Artigo de opinião, no PÚBLICO de hoje, de Estrela Serrano, coordenadora de uma das unidades que integram o CIC.Digital, mais uma das unidades condenadas pela FCT.
Comecemos pelo princípio: a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) anunciou o presente exercício de avaliação de unidades de I&D como destinando-se a operar “uma reconfiguração do Sistema Científico e Tecnológico Nacional (SCTN) que vá ao encontro da visão estratégica das instituições e das equipas que as compõem” e encorajou “modelos de organização eficazes, que assegurem um aproveitamento racional dos recursos e das infra-estruturas e que reforcem a competitividade de Portugal no espaço europeu de investigação”. Para tal, acrescenta a FCT, “as unidades podem optar por manter a composição e organização actualmente existente ou reorganizar-se na configuração mais adequada à prossecução dos seus objectivos estratégicos. Esta reorganização também pode incluir a criação de novas unidades de investigação, a fusão ou a extinção de unidades existentes.”
Correspondendo a estes objectivos, quatro unidades de I&D da área das Ciências da Comunicação e da Informação (CCI), sediadas em algumas das mais prestigiadas universidades do país – Univ. Nova de Lisboa, Univ. de Aveiro, Univ. do Porto e Univ. Lusófona de Humanidades e Tecnologias – fundiram-se, dando origem a uma nova unidade que congrega a experiência de largos anos de parcerias e de trabalho em comum traduzidos em projectos de investigação competitivos, realização de congressos científicos, publicações e formação avançada.
A nova unidade – o Centro de Investigação em Comunicação, Informação e Cultura Digital (CIC.Digital) – possui 117 investigadores integrados, 58 investigadores colaboradores e 140 estudantes de doutoramento. O seu projecto estratégico para o período 2015-2020 abrange as diversas subáreas do campo das Ciências da Comunicação e da Ciência da Informação.
O modelo de organização em pólos, a sua natureza interuniversitária e multi-regional, a complementaridade e as sinergias conseguidas, visíveis nos dados apresentados na candidatura, correspondem plenamente aos “objectivos científicos e tecnológicos, evitando redundâncias temáticas ou excessiva dispersão de meios e de recursos”, aspectos recomendados pela FCT no regulamento do concurso.
O CIC.Digital foi avaliado por três peritos da sua área científica que lhe atribuíram a classificação de 16-16-20. Porém, num segundo momento, um painel sem a presença de especialistas da área das Ciências da Comunicação e da Informação baixou a classificação dos peritos para 12, excluindo o CIC.Digital da passagem à 2.ª fase da avaliação. Os argumentos invocados para a eliminação revelam claro desconhecimento da área, além de vários preconceitos, por exemplo contra a importância da língua portuguesa e as parcerias com países lusófonos, contrariando a estratégia nacional de defesa do Português como “língua de Conhecimento”. Sem apresentar fundamentação científica para a descida drástica da primeira classificação atribuída pelos peritos da área, o painel refugia-se em argumentos subjectivos, invocando dúvidas sobre a capacidade de organização e gestão dos investigadores responsáveis, desprezando o facto de alguns deles gerirem há anos projectos estratégicos das suas unidades, financiados pela própria FCT.
De uma assentada, a FCT, por interposto painel de não-especialistas na área das CCI, anula e desacredita a avaliação dos peritos, eliminando do sistema científico e tecnológico nacional uma unidade que reúne as duas mais antigas, fundadoras em Portugal da investigação em CC: o Centro de Estudos da Comunicação e Linguagens (CECL-UNL) e o Centro de Investigação Media e Jornalismo (CIMJ-UNL), e as duas mais novas e de maior potencial inovador nas novas tecnologias e no digital: o Centro de Estudos das Tecnologias e Ciências da Comunicação (Cetac.Media), com pólos nas univ. do Porto e de Aveiro, e o Centro de Investigação em Comunicação Aplicada, Cultura e Novas Tecnologias (Cicant-ULHT). Acresce que uma delas, a Cetac.Media-UP, é a única no país em Ciência da Informação.
Se o objectivo da FCT é enfraquecer a investigação científica numa área cada vez mais presente na vida dos cidadãos e das instituições, essa opção deve ser clara e publicamente assumida. Como visão estratégica, não podia ser mais errada.
É certo que o processo de avaliação não terminou, mas o que se conhece da 1.ª fase aconselha vivamente a sua imediata revisão.
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