Escrito meu acabado de sair no jornal "As Letras entre as Artes":
O século XVIII assistiu ao triunfo das ideias
newtonianas. Isaac Newton e a Royal Society haveriam de ficar indissociavelmente ligados, tendo o sábio
britânico falecido, quando estava à
frente dessa prestigiada sociedade, em 1727, um ano antes de a Biblioteca
Joanina ter ficado finalizada em Coimbra.
É curiosa a
origem dessa sociedade, que é a mais antiga a funcionar ininterruptamente até
hoje. Foi no ano de 1660 que uma dúzia de livres‑pensadores, depois de ouvirem
uma conferência de um deles, decidiram fundar uma associação em Londres, que só
ganhou carta régia, outorgada pelo Rei Carlos II, dois anos mais tarde.
A Royal Society
tem, logo à partida, uma conexão portuguesa, já que aquele Rei se casou em 1662
com D. Catarina de Bragança, filha do rei D. João IV, que assim pretendeu
reforçar o tratado político já existente entre Portugal e a Inglaterra e quetinha ajudado
ao retorno das possessões portuguesas. Embora esse casamento não tenha sido bem
sucedido (um era anglicano e a outra católica) e a aliança luso‑britânica não
tenha funcionado muito bem ao nível científico, o certo é que a Royal Society
foi aceitando, ao longo de todo o século XVIII um conjunto de cientistas e também homens de
estado portugueses. Se os primeiros entravam com base no seu mérito científico,
os segundos eram admitidos em virtude da sua cultura e das suas
responsabilidades políticas.
Contam‑se, até hoje, um total de 25 portugueses
entre os sócios da Royal Society, sendo 12 cientistas e 13 homens de Estado,
tendo a esmagadora maioria deles vivido no século XVIII. Entre os segundos avultam o marquês de
Pombal, que foi embaixador português em Londres, e o duque de Lafões, D. João
de Bragança, o membro da família real que haveria de fundar a Academia das
Ciências de Lisboa em 1779. O mais antigo dos cientistas portugueses que foram
membros da Royal Society foi o médico judeu Isaac Samuda, que foi admitido em
1723, quatro anos antes de Newton morrer. Sociedades como esta tiveram um papel
essencial na comunicação de resultados científicos à comunidade científica e ao
público em geral, formando redes internacionais. Faziam‑no através da edição de revistas da especialidade, como foram
em Londres as “Transactions
of the Royal Society”, através da construção de
instrumentos, e por meio da organização do trabalho conjunto dos cientistas,
que se revelou muito útil na astronomia e na geodesia (observando os trânsitos
de Vénus, mediu-se a distância da Terra ao Sol e, efectuando longas viagens, mediu‑se o arco de
meridiano terrestre, que viria a permitir fixar o tamanho do metro). A ciência
tornou-se num
empreendimento internacional, passando progressivamente todas as barreiras fronteiriças e
a diversidade das línguas nacionais (o inglês começou por essa altura a
substituir o latim como língua de ciência).
Na galeria de
membros portugueses da Royal Society há vários estrangeirados,
pessoas que emigraram tomando contacto com as culturas de países
mais avançados, mas que mantiveram contactos com o seu País natal,
desempenhando um papel de relevo na
ciência e na cultura portuguesas. Alguns deles emigraram para sempre, enquanto
outros voltaram (foi o caso de Bento de Moura Portugal, chamado na Alemanha o “Newton português”, que teve o infortúnio de,
após o regresso, ter sido preso, acabando por morrer na prisão em situação
desumana). Mas todos eles souberam
manter relações com o seu País, enviando não só textos como desenhos e
instrumentos. Aconteceu isso em particular com Jacob de Castro Sarmento e João
Jacinto Magalhães.
Houve também
alguns estrangeiros que vieram para Portugal e cá ficaram, como foi o caso do
padre italiano João Baptista Carbone, que chegou em 1709 originalmente com o
intuito de medir longitudes no Brasil, para saber ao certo onde passava o
meridiano de Tordesilhas,
mas que ficou como astrónomo real no Observatório do Paço.
Se Carbone era
jesuíta, dois dos membros portugueses daquela sociedade eram oratorianos, a
congregação que o padre Filipe de Nery tinha fundado em Roma em 1565. Estes
estavam, como os jesuítas, interessados no cultivo da ciência, mas revelaram‑se mais
actualizados entre nós ao professarem o ecletismo no ensino da filosofia
natural, isto é, entendiam que as antigas teorias aristotélicas deviam ser
ensinadas ao mesmo tempo e ao mesmo nível que as teorias modernas, de Galileu e
Newton. As observações astronómicas e a prática experimental nos laboratórios
eram indispensáveis no novo método. Os oratorianos que mais se destacaram na
ciência foram João Chevalier e Teodoro de Almeida. O primeiro, sobrinho de Luís
António Verney, estrangeirado em Ferrara e autor do Verdadeiro Método de Estudar (1746) – uma obra polémica que
atacava alguns hábitos arcaicos da sociedade portuguesa –, chegou a dirigir a
Academia das Ciências de Bruxelas após ter sido aí bibliotecário. O segundo teve,
entre outros, o grande mérito de escrever uma obra de divulgação científica, um
diálogo à maneira de Galileu e de Orta, que alcançou um êxito impressionante
(mais de 50 edições) dentro e fora do País. Os dois ensinaram e trabalharam na
Casa das Necessidades, onde, no século XVIII, se fizeram observações
astronómicas e experiências de mecânica.
Desempenhou um
papel assaz relevante no crescimento da ciência nacional no século das luzes o
apoio, primeiro, de D. João V e, depois, de D. José, aos jesuítas e aos
oratorianos. D. João V, que ganhou gosto pelas ciências, tinha um
observatório astronómico no seu Paço,
destruído no Terramoto de 1755, e ele próprio esteve presente em algumas
sessões de observação, a primeira das quais realizada em 1723 pelo Padre
Carbone, que dirigiu esse Observatório assim como o do Colégio de Santo Antão. O mesmo se
passou com o príncipe D. José na Casa das Necessidades. Muitos instrumentos
científicos foram encomendados pela corte portuguesa às melhores oficinas (para
esse efeito Londres era o centro do mundo). Portanto, cerca de duas décadas
antes da Reforma Pombalina, houve ensino e prática da ciência moderna nos
oratorianos, que estiveram estabelecidos numa Casa do Chiado, desde 1667, antes
de, em 1745, se mudarem para as Necessidades. Contudo, os principais mestres,
Chevalier e Almeida, tiveram, perante a perseguição pombalina à sua Ordem, que
se seguiu à dos Jesuítas, de se exilar.
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