Minha entrevista hoje ao Diário de Notícias:
16-01-2014
Ciência é cultura e está presente no dia a dia. Este é o mote para a conferência 'Ciência, Cultura e Inovação', que a Fundação Francisco Manuel dos Santos promove dia 24, em parceria com a Universidade de Lisboa. Carlos Fiolhais, responsável do programa Ciência e Inovação da Fundação, antecipa a discussão já amanhã, numa conversa sobre o tema com jovens universitários que será transmitida em direto no 'site' do DN pelas 15.00h
"Reduzir o investimento na ciência é deitar fora a chave do futuro."
FILOMENA NAVES
DN- Ciência também é cultura. Os portugueses reconhecem hoje essa faceta da ciência?
CF- A ciência é parte da cultura humana. É o esforço coletivo e organizado, que usa um método baseado na razão, na observação e na experimentação para compreender e mundo. Quando dizemos que ciência é cultura, isso significa que tanto o essencial desse saber como o método para o alcançar são património da humanidade. Infelizmente, em Portugal isso não está suficientemente reconhecido. A cultura científica cresceu muito entre nós nos últimos anos, mas não o suficiente. A maioria dos portugueses ainda olha a ciência como algo distante. Essa é uma das razões do atraso nacional.
DN - Como se manifesta isso?
CF- Segundo um relatório da União Europeia (UE) de 2010 sobre a perceção da ciência pelos cidadãos, 35% dos portugueses não tinham qualquer interesse por descobertas ou invenções científico-tecnológicas, enquanto no Reino Unido esse número era de 17%. E só 3% dos portugueses se consideravam bem informados pelos media sobre assuntos de ciência e tecnologia. No Reino Unido eram 17%. E há sinais diários da indiferença de faixas da população para com a ciência.
DN- O que dá a ciência à cultura?
CF- A ciência é uma forma de humanismo. A divisão entre cultura científica e cultura literária ou artística é uma falsa questão. As duas sobrepõem-se em boa parte e, no resto, acrescentam-se uma à outra. A ciência acrescenta já que responde a questões que outras formas de cultura não podem, por não terem o método adequado. Questões que podem ser globais e relevantes como de que é feito o universo? Quando e como começou? O que é a vida? Como evoluiu a espécie humana? Como funciona o cérebro?
DN- Onde está hoje a marca da ciência nas nossas vidas?
CF- A revolução científica, a partir do século XVI, transformou a nossa vida tornando-nos mais sábios e mais ricos. O inglês Francis Bacon disse, nessa época, que "saber é poder", isto é, o nosso conhecimento da natureza dá-nos domínio sobre ela. Foi assim que a humanidade conseguiu níveis de bem-estar que nunca tinha tido antes. Um só exemplo: a longevidade humana. Bacon viveu 65 anos, o que já era muito na época, e morreu com um resfriado. Hoje vivemos mais: protegemo-nos melhor do frio e sabemos tratar doenças, como gripes e pneumonias.
DN- Em Portugal, em que ponto estamos, do ponto de vista da atividade científica?
CF- Portugal sempre teve ciência, embora nem sempre ela tenha sido aqui criada No século XX, os seus avanços passaram-nos um pouco ao lado. Só a partir da nossa entrada na União Europeia, em 1986, ela floresceu aqui como nos países mais desenvolvidos. Desde 1995, quando começou a haver Ministério da Ciência e Tecnologia, o investimento em investigação e desenvolvimento passou de 0,52% do PIB para 1,50% do PIB. Formámos numerosos cientistas, ativos em muitas áreas. Mas há dificuldades recentes. A percentagem do PIB para a ciência diminuiu desde 2010, apesar de estar bem abaixo da média da UE, que é de 2,1 %. Podem dizer que é a crise. Eu digo: é um erro político enorme a interrupção desse caminho para o desenvolvimento. Ao diminuir o investimento da ciência, ao recusar emprego a jovens cientistas muito bem preparados, estamos a deitar fora a chave do futuro.
DN- Quais são as consequências disso?
CF- Estão à vista. Diminuição das bolsas de investigação, dos projetos e dos equipamentos, alguns úteis na área da saúde. Só pode haver diminuição dos resultados. Ficamos cientificamente mais pobres, o que significa a médio prazo, cultural e socialmente mais pobres. As ciências sociais e humanas, em particular, levaram uma machadada, com a extinção da área da história da ciência pela Fundação para a Ciência e Tecnologia. Mas as tecnologias também são afetadas, apesar de serem imprescindíveis para alcançar o desenvolvimento que não temos. E os jovens mais capazes, em cuja preparação investimos, estão a sair, e vão enriquecer outros países.
DN- O que é preciso fazer, para inverter isso?
CF- É preciso assegurar emprego científico, nas escolas de ensino superior e nas empresas. Dois problemas estruturais do nosso sistema científico são a necessidade de maior interiorização da ciência pelo ensino superior e de maior absorção pelas empresas do espírito e método da ciência. É necessário injetar "sangue novo" no sistema científico. Dar futuro aos jovens é dar futuro a todos.
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