domingo, 26 de janeiro de 2014

O momento não é oportuno

Na sequência de dois textos anteriores sobre as praxes no ensino superior (aqui e aqui).

Retome-se a recente afirmação da socióloga Rita Ribeiro e atente-se bem em cada uma das suas palavras: “... as reitorias nunca tiveram vontade de expulsar a praxe ou de a domesticar sequer, porque os reitores precisam de ter os alunos do seu lado”.

E agora atente-se no exemplo que não podia ser mais ajustado para a corroborar, divulgado esta tarde e dado precisamente... pelo Presidente do Conselho Coordenador dos Institutos Polítécnicos.

A propósito da reunião marcada pelo Ministro da Educação com os reitores e associações académica, a realizar na próxima semana, este senhor disse à TSF que «talvez não seja a questão mais importante para tratar neste momento» porque... «não é o período de praxes».

E, claro, não podia deixar de recorrente à mistificação: «algumas situações não muito positivas», «qualquer assunto relacionado com os estudantes preocupa-nos e temos de estar atentos e disponíveis para os tratar», «com certeza que iremos acolher o assunto, analisá-lo e tratá-lo da melhor forma a proteger os estudantes», etc., etc, etc.

9 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

O que incide a evidência.

Cláudia da Silva Tomazi disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Galois

Não é costume falar de coisas diferentes das tratadas no texto. Desta vez vou fazer isso, ainda que indirectamente o assunto esteja relacionado.

Acho as praxes, de uma forma geral, aberrantes e boçais. Além disso, é notório que a sociedade e instituições tendem a fechar os olhos. Com isto disse a minha opinião sobre o assunto.

Mas, a comunicação social funciona por «ondas». Em alguns casos «avalanches». De tal forma, que parece que só se pode falar de uma coisa de cada vez. Ora, na passada semana aconteceram coisas de inacreditável gravidade. Passo a listar,

Além de mais do que muitos problemas com a plataforma informática relativa ao concurso bolsas FCT e meios oficiais de esclarecimento, atraso gritante nos prazos (a avaliação só foi conhecida no dia 14/01/2014), conhecimento público do nome dos membros dos painéis com uma separação temporal vincada em relação ao lançamento das avaliações (com toda a pressão a que tal prática pode estar associada), juntam-se demissões de coordenadores de painéis (conhecimento público a 22/01/2014) e declarações oficiais do Presidente da FCT no Parlamento da República Portuguesa admitindo o irregular funcionamento do concurso (24/01/2014);

«A razão para os painéis de avaliação não terem sido informados das alterações dos resultados dos concursos das bolsas da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) deve-se a uma questão de prazos»

«Com as pressões existentes, se tivéssemos feito com os painéis aquilo que gostaríamos de ter feito, o que evitaria algum desconforto, demoraríamos mais um mês a publicar os resultados»

«Estas mudanças foram de cariz métrico, não envolveram qualquer avaliação científica por parte da FCT e afectaram apenas 3% dos candidatos (cerca de 170 pessoas)»

«A coordenação dos painéis da FCT deveria ter informado atempadamente as alterações do painel e discutir os critérios», admitiu Miguel Seabra. «Mas lembrem-se da pressão dos prazos dos bolseiros.»

É fantástico que isto passe mais ou menos em branco. Em Portugal o nível de argumentação é muito baixo. Batota e ilegalidade, estratégia, tática, etc., são assuntos habitualmente discutidos em simultâneo. Por exemplo, pode ser estratégia governamental, por razões económicas, acabar com as bolsas (embora por razões políticas, os governantes tenham inaugurado o discurso das empresas). Após definida uma estratégia, a tática é a forma de a colocar no terreno. Isso também é assunto de debate (vamos imaginar a boa fé na «conversa das empresas»; em seguida tinha de se saber como fazer). Ora, o que o Presidente da FCT admitiu no parlamento é algo ao nível da batota e da legalidade. Não é estratégia nem tática, trata-se de batota suportada em termos como «desconforto», «pressões», «ultrapassar escrutínio dos júris», etc.

É claro que os governantes irão alimentar a actual «avalanche». Por que será? (não esquecer de que é possível debater várias coisas ao mesmo tempo...)

perhaps disse...

Espero bem que haja modificações acerca das praxes; que não se fiquem pela conversa vaga e a desculpa "agora não é tempo delas" - porque é fora de tempo que se pensa e se legisla para. Além do mais, em nada abonam o espírito universitário de espírito crítico e liberdade de pensamento que, suponho todo o ensino superior tenha como valor fundante da pessoa; a adquirir ou cimentar em cada homem que por ali passe.

Mas também é verdade que se elidem muitos assuntos em função deste. E que isso convém. Como anónimo frisou. Temos dificuldade em pensar sincronicamente vários temas e muita gente sabe disso. E aproveita a debilidade.

Eduardo Martinho disse...

http://tempoderecordar-edmartinho.blogspot.pt/2014/01/quem-fala-assim.html

Helena Damião disse...

Agradeço aos leitores os comentários.
Não me parece que o destaque dado na comunicação social a manifestações violentas dos alunos do ensino superior, enquadradas naquilo que se designa por praxes, tenha o propósito de deixar em segundo plano as mudanças na FCT. São questões de natureza diferente e devem ser tratadas separadamente.
O que me parece é que a sociedade, em geral, percebeu (finalmente!) que não pode continuar a tolerar comportamentos que o Professor Mariano Gago bem caracterizou. Não são aceitáveis numa sociedade democrática, não são aceitáveis numa escola.
Cordialmente,
MHD

Anónimo disse...

Galois

«Não me parece que o destaque dado na comunicação social a manifestações violentas dos alunos do ensino superior, enquadradas naquilo que se designa por praxes, tenha o propósito de deixar em segundo plano as mudanças na FCT. São questões de natureza diferente e devem ser tratadas separadamente»

Espero realmente que tenha razão. As praxes são um assunto há muito a pedir atenção séria. Já reparou, para além de tudo o mais, o tempo por que se prolongam? Basta passar no Campo Grande. São meses a fio...

Mas tenho de frisar novamente a questão das avalanches. Na sexta, o Presidente da FCT disse coisas como

«Com as pressões existentes, se tivéssemos feito com os painéis aquilo que gostaríamos de ter feito, o que evitaria algum desconforto, demoraríamos mais um mês a publicar os resultados»

A sociedade portuguesa, não só na ciência, mas em todas as outras temáticas, está repleta de coisas destas. Como disse no comentário, são coisas para lá da estratégia ou táctica governativa. São do foro da legalidade e transparência. Coisas gravíssimas que, incrivelmente, chegam a ser admitidas no nosso parlamento.

E, peço desculpa, funcionamos por «avalanches». É completamente factual. Veja TODOS os jornais e TODA a comunicação televisiva. Repare que, como disse, há praxes aberrantes um pouco por toda a cidade de Lisboa há muito tempo (digo Lisboa por aí morar). De repente, todos os vips da nossa sociedade opinaram (e bem!) sobre o assunto. TODOS ao mesmo tempo, a TODAS as horas do dia.

E continuam as coisas de grande gravidade... E continua o problema das prioridades.... E continua a falta de estratégia, táctica, transparência, argumentação cuidada sobre os problemas, decisão sobre opções, etc.

Vivemos num momento crítico. É necessária clarividência.

Não chateio mais com isto. Já disse a minha opinião. Acho as praxes um assunto da maior importância. Há pessoas que fazem greves justificadas por questões várias. Eu vou fazer a minha greve pessoal; em nome do cuidado com as «avalanches», não opinarei sobre as praxes enquanto durar a «avalanche» (tempo médio, 3 ou 4 dias).

Helena Damião disse...

Caro Anónimo
Não "chateia"... Vá dizendo. E esqueceu-se de que, a par destes dois assuntos "quentes" na comunicação social houve, nos últimos dias, a concorrência de um terceiro, pessimamente tratado sob o ponto de vista ético: o caso de uma criança que desapareceu e passado três dias apareceu misteriosamente. Criança e família expostas sem atenção aos direitos fundamentais mais básicos de reserva da vida privada.
A comunicação social que denuncia prevaricações também as comete e em paralelo; que traz ao rubro assuntos importantes, mas que depressa os descarta. Tudo isto é típico do pensamento social muito soft, que enquadra o nosso próprio pensamento.
Voltando às praxes, são como diz, uma assunto da maior relevância (à qual o De Rerum Natura vem dando atenção desde que estamos neste espaço aberto), o qual, baixado este pó opinativo, deveria ser objecto de uma reflexão profunda, à qual não é alheia a formação escolar que estamos a proporcionar às nossas crianças e jovens. Mas não tenho ilusões, tudo vai ficar exactamente na mesma. Quem tem responsabilidade na liderança das escolas por razões bem identificadas, não contrariará em nada os abusos. E, claro, eles irão continuar. De maneira que no próximo ano e no outro e no outro... haverá matéria de sobra para comentar.
Cumprimentos,
MHD

Anónimo disse...

Galois

Concordo.

CARTA A UM JOVEM DECENTE

Face ao que diz ser a «normalização da indecência», a jornalista Mafalda Anjos publicou um livro com o título: Carta a um jovem decente .  N...