quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

Muito mais que um mero heroi...

Porquê ter um herói nacional poeta? Entre tanta pessoa relevante do ponto de vista militar, heróis que deram a vida pela nação, que tiveram feitos de importância global que são estudados na aulas de história dos outros países, porque carga de água aquele que "escolhemos" como o maior de todos nós é um poeta? Todos os outros países escolheram um político fundador, um militar vitorioso, um resistente mártir. Um poeta?
A verdade é que Camões teve que ser um herói escolhido de forma especial como todos os heróis nacionais são escolhidos. E foi escolhido para elevar Portugal na forma em que se poderia mostrar acima de todos os outros, não pela espada, mas pela caneta. Propaganda, sim, mas brilhante. Nunca ninguém vai tirar Camões do papel que tem, de tão brilhante foi a jogada de fazer Portugal diferente, pelo menos nisto.
Eusébio da Silva Ferreira é um acaso mais que feliz na história. Um ídolo nascido num bairro de barracas da África que se queria tornar independente, um herói de raça negra num país colonialista de brancos, conhecido em todo o mundo que interessa. Era melhor que se fosse inventado. Hoje, apesar de não existir o problema político de África, que melhor para elevar o estatuto de Portugal no mundo que festejar a vida de Eusébio? Uma pessoa nascida do outro lado do mundo de raça diferente da raça dominante é um herói nacional.
A reação dos políticos parece exagerada? Em quantos países europeus, ou do mundo, Eusébio seria endeusado desta forma? Em nenhum. E isso não é tanto mérito de Eusébio que sim, só jogou à bola, mas de todos nós por aceitarmos alguém diferente como um dos melhores de nós. As sentidas homenagens a Eusébio são do melhor que há para dizer sobre os portugueses. Mais que dizer que o seu melhor é um poeta. Portugal é o país que faz de um preto nascido moçambicano um herói! No mundo em que vivemos, faz de nós algo de muito especial. Festejemos então o que temos de melhor, em vez de, até isto, criticarmos.

39 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Está a diferençao ser estudado na aula de história o rastro memória e civilidade.

Nuno Barradas disse...

(escrito de um amigo, com o qual concordo)

O Eusébio foi parte da identidade cultural portuguesa do século XX. Isto porque o futebol faz parte dessa identidade cultural. O doseamento da importância do futebol para a história contemporânea portuguesa é importante, uns consideram importante o papel do futebol, outros nem por isso. Eusébio foi um ícone cultural para a população portuguesa entre os anos 60 e 80, do século passado. Onde prevalecia a alta taxa de alfabetização, prevalecia uma ditadura, Eusébio foi um ícone de um estado de liberdade que marcou profundamente a nossa história contemporânea. Despertou emoções, uniu um país em torno de um ideal, a pátria, o patriotismo de muitos portugueses media-se pela sua afinidade com a selecção, foi assim, é assim agora. Para mim, ser patriota não é ser um torcedor da selecção, é muito mais que isso. Infelizmente, hoje, o sentido de patriotismo está completamente desfigurado.

Infelizmente, ou não, para muitos portugueses, Eusébio foi mais importante que Fernando Pessoa. Até arrisco dizer que foi mais importante que Camões. Eusébio foi o ícone de uma geração pouco erudita, foi um ícone popular, principalmente por uma população que era alfabeta e agarrou-se ao futebol como um despertar de emoções, de sonhos. Para mim, indo ao cerne da questão, Eusébio no Panteão Nacional é premiar a mediocridade do povo português. É premiar um povo que se agarrou ao futebol por falta de conhecimento, por falta de iliteracia, um povo que um dia conquistou meio mundo, um povo que no passado era ambicioso, era conquistador, que hoje está resignado à sua condição de proletariado.

Com a entrada de Eusébio para o Panteão Nacional será banalizar e mediocrizar um local que devia honrar qualquer português, culto, elitista, ou analfabeto. Mas, como temos assistido, a maioria dos portugueses adapta-se bem à mediocridade, ao servilismo, por isso, não é de estranhar nada disso. Colocar Eusébio no Panteão Nacional é abrir um precedente perigoso, outros vão exigir a presença de tantas figuras, e o Panteão tornar-se-á um sitio banal.

Tudo isto trata-se de uma questão de aproveitamento, vão aproveitar a boleia do mediatismo do Eusébio para se promover, para ir juntando migalhas que serão importantes no futuro. E deixa-se levar por isso, quem anda a dormir ou quem anda muito desatento.

João Pires da Cruz disse...

Irrelevante. A geração que glorificou Eusébio era menos erudita que a que glorificou Afonso Henriques ou Camões? Esta parte não faz qualquer sentido. Depois, o Panteão, os funerais de estado, os desfiles fúnebres não servem para quem morreu, servem para quem ficou. Todos são aproveitamentos porque o morto, esse, não tira proveito nenhum. Vamos pensar um bocadinho, certo?
Esse texto, Nuno, é uma peça de moralismo básico, está-se a dizer mal sem sequer se perceber o que está em causa.

Nuno Barradas disse...

Como jogador, durante a sua carreira Portugal teve a oportunidade de ir aos Mundias de 62, 66, 70, 74, e aos Europeus de 64, 68, 72. Em 7, fomos a 1. É medíocre.
Considerar um herói por um feito medíocre, é também medíocre. Por isso mesmo é um símbolo da mediocridade e do servilismo de Portugal nos anos 1960 e 70. E o que se passa hoje com este endeusamento é um resquício disso.

João Pires da Cruz disse...

Curioso. E ainda assim, "marked-to-market", o herói é ele....

Nuno, ele é um herói porque os OUTROS o acham um herói. Bem sei que isto é um conceito exótico para boa parte dos portugueses que se acham elite, mas é-se elite não por direito divino, mas porque os outros nos fazem elite. Não por decreto, não por preconceito, não diploma. Mas porque os outros o entendem assim.
Portugal é grande por isso. Porque fez de um preto, nascido numa barraca qualquer do outro lado do mundo, sem instrução, o seu herói nacional e vai querer mostrá-lo. Isto é absolutamente admirável num povo.
Bem sei que é o mesmo Portugal que faça-se o que se fizer, há sempre quem critique, quem ache que as honras alheias são imerecidas, quem ache que qualquer iniciativa alheia é uma coisa menor, pouco inovadora, etc. Por isso é preciso uma ajuda do estado, para esconder esses portugueses menores para quem tudo o que os outros fazem é desprezável face aos seus méritos auto-evidentes... Sim, Portugal é o país que faz de Eusébio um herói nacional, mas também o das putas invejosas. Mas isso vamos deixar só para nós.

João Pires da Cruz disse...

Só para nós portugueses, não é só para nós tu e eu... :) Parecia que sabia um pormenor escabroso da tua vida :)

Anónimo disse...

O autor do texto não sabe o significado de "literacia" e "iliteracia" trocando-os. Diria que é um bom exemplo de iliteracia.

João Pires da Cruz disse...

?Eu usei o termo "literacia"? Se troquei, peço desculpa, mas se alguém souber como é que se desliga o auto-filling no MS Surface agradeço..

Anónimo disse...

O anónimo das 9:56h referia-se ao texto "postado" por Nuno Barradas. Por acaso também tinha reparado nesses "lapsos" (e também na troca entre "analfabeto" e "alfabetizado") mas depois percebi que eram "lapsos" reiterados...

Em termos rigorosos, Eusébio não corresponde exactamente aos requisitos que supostamente seriam necessários à sua admissão no panteão, embora o mesmo se passe com alguns que já lá estão, os quais, no mínimo, não são (nem foram) consensuais (Carmona?, Sidónio?)

O mérito de Eusébio excede em muito este âmbito consensual em Portugal e em todo o mundo (o facto de, passados 50 anos, ser homenageado por antigos adversários que ajudou a derrotar, diz tudo).
O seu mérito principal, pondo de parte quaisquer aptidões atléticas, por não serem critério para o panteão, e não porque não tenham sido excecionais (o que é dito acima sobre isto é uma aleivosia que não merece referência) é ter sido um homem interinsecamente bom, com um respeito universal por todas as pessoas e instituições, cultivando a noção de conservar valores incorruptíveis, mesmo quando atingiu na sua actividade o máximo a que qualquer mortal pode atingir neste mundo.

Eu penso que foi uma sorte e que foi óptimo para Portugal ter ficado associado mundialmente a alguém que, não soube apenas ser um grande campeão, soube sê-lo da forma que descrevi acima, o que será o maior símbolo daquilo que (creio) se pretende projetar como o traço essencial da cultura portuguesa: a sua universalidade.

Se, apesar de tudo o mais, Eusébio não reunir consenso para ser admitido no panteão, não sei quem mais irá consegui-lo, nos tempos mais ou muito menos próximos.

António Castanheira
(Sportinguista)

Cisfranco disse...

"Em quantos países europeus, ou do mundo, Eusébio seria endeusado desta forma? Em nenhum. E isso não é tanto mérito de Eusébio que sim, só jogou à bola, mas de todos nós por aceitarmos alguém diferente como um dos melhores de nós. As sentidas homenagens a Eusébio são do melhor que há para dizer sobre os portugueses. Mais que dizer que o seu melhor é um poeta. Portugal é o país que faz de um preto nascido moçambicano um herói! "

Sem dúvida! E quem não entender/assumir bem isto, encontrará sempre razões contra a consagração de Eusébio como herói nacional.

Unknown disse...

Uma coisa é certa, é melhor começar a fazer uma lista de requisitos para entrar no panteão, senão um dia ainda nos sujeitamos a ver lá enterrada uma pessoa que tenha participado nos programas "culturais" (reality shows) da televisão portuguesa.

Ricardo Teixeira

João Pires da Cruz disse...

Por eu achar que não foi sorte é que acho que deve ir para o Panteão.

João Pires da Cruz disse...

Tirando os óbvios, como Camões, Vasco da Gama, etc. o resto é tudo político, incluindo os escritores que, aparentemente, têm que reunir umas condições ideológicas especiais para lá estarem. Portanto, para pior, não me parece que se esteja a caminhar, pelo contrário.

João Pires da Cruz disse...

Pois, tb acho.

Anónimo disse...

Para mim existe um único argumento contra a ida do corpo do Eusébio para o panteão: Nesse lugar de santa Engrácia essencialmente "moram" o Carmona e Sidónio Pais com outros presidentes da primeira republica - é, pois, um lugar mal frequentado. Creio que o Eusébio não merece tão más companhias.

Unknown disse...

Pensei que o Camões e o Vasco da Gama estivessem nos Jerónimos. E o panteão fosse a Igreja de Santa Engrácia.

João Pires da Cruz disse...

Estão em urna vazia. Há uma expressão para isso q não me lembro. Estão porque são os melhores de nós, não estão porque não os podiam tirar do sitio onde estavam. Piora, se lá ficasse só o Sidónio e o Carmona mais vala enterraram os heróis na casa dos segredos...

Carlos Ricardo Soares disse...

O Eusébio era muito mais do que futebol. Era também um poeta, à sua maneira. Ele conseguiu, com muita naturalidade e sem pretensiosismos hollywoodescos, nem campanhas malabaristas de angariação de votos, sem proselitismos, a admiração de imensa gente. Parece-me que a simplicidade e a humildade associadas ao talento estão em alta. E isso é bom. Faz-nos ter bons sentimentos. Faz-nos ter pensamentos positivos. Um artista que tinha uma relação especial, única, de cumplicidade, com o público que o admirava e a quem ele, por sua vez, respeitava. Um caso raro de "vedeta" em que a pessoa se avulta na sua simplicidade e quase faz esquecer os feitos que a tornaram tão conhecida. Mas também penso que os portugueses vêem no Eusébio um português dos mais portugueses que houve em Portugal.

Anónimo disse...

Cenotáfios. Como acontece com Shakespeare em Westminster. O Pessoa também está nos Jerónimos. Não deixa de ser curioso que num país que tem dois panteões nacionais os melhores de nós estão, ou nos Jerónimos; ou por aí.

Fernando Caldeira disse...

Não tenho quaisquer dúvidas de Eusébio ser, ou melhor, ter sido, ou ainda mais exactamente, ter sido enquanto novo, autor de grandes feitos na área do futebol. Esforçou-se por isso? Com certeza, de outro modo seria impossível. E tinha talento? Claro, sem talento também não o seria. Era humilde? Segundo dizem, sem dúvida, o que só lhe ficou bem.
E foi justamente compensado por isso? Não sei... Mas se não o foi estamos, infelizmente, perante uma grande injustiça. Com a agravante de já não ser possível corrigir, pelo menos directamente.
Mas o que é o futebol? Um desporto? Um espectáculo? É mais do que 22 pessoas disputando o domínio de uma bola (nem sempre da forma mais elevada)?
Ou, sendo isto outra coisa qualquer, será que favorece a elevação do ser humano? Como? Melhora a sociedade e a vida das pessoas? Como e em que sentido?
E se olharmos para o que gravita à volta do “espectáculo desportivo” designado por futebol, nomeadamente dirigentes, claques, adeptos, etc., o que vemos e ouvimos dizer?
O espectáculo no relvado engrandece-nos como pessoas ou como povo? E os espectáculos que vemos muitas vezes nas nas bancadas (ou nos debates televisivos), torna-nos, definitivamente, melhores pessoas?...

João Pires da Cruz disse...

"portugueses vêem no Eusébio um português dos mais portugueses que houve em Portugal" Pois, sabemos de mais algum povo assim?

João Pires da Cruz disse...

O futebol é uma actividade económica como outra qualquer. Não me parece ser mais fácil pertencer selecção nacional que pertencer ao Teatro Nacional. E se Eusébio fosse actor nada disto se questionava.

Augusto Küttner de Magalhães disse...

Totalmente de acordo Nuno Barradas

Cumprimentos

Augusto Küttner de Magalhães

augusto Küttner de Magalhaes disse...

Criar heróis, para aproveitamento de sensibildades que em outras areas , de todos e por todos seriam mais necessárias, e ver consensos generalizados "só nisto", talvez seja, de facto muito pouco!!!

perhaps disse...

Eusébio aproximou-se do povo pela arte que tinha a jogar futebol. Conquistou-nos. Num tempo em que Moçambique era português, ficou em Lisboa, casou ali, permaneceu sempre no Benfica - que o qual se portou, então, um bocado mal com ele quando viu seco o filão -. Não consta que se envaidecesse, jamais apareceu com sorrisos superiores ou expressões orgulhosas de vedeta que recusou ser mas era; por direito adquirido. Pelo menos na sua imagem pública, a única que eu e tanto português conhece, foi genuíno, uma pessoa normal com habilidade, trabalho e entrega excepcionais à profissão.

Merece a quase devoção que os portugueses e não apenas os benfiquistas lhe consagram.

Deixemos Camões no seu lugar. Não misturemos.

João Pires da Cruz disse...

É pouco mostrar ao mundo que "somos" o povo mais tolerante do mundo? Suficiente seria o quê? :)

João Pires da Cruz disse...

Eu referi Camões pelos motivos de publicitar herói, não pelos motivos pelos quais ele é. Os motivos pelos quais os heróis o são não cabe a ninguém questionar.

maria disse...

vamos ser alvo de chacota internacional com essa dos hérois da bola..my god de valente e imortal a nação decadente e superficial : à bola , à bola , contra os árbitros marchar , marchar :)

João Pires da Cruz disse...

Nao se preocupe. Ninguem tem um poeta como simbolo da nacao e ningem ve mal nenhum nisso.

Unknown disse...

Poeta como símbolo e um aeroporto com o nome de uma pessoa que morreu num desastre de aviação.

maria disse...

mas o Camões cantou as glórias de um povo , João. não vejo que esteja assim tão mal. simboliza uma época de valemtes a cruzarem mares desconhecidos. se fosse o neurótico Pessoa é que , não é :)

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Pires da Cruz disse...

Maria, todos os outros países têm um guerreiro, um conquistador, um resistente. Para eles um poeta seria um disparate. Só nós é q já nos habituamos.

Engrácia disse...

Fernando Pessoa está no Panteão Nacional?
Desculpem a minha ignorância...

Do Mosteiro dos Jerónimos disse...

"A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta."

Fernando Pessoa

Alberto Caeiro disse...

Poemas inconjuntos...

"Não basta abrir a janela
para ver os campos e o rio."

Lobotomia disse...

"Que existe para além da morte?"
Egas Moniz

Este acho que está em Avanca, terrinha natal.
Um humilde renome mundial...

Noblesse oblige disse...

O Saramago, nos pés de uma oliveira, qual Judas despenhado.
O Panteão Nacional não é laico, são igrejas...

Alexandre Caldas disse...

Chamo a atenção para homens da ciência...
Um dia, lembrem-se de António Damásio. Tem um nome futebolístico e tudo. Só por isso, merece.

UM CRIME OITOCENTISTA

  Artigo meu num recente JL: Um dos crimes mais famosos do século XIX português foi o envenenamento de três crianças, com origem na ingestã...