quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

A CIÊNCIA DO ILUMINISMO



 Escrito meu acabado de sair  no jornal "As Letras entre as Artes":

O século XVIII assistiu ao triunfo das ideias newtonianas. Isaac Newton e a Royal Society haveriam de ficar indissociavelmente ligados, tendo o sábio britânico falecido, quando estava à frente dessa prestigiada sociedade, em 1727, um ano antes de a Biblioteca Joanina ter ficado finalizada em Coimbra.

É curiosa a origem dessa sociedade, que é a mais antiga a funcionar ininterruptamente até hoje. Foi no ano de 1660 que uma dúzia de livrespensadores, depois de ouvirem uma conferência de um deles, decidiram fundar uma associação em Londres, que só ganhou carta régia, outorgada pelo Rei Carlos II, dois anos mais tarde.

A Royal Society tem, logo à partida, uma conexão portuguesa, já que aquele Rei se casou em 1662 com D. Catarina de Bragança, filha do rei D. João IV, que assim pretendeu reforçar o tratado político já existente entre Portugal e a Inglaterra e quetinha ajudado ao retorno das possessões portuguesas. Embora esse casamento não tenha sido bem sucedido (um era anglicano e a outra católica) e a aliança lusobritânica não tenha funcionado muito bem ao nível científico, o certo é que a Royal Society foi aceitando, ao longo de todo o século XVIII um conjunto de cientistas e também homens de estado portugueses. Se os primeiros entravam com base no seu mérito científico, os segundos eram admitidos em virtude da sua cultura e das suas responsabilidades políticas.

Contamse, até hoje, um total de 25 portugueses entre os sócios da Royal Society, sendo 12 cientistas e 13 homens de Estado, tendo a esmagadora maioria deles vivido no século XVIII. Entre os segundos avultam o marquês de Pombal, que foi embaixador português em Londres, e o duque de Lafões, D. João de Bragança, o membro da família real que haveria de fundar a Academia das Ciências de Lisboa em 1779. O mais antigo dos cientistas portugueses que foram membros da Royal Society foi o médico judeu Isaac Samuda, que foi admitido em 1723, quatro anos antes de Newton morrer. Sociedades como esta tiveram um papel essencial na comunicação de resultados científicos à comunidade científica e ao público em geral, formando redes internacionais. Faziamno através da edição de revistas da especialidade, como foram em Londres as “Transactions of the Royal Society”, através da construção de instrumentos, e por meio da organização do trabalho conjunto dos cientistas, que se revelou muito útil na astronomia e na geodesia (observando os trânsitos de Vénus, mediu-se a distância da Terra ao Sol e, efectuando longas viagens, mediuse o arco de meridiano terrestre, que viria a permitir fixar o tamanho do metro). A ciência tornou-se num empreendimento internacional, passando progressivamente todas as barreiras fronteiriças e a diversidade das línguas nacionais (o inglês começou por essa altura a substituir o latim como língua de ciência).

Na galeria de membros portugueses da Royal Society há vários estrangeirados, pessoas que emigraram tomando contacto com as culturas de países mais avançados, mas que mantiveram contactos com o seu País natal, desempenhando um papel de relevo na ciência e na cultura portuguesas. Alguns deles emigraram para sempre, enquanto outros voltaram (foi o caso de Bento de Moura Portugal, chamado na Alemanha o “Newton português”, que teve o infortúnio de, após o regresso, ter sido preso, acabando por morrer na prisão em situação desumana). Mas todos eles souberam manter relações com o seu País, enviando não só textos como desenhos e instrumentos. Aconteceu isso em particular com Jacob de Castro Sarmento e João Jacinto Magalhães.

Houve também alguns estrangeiros que vieram para Portugal e cá ficaram, como foi o caso do padre italiano João Baptista Carbone, que chegou em 1709 originalmente com o intuito de medir longitudes no Brasil, para saber ao certo onde passava o meridiano de Tordesilhas, mas que ficou como astrónomo real no Observatório do Paço.

Se Carbone era jesuíta, dois dos membros portugueses daquela sociedade eram oratorianos, a congregação que o padre Filipe de Nery tinha fundado em Roma em 1565. Estes estavam, como os jesuítas, interessados no cultivo da ciência, mas revelaramse mais actualizados entre nós ao professarem o ecletismo no ensino da filosofia natural, isto é, entendiam que as antigas teorias aristotélicas deviam ser ensinadas ao mesmo tempo e ao mesmo nível que as teorias modernas, de Galileu e Newton. As observações astronómicas e a prática experimental nos laboratórios eram indispensáveis no novo método. Os oratorianos que mais se destacaram na ciência foram João Chevalier e Teodoro de Almeida. O primeiro, sobrinho de Luís António Verney, estrangeirado em Ferrara e autor do Verdadeiro Método de Estudar (1746) – uma obra polémica que atacava alguns hábitos arcaicos da sociedade portuguesa –, chegou a dirigir a Academia das Ciências de Bruxelas após ter sido aí bibliotecário. O segundo teve, entre outros, o grande mérito de escrever uma obra de divulgação científica, um diálogo à maneira de Galileu e de Orta, que alcançou um êxito impressionante (mais de 50 edições) dentro e fora do País. Os dois ensinaram e trabalharam na Casa das Necessidades, onde, no século XVIII, se fizeram observações astronómicas e experiências de mecânica.

Desempenhou um papel assaz relevante no crescimento da ciência nacional no século das luzes o apoio, primeiro, de D. João V e, depois, de D. José, aos jesuítas e aos oratorianos. D. João V, que ganhou gosto pelas ciências, tinha um observatório astronómico no seu Paço, destruído no Terramoto de 1755, e ele próprio esteve presente em algumas sessões de observação, a primeira das quais realizada em 1723 pelo Padre Carbone, que dirigiu esse Observatório assim como o do Colégio de Santo Antão. O mesmo se passou com o príncipe D. José na Casa das Necessidades. Muitos instrumentos científicos foram encomendados pela corte portuguesa às melhores oficinas (para esse efeito Londres era o centro do mundo). Portanto, cerca de duas décadas antes da Reforma Pombalina, houve ensino e prática da ciência moderna nos oratorianos, que estiveram estabelecidos numa Casa do Chiado, desde 1667, antes de, em 1745, se mudarem para as Necessidades. Contudo, os principais mestres, Chevalier e Almeida, tiveram, perante a perseguição pombalina à sua Ordem, que se seguiu à dos Jesuítas, de se exilar.


NOTA: Excerto (editado) do meu livro “História da Ciência em Portugal” (Lisboa: Arranha Céus), cujos conteúdos correspondem a um curso livre dado no El Corte Inglês em Lisboa

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