante da literatura portuguesa e acérrimo defensor dos bons costumes não podia deixar de criticar um fenómeno social intemporal:
“Chegou a corrupção dos costumes a tal estado que os poderosos têm ódio a quem repreende suas injustiças”.Séculos passaram de então para cá, mas os maus costumes mantêm-se. E assumiram forma bem mais subtil, até!”
Seja como for, o ensino “robotizado”
não substitui o ensino tradicional de forma nenhuma. Ambos têm virtudes e
defeitos, há que expurgar os defeitos como seara seca e defender a virtudes
como campo verdejante. Como diziam os latinos “in medio virtus”. De uma
coisa me afirmo convicto: nada pode substituir um ensino presencial com o seu
aspecto de empatia professor/aluno e convivência entre alunos!
sexta-feira, 27 de março de 2020
"O espelho mais cristalino dessa pandemia é o campo da educação"
Num artigo de opinião, saído no jornal Público de dia 22 de Março com o título Uma nova ordem mundial: educação ideias e sociedade, António Carlos Cortez, professor e poeta português, apresenta argumentos que, tal como a entrevista de Nuccio Ordine, contribuem para reflectir sobre algumas ideias acerca da educação escolar defendidas num artigo de opinião a que antes aludimos: A oportunidade de ouro para criar as escolas do século XXI (ver também aqui). Diz Cortez:
Isaltina Martins e Maria Helena Damião
Reféns da economia computacional, maná do sistema global, assente nas redes sociais e na alienação da internet, diz-nos Bruno Patino num livro urgente (A Civilização do Peixe Vermelho, Gradiva, 2019) que é esse um dos sintomas mais evidentes da doença que (…) nos afecta. “A economia da atenção vai paulatinamente destruindo todas as nossas referências. [...] A perturbação da informação, as ‘notícias falsas’, a histerização do discurso público e a suspeição generalizada [espelham] o colapso da informação [...], a consequência primordial do regime económico escolhido pelos gigantes da Internet. O mercado da atenção forja a sociedade de todas as fadigas, informativas, democráticas. Faz com que se apaguem as luzes filosóficas em benefício dos sinais digitais” (p.15).
Julgo que é esta última imagem – a do apagar das Luzes em benefício dos sinais digitais – um dos pontos-chave neste tempo de clausura. De facto, este novo vírus (…) é uma terrível metáfora para este período em que vivemos (…).
Lucidez e coragem exigem-se, mais do que nunca.
Explorou-se até ao limite o que a Terra tem para dar e nas relações humanas, (…) ao nível do sistema educativo mundial, cai pela base a concepção de um ensino centrado na formação para o mercado de trabalho. Ao encerramento das escolas e universidades seria bom que se seguisse a sua reabertura, mas agora com currículos mais verdadeiramente pedagógicos: Música e Literatura, Artes e Direito, História das Mentalidades e Filosofia, e não a formatação de gerações inteiras (…) no rolo compressor de uma mentalidade gestora e de economistas que têm como única meta a exploração absoluta de tudo e de todos (…)
A covid-19 pode ser uma oportunidade para mudar. Mas, se insistirmos no mesmo paradigma, falharemos. Mais do que nos fazer reféns do teletrabalho, este tempo deve fazer-nos repensar a forma como todos nos estamos a relacionar desde que a Internet se tornou viral (as palavras não são vazias de sentido). No amor, nas relações profissionais, não estará doente a humanidade? (…)
Se é certo que, nesta fase, se impõe o dever de recolhimento doméstico, não sei se poderemos aceitar a domesticação pelo tele-trabalho (…).
O espelho mais cristalino dessa pandemia é o campo da educação dos mais novos, hoje autêntico rebanho de gente com uma mesma concepção de mundo. Mergulhados nos seus ecrãs, fechados para o mundo das ideias. Crê-se que, à custa desta quarentena de meses, a saída será o admirável mundo novo das tecnologias.
Mas não se compreende que o tempo da globalização veloz acabou? Que o hu-mano está a exigir um ritmo mais consentâneo com a sua humanidade, frágil e mortal? Acredito que a escola será das primeiras instituições a dar coordenadas novas no pós-coronavírus (…). É que a simples ideia de colocar milhares de alunos e professores numa espécie de ensino em rede, transformando o professor em mero tutor ou administrador de conteúdos, isso fere de morte aquele espírito das Luzes que, mais do que nunca, deveremos resgatar do olvido.
Ao coronavírus não queiramos acrescentar novas estirpes do vírus da alienação de que os sistemas educativos mundiais, visando o mercado de trabalho, criaram. Amestrar as nossas crianças e jovens – sem memória, sem linguagem, sem armas para combater com o pensamento livre esta fase nova da História – a pretexto do novo maná que seria um sistema de educação em rede, traduzir-se-ia (traduzir-se-á?) no apagamento definitivo de velha Europa.
Em nome de um ideal de sociedade mais fraterna, as políticas de ensino ancoradas na subserviência, no medo, no resultadismo mais nefando têm de ter um fim (…) queremos ser Europa da cultura letrada, da solidariedade, da democracia, fruto das Luzes. Substituir pelos sinais digitais os livros, as aulas por sessões em rede a isso nos obriga a covid-19: a mudar as mentalidades – não só a uma alteração de políticas."
Inverter a seta do tempo nem sempre é possível
Press release que recebi:
A maioria das
leis fundamentais da física não tem problemas com a direção em que elas ocorrem.
Elas são, como os cientistas gostam de dizer, simétricas no tempo. No entanto,
todos sabemos que o tempo não pode voltar para trás. Um copo que cai e se parte
não pode voltar inteiro para a nossa mão. Até agora, os cientistas explicaram a
quebra de simetria no tempo devido à interação estatística entre um grande
número de partículas. Agora, três astrónomos mostraram que não são precisas
muitas partículas, mas apenas três são suficientes para quebrar a simetria no
tempo.
Tjarda
Boekholt (Universidade de Coimbra, Portugal), Simon Portegies Zwart
(Universidade de Leiden, Países-Baixos) e Mauri Valtonen (Universidade de
Turku, Finlândia) calcularam as órbitas de três buracos negros que interagem
entre si. Fizeram dois tipos de simulações. Na primeira simulação, os buracos
negros estão inicialmente em repouso. Devido à gravidade, eles atraem-se
mutuamente e cruzam-se percorrendo órbitas caóticas, até que um dos buracos
negros escapa à atração dos outros dois. Na segunda simulação, o sistema começa
com a situação final da simulação anterior, e tenta reverter o tempo de volta à
situação inicial.
As simulações
mostram que o tempo não pode ser revertido em 5% das simulações. Mesmo que o
computador use mais de cem casas decimais, a simetria do tempo é interrompida
pelo crescimento exponencial de perturbações do tamanho do comprimento de
Planck, que é cerca de 10-35 metros. Estes 5% não são, por isso, uma
questão de melhores computadores ou métodos de cálculo mais inteligentes, como
se pensava anteriormente.
Os
investigadores explicam a irreversibilidade usando o conceito de comprimento de
Planck. Este é um princípio conhecido na física que se aplica a fenómenos ao
nível do átomo. O investigador principal, Tjarda Boekholt, diz que "O
movimento dos três buracos negros pode ser tão caótico que algo tão pequeno
quanto o comprimento de Planck entra em ação. A simetria do tempo é quebrada
por distúrbios do tamanho do comprimento de Planck".
O co-autor
Portegies Zwart acrescenta: "Não poder voltar para trás no tempo deixa de
ser um argumento estatístico. Este fenómeno está oculto nas leis básicas da Natureza.
Nenhum sistema de três objetos em movimento, grandes ou pequenos, planetas ou
buracos negros, pode escapar à direção do tempo."
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Mais informação:
Contactos:
Dr. Tjarda Boekholt (CFisUC, Dep. Física, Universidade
de Coimbra, Portugal)
+351 964143739
Artigo científico:
'Gargantuan chaotic gravitational three-body
systems and their irreversibility to the Planck length'. By: T.C.N. Boekholt,
S.F. Portegies Zwart, M. Valtonen. In: Monthly Notices of the Royal Astronomical
Society, Volume 493, Issue 3, April 2020, Pages 3932–3937, https://doi.org/10.1093/mnras/staa452 (original)
ESTÁ A SAIR "COSMOS - MUNDOS POSSÍVEIS" DE ANN DRUYAN
Já li o livro (fui revisor científico) e fiz um depoimento em vídeo, no confinamento doméstico:
https://www.gradiva.pt/catalogo/47629/cosmos:-mundos-possiveis
Sai no dia 31/3. Está já à venda na loja on-line da Gradiva, na FNAC, wook, etc. Boa leitura!
quinta-feira, 26 de março de 2020
A polémica sobre os computadores nas escolas
Breve introdução: Numa altura de
ondas alterosas da actual pandemia virótica, assiste-se a pessoas a surfar em
ondas alterosas para chegarem à praia de um ensino não presencial justificável em tempos de crise de contágio pelo coronavírus. O meu receio reside em que, descida a ponte levadiça da crise, venham elas a tentar aproveitarem-se desta situação anómala. A bem do ensino, farei tudo que
estiver ao meu alcance, habituado que estou a pugnas desportivas, para que esta
discussão decorra com “fair-play” e elevado espírito crítico que alunos, pais e possíveis
leitores merecem.
“Alea jacta est”,
transcrevo este meu post publicado neste blogue, com o título em epígrafe (21/10/2008),
que transcrevo: A polémica sobre o “Magalhães” está longe de ter
chegado ao fim. Todos os dias são publicados estudos sobre a utilização dos
computadores na escola. No meu último post, “Magalhães e obesidade” debrucei-me,
apenas, sobre o uso desta tecnologia em crianças do 1.º ciclo do ensino básico
(antiga instrução primária), tendo apresentado estudos nacionais e estrangeiros
que suportam os seus malefícios no desencadear e agravamento da obesidade.
Numa notícia da Agência Lusa, de 17 de
Outubro deste ano, foi divulgado um estudo que envolveu mais de 500 crianças e
encarregados de educação de escolas da Grande Lisboa, apresentado na “II
Conferência Anual da Entidade Reguladora Para a Comunicação Social”, decorrida
em Lisboa. Segundo ele: “11,1% dos
jovens inquiridos confessaram que usam a Internet para visitar sites pornográficos”. Entretanto, também aí é acrescentado que “84,1% dos pais acredita que os filhos o fazem para procurar
informação”.Os resultados deste estudo são reforçados por um
outro, revelado em Setembro deste ano, e intitulado “Projecto Kids Online”, que
informa que “Portugal, é a par da Polónia,
o único em 21 países europeus onde os pais portugueses menos conhecem o que os
seus filhos fazem on-line”.
Num dos comentários ao meu texto, foi levantada a seguinte questão: “Estou a perder dotes de ortografia com os correctores automáticos (…)”. Pelo seu interesse, mereceu-me a seguinte resposta:
”Falemos, então, do corrector
de texto. Numa perspectiva hedonística de ensino tem vantagem evidente sobre os
maçadores ditados do meu tempo de escola primária. Mas como é hábito dizer-se,
o que arde cura. Fazendo a transferência para a aprendizagem quando ela é feita
com esforço perdura; o que se aprende facilmente entra por um ouvido e sai pelo
outro”.
Neste mesmo blogue perspectivei outras
questões, de natureza cognitiva, num post intitulado “A entrega de portáteis
nas escolas”. Nessa altura, não se tratava da “oferta” de “Magalhães” a alunos
1.º ciclo do ensino básico, mas de computadores mais sofisticados a estudantes
do ensino secundário a preço de saldo e com idêntica pompa e circunstância da
presença do “staff” governamental. Sobre o perigo do uso dos computadores,
escrevi o seguinte: “Pesquisar na
Net pode ser uma arma de dois gumes: pode pesquisar-se o que se deve e o que
não se deve, pondo nas mãos dos jovens essa triagem e essa responsabilidade num
período da vida escolar deveras perigoso porque marca a transição de um ensino
básico permissivo para um ensino secundário que se tem sabido manter firme no
seu exigente papel de antecâmara do ensino superior”.
Mas há mais. Assim, recordo o que escrevi sobre a
entrega de portáteis na escola: “As horas que
deviam ser dedicadas ao estudo correm o risco de se transformarem em ‘conversas
da treta, com os colegas”. Confirma-nos agora o último estudo: “Na utilização da Internet, as crianças respondem que o fazem para conversar
e ouvir música.
Penso que ambos, os estudos da Grande Lisboa e o do “Projecto Kids Online”, podem servir de tira-teimas à acalorada polémica sobre computadores no ensino, ainda que eu deduza que a procissão ainda vai no adro da igreja.”
Penso que ambos, os estudos da Grande Lisboa e o do “Projecto Kids Online”, podem servir de tira-teimas à acalorada polémica sobre computadores no ensino, ainda que eu deduza que a procissão ainda vai no adro da igreja.”
Confirma-se, assim, que ainda há-de correr muita água debaixo da ponte até que se chegue a um consenso
acerca desta matéria que deve ser discutida na paz do Senhor, nunca em época em
que o ensino se tem de adaptar ao indesmentível facto de as vidas humanas
estarem em grande perigo, quer sejam letradas, assim-assim ou iletradas.
Como
aprendi, em meus tempos de serviço militar, não se limpam armas em tempo de guerra. Agora a guerra é contra um inimigo
que se chama pandemia e que ceifa vidas sem arvorar a bandeira branca da
rendição.
"A verdadeira lição é a que acontece nas salas de aula"
O professor e escritor italiano Nuccio Ordine deu uma entrevista ao jornal El País, publicada ontem com o título La política neoliberal ha descuidado los pilares de la dignidad humana. Eis algumas passagens que respondem a um ou dois aspectos críticos dos muitos suscitados pelo artigo A oportunidade de ouro para criar as escolas do século XXI
Isaltina Martins e Maria Helena Damião
Como George Steiner, considera que “um ensino de má qualidade é quase literalmente um assassinato” e que vê isso a chegar?
Estou de acordo com o meu querido amigo. Não duvido que a actual crise, que pôs o ensino à distancia ao serviço dos professores, desperta tentações cuja concretização desvalorizaria o espírito da educação. Além disso, não temos professores suficientes, não há financiamento suficiente, não se presta atenção à escola. O neoliberalismo olhou para outro lado quando teve de lidar com o pilares da dignidade.
A economia manda mais que a vida, inclusive nesta crise?
Há sinais evidentes nesse sentido. Existe um conflito entre as razões económicas e as razões da vida. O discurso de Boris Johnson, primeiro ministro inglês, é horrível. Começou por dizer que o vírus causaria muitas mortes mas no final a população ficaria imunizada ... Uma selecção natural darwiniana! Os fracos morrem e os fortes sobrevivem! A ideia de Johnson era a de imunidade do rebanho, contestada pela ciência. Uma selecção da raça. Como o nazismo (…)
Insisto nesta ideia: o coronavírus desmascara os limites do neoliberalismo, está a mostrar-nos as suas contradições. Johnson não queria agir porque não queria desacelerar a economia. Na lógica neoliberal, a economia vale mais que a vida humana. Em 1968, John F. Kennedy proferiu um discurso no qual disse: “O PIB, infelizmente, não mede as coisas mais importantes da vida. Não inclui a beleza de nossa poesia, a inteligência do nosso debate público, a integridade dos nossos funcionários”. Um excesso de economia faz-nos perder o sentido da vida.
Há tendência para dizer que sairemos melhores desta crise.
Quem sabe. Se queremos dar a volta e valorizar o que aprendemos, não devemos esquecer os males que atingiram a humanidade no passado. A luta é entre memória e esquecimento. E para isso, a literatura nos serve, tem uma função profética e ensina-nos sobre o passado. Lemos em Boccaccio, Saramago e Camus sobre as epidemias. Ao lê-los, entende-se o medo, a solidão, o desamparo diante de um inimigo invisível, o tema do bode expiatório, o sofrimento, a perda de liberdade, a cidade fantasma ...
Esta é a guerra da sua geração e da dos mais jovens. Sente uma maior responsabilidade como cidadão?
Sinto-a como professor. Quando as escolas e as universidades estão fechadas, quando a relação com os alunos se desmorona não temos escolha a não ser usar os meios, as aulas à distância, para manter viva a relação com os nossos estudantes. Mas vislumbro um perigo: devemos estar presentes e lutar, fazer ouvir a nossa voz. Alguns reitores de universidades estão a dizer que esta não é a crise, mas o futuro da educação. A verdadeira lição é a que acontece nas salas de aula, a experiência humana que temos: professores e alunos, em conjunto. Um computador nunca mudará a vida de um aluno, mas a palavra de um professor pode mudar a vida de um miúdo.
Ainda assim, havemos de cantar depois dos tempos obscuros, como dizia Bertolt Brecht?
Só a fraternidade universal, a consciência da solidariedade humana, será capaz de melhorar a sociedade, resolver a injustiça e a desigualdade. Se somos indiferentes ou egoístas, se não somos solidários e generosos com os outros, não podemos viver num mundo melhor, não podemos cantar alegremente. Esta é a minha visão do mundo... (...). Nesse clima de isolamento, estamos a descobrir a importância do outro na vida, que não somos ilhas isoladas.
A pandemia como "oportunidade de ouro" para entrarmos de uma vez por todas no paradigma educativo do século XXI
Quem diria que seria preciso uma pandemia como esta que estamos a passar e de que, por enquanto, não se vislumbra o fim, nem as reais consequências, para entrarmos de vez na educação do século XXI, do futuro? Esta pandemia torna-se, assim, "a oportunidade de ouro" para mudarmos de paradigma. Di-lo Diogo Simões Pereira, que se identifica como Director-geral da Associação EPIS – Empresários Pela Inclusão Social, num recente artigo do Público. Vale a pena ler algumas passagens desse artigo e ponderar nelas:
(...) Numa semana, os professores de todo o país tiveram a capacidade de alavancar os seus recursos e competências, para dar início a uma vaga de ensino remoto sem precedentes em Portugal.
Isto significa que, no “aftermath” desta crise, todos nós, como sociedade civil, mas em particular o Estado, temos obrigação de fazer o investimento necessário para consolidar e melhorar as boas práticas desenvolvidas: dotar as escolas das infra-estruturas tecnológicas e equipamentos necessários (...) e disponibilizar acesso de banda larga à internet a todos os colaboradores e alunos;formar e treinar em tecnologias de informação os professores do 1.º ciclo ao secundário, com incentivos que assegurem massa crítica para que a cultura de ensino com recurso ao digital se consolide, em vez de “voltar tudo ao mesmo";consolidar os conteúdos e “tools” digitais desenvolvidos, em parcerias amplas entre escolas, editoras, universidades e empresas (...);rever os curricula, à luz do “Perfil dos alunos à saída da escolaridade obrigatória”, apostando em novos modelos não formais e informais de aprendizagem e de capacitação, com a participação da sociedade civil e das empresas, possíveis neste paradigma digital; ajustar o estatuto da carreira docente e a organização das escolas para modelos mistos de ensino presencial e à distância, que facilitem a vida aos professores e aos alunos, sobretudo em zonas e situações em que, atualmente, têm de percorrer muitos quilómetros (...); não menos importante será garantir a inclusão digital e a igualdade de acesso dos alunos de famílias mais desfavorecidas, em particular no que diz respeito às infraestruturas e equipamentos disponíveis nas suas casas, eventualmente compensadas pelo apoio de salas geridas pelas juntas de freguesia (...).
Esta revolução digital na Educação deveria ser potenciada pelo Estado numa primeira fase, mas criaria todo um novo ecossistema de parceiros públicos e privados (...).
A crise da covid-19 criou a oportunidade de ouro para darmos o salto, finalmente, para uma Educação do século XXI. Devíamos todos começar a trabalhar neste projeto desde já, com a ajuda do Governo, mas também da União Europeia (...). Há recursos humanos disponíveis e talento suficiente no país para iniciarmos este caminho já. Mãos à obra!
quarta-feira, 25 de março de 2020
DA PNEUMÓNICA À PANDEMIA DOS NOSSOS DIAS
“Como a doença amplia as dimensões internas do homem!”
Charles Lamb (escritor, 1775-1834)
Somos personagens fugazes de uma Humanidade, passadas duas décadas do dealbar do início do 21.º século da era Cristã, preocupada com a pandemia do coronavírus e secularmente supersticiosa do seu fim com a explosão do Sol que astrónomos lhe anunciam para daqui a 4.500 milhões de anos!
É esse um dos calcanhares de Aquiles dos nossos dias: na ânsia de prever um futuro longínquo de quase uma eternidade, a sociedade atrasa-se no conhecimento do que lhe está mais próximo e lhe dá a própria existência - o Homem.
Mas, porque segundo Peter Medawar (Prémio Nobel, 1960), a Ciência não pode responder às questões últimas sobre o sentido da vida, a Religião que se perde na imensidade de tempos idos, a Filosofia helénica que atravessou a bruma dos séculos, a Biologia hodierna, apenas com dois séculos de vida, porfiam, desesperadamente, em dar resposta, “de per se” ou em conjunto, ao grande enigma do animal racional de Lineu (1707-1778) que geneticistas nos dizem hoje diferenciar-se de um simples rato por ter uns tantos de genes a mais, em contraste com o fervor religioso do literato Chateaubriand quando escreve, em 1802:
‘Se nos é permitido dizer, é, parece-nos, uma grande pena encontrar o Homem mamífero classificado, depois do sistema de Lineu, como os macacos, os morcegos e os pássaros’”.
Como reagiria Chateaubriand se no seu tempo fosse confrontado com o jornalista e poeta brasileiro Mário Quintana (1906-1994) e seu temor:
“O que me impressiona, à vista de um macaco, não é que ele tenha sido nosso passado; é o pressentimento de que ele venha a ser nosso futuro”!
É este o homem que se movimenta, ri e chora, que não pode continuar vitimado pelo dualismo cartesiano "res cogitans"/"res extensa". É este o homem, também, que filosofa, se emociona, faz exercício físico que lhe melhora a resposta imunológica a doenças e cujo córtex cerebral liberta endorfinas com finalidades de euforia para encarar o futuro sem as sombras sombrias de momentos de depressão. É este o homem, finalmente, que eu perspectivei e defendi na conferência que proferi, a convite do Professor Manuel Viegas Abreu, presidente da Comissão de Gestão o Núcleo de Orientação Escolar e Profissional da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação de Coimbra (15/01/1990), com o título “A unidade do homem através do acto motor”.
Debate-se a humanidade com a actual pandemia do coronavírus que já fez, de há dois anos para cá (dados de anteontem), mais de 15 mil mortos a nível mundial. Há cerca de um século foi o mundo assolado pela pandemia pneumónica, também chamada gripe espanhola (1918-1919), por ter sido transmitida em Portugal através das nossas fronteiras comuns com a Espanha, que matou 40 milhões (há dados que apontam para 60 milhões) de pessoas, mais do dobro da I Guerra Mundial com a duração de 4 anos, de entre elas dois dos três pastorinhos de Fátima: Jacinta e Francisco.
A propósito, transcrevo de Álvaro Sequeira (Medicina Interna, vol. 8, n.º 1, 2001):
A propósito, transcrevo de Álvaro Sequeira (Medicina Interna, vol. 8, n.º 1, 2001):
“Uma pandemia, cedo diagnosticada como gripe, escapando ao curso habitual desta entidade, aparece com uma forma extremamente maligna, matando em pouco meses, em todo o mundo, mais de quarenta milhões de pessoas, isto é, mais do dobro do que a própria guerra tinha feito em quatro anos, e um terço do que a peste em seis séculos! Os serviços de saúde, habituados na altura, a combater as grandes epidemias, particularmente as bacterianas, com quarentenas, isolamento dos contactos, extermínio dos animais portadores ou vectores, restrição à liberdade de movimento, etc., não tiveram capacidade para limitar a pandemia e só tardiamente tomaram medidas avulso que nada influíram sobre a evolução do processo, como possivelmente aconteceria hoje, se uma gripe com as características de 1918 voltasse a aparecer. Terminada a epidemia nos princípios de 1919, uma cortina de silêncio desceu sobre o acontecimento, e se não fosse o renascer dos novos medos (e dos novos vírus) e o avanço da tecnologia que permitiu estudar algumas das características do vírus da Influenza. A de 1918, provavelmente não se voltaria a falar de semelhante cataclismo.”
Felizmente, o avanço da moderna tecnologia veio confirmar este vaticínio final de Álvaro Sequeira, mas com pouco respaldo no tímido avanço científico da Virologia que pouco adiantou neste seu combate, sem tréguas, epidemiológico! As razões que nos tornam esperançosos que a actual pandemia não atinja as proporções dantescas da pneumónica residem nos ventiladores, nas máscaras, em medidas profiláticas de um melhor saneamento público e, julgo que essencialmente, nos conselhos profiláticos transmitidos às populações, de segundo a segundo, nos media áudio-visuais que espalham a sua mensagem, numa fracção de segundos, aos mais recônditos cantos dos países. Finalmente,"last but not least", para que a memória dos homens não se esvazie na ampulheta do tempo desta verdadeira catástrofe planetária, com origem na China, que nos sirva de lição este princípio milenar de Confúncio (551 a.C. - 479 a. C.) : “O passado não reconhece o seu lugar, está sempre presente!”
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