quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Outro voto para 2014

Os inúmeros países, espalhados pelo mundo, que participam em programas internacionais de avaliação da aprendizagem (como o Programme for International Student Assessment - Pisa - ou o Trends in International Mathematics and Science Study - Timss) têm procurado ajustar os seus currículos às exigências avaliativas, sendo os standards o produto mais visível.

Ajustar um conjunto de aprendizagens que todos os alunos, independentemente da sua nacionalidade, devem fazer ao longo da escolaridade parece-me muito bem. Trata-se da concretização da perspectiva de alguns filósofos que se dedicam à educação e que defendem que a escola tem de proporcionar, em primeiro lugar, o que é da ordem do universal (isto sem negar o lugar àquilo que é da ordem do nacional, regional e local). E concordo tanto mais quando se afirma que essas aprendizagens terão de ser guiadas (também) pela preocupação de desenvolver cognitivamente os alunos, tão afastada ela tem andado do discurso curricular.

O problema é a orientação que cada país escolhe dar a essas aprendizagens. Por exemplo, em vez de se centrar na tríade fundamental (formação da pessoa, transmissão e ampliação da herança da humanidade, e bem-estar social), centra-se em aspectos directamente ligados à dita "vida real", ao "sucesso individual", à "competição de todos com todos", à "preparação para o mercado de trabalho". E isto no sentido de uma certa economia direccionada para o benefício de alguns países, grupos económicos, etc.

Por isso, vejo com muitíssima preocupação a orientação que os Estados Unidos da América estão a adoptar nesta matéria, precisamente pela tendência que outros países têm de seguir a sua política educativa:
"The standards are designed to be robust and relevant to the real world, reflecting the knowledge and skills that our young people need for success in college and careers. With American students fully prepared for the future, our communities will be best positioned to compete global successfully in the economy (...). All students must be prepared to compete with not only their American peers in the next state, but with students from around the world.” 
Repito o final desta nota de apresentação dos Common Core Sandards"Todos os alunos devem estar preparados para competir não só com os seus pares do estado mais próximo, mas com os alunos de todo o mundo."

Que futuro teremos se uma multiplicidade de países seguir esta orientação? As palavras de José Morais, professor jubilado da Universidade Livre de Bruxelas, a propósito dum livro que recentemente publicou, podem ser uma alavanca para reflectirmos neste assunto:
"A aposta num ensino focado nas necessidades atuais do mercado de trabalho está a impedir a escola de formar as crianças e jovens para serem cidadãos críticos e flexíveis." E é essa exigência "que, explícita ou veladamente, se encontra plasmada nas orientações internacionais para a educação. Orientações que cada país adopta, a que imprime a forma de directriz e que põe em marcha. Orientações que cada sociedade acha muito bem!"
"Então o que devemos pensar quando formamos os nossos jovens? Devemos formá-los para um espírito aberto, crítico, criativo e flexível". E "estamos a formar indivíduos para o mercado de trabalho, que não sabemos como vai ser no futuro porque não conseguimos prever a evolução tecnológica", torna-se claro que "estamos a falhar rotundamente" a formação para a capacidade de reflexão.
[Esta opção] só pode levar a um de dois cenários (...) ou "temos 2% da população que faz parte de uma elite com dinheiro e gere a sociedade, uma maioria de pobres e escravos e uma classe média, com tendência a desaparecer, que fica no meio e faz a comunicação entre a elite e os pobres". No outro cenário "vence o princípio humanista de termos todos direitos iguais (...) estamos agora a ir mais para o primeiro cenário do que para o segundo. Não é por acaso que o alfabetismo baixou nos países desenvolvidos. E esse é um cenário horrível que deve ser discutido pelas pessoas".
Continuarmos esta reflexão é um outro voto que faço para o ano de 2014.

1 comentário:

Jaime Carvalho e Silva disse...

Discordo completamente das afirmações feitas de que formar alunos "para um espírito aberto, crítico, criativo e flexível" esteja em contradição com "estamos a formar indivíduos para o mercado de trabalho, que não sabemos como vai ser no futuro porque não conseguimos prever a evolução tecnológica". Pelo que não é nada claro que "estamos a falhar rotundamente a formação para a capacidade de reflexão."
Pelo contrário, os 'Common Core Standards' americanos (que ainda não estão a ser realmente aplicados) conseguem (no papel) esse duplo objetivo. É preciso ler os documentos de uma ponta a outra e ver como isso é realmente atingido (pelo menos no caso da Matemática).
Quem não consegue nenhum dos dois objetivos é o conjunto de Metas e Programas ultimamente produzidos em Portugal. Além da pobreza e escassez da discussão e reflexão públicas, os responsáveis não aparecem a explicar minimamente as opções tomadas, com documentos virados para um preocupante enciclopedismo desconexo (com alguma exceção honrosa num ou noutro caso) cujos objetivos educacionais são inescrutáveis!

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