Em 1995 era publicado em Portugal, pela Gradiva, um ano depois da edição francesa, uma pequena obra de leitura acessível que dava conta de várias inquietações decorrentes do protagonismo que a televisão havia ganho na sociedade, alterando modos de pensar e de agir, e nem sempre no sentido que se pode considerar positivo. Televisão: um perigo para a democracia, é o título da obra.
Longe de diabolizarem esse meio de comunicação, Giancarlo Bosetti, jornalista que redigiu a introdução, Karl Popper, epistemólogo, e Jonh Condry, psicólogo, que escreveram os dois textos centrais, e Jean Baudolin, professor de Ciências Políticas, que acrescentou um posfácio, indagam o seu lugar nas nossas vidas. Se há duas ou três décadas as palavras destes quatro senhores eram relevantes, no presente sê-lo-ão muito mais.
O extracto que se segue é da lavra de Popper (páginas 18 e seguintes). Considerando que se trata de um potente instrumento que terá necessariamente de se harmonizar com os princípios da democracia e do liberalismo e não com a violência e a vedetização, propôs a várias estações de televisão um projecto que nenhuma delas atendeu, facto que o irritou bastante: "Fala-se de censura, mas são os produtores de TV, que detêm o poder de censurar tudo à sua vontade e sem que possa fazer-se seja o que for."
É, aliás, interessante ouvir falar os produtores de televisão sobre esta questão. Por ocasião de uma conferência que realizei há uns anos na Alemanha tive o ensejo de conhecer o responsável de uma cadeia de que deslocara para me ouvir juntamente com alguns colaboradores (...). Durante a nossa discussão fez afirmações inauditas, que se afiguravam naturalmente indiscutíveis. «Devemos oferecer às pessoas o que elas esperam», como se fosse possível saber o que as pessoas pretendem recorrendo simplesmente aos índices de audiência. Tudo o que é possível recolher, eventualmente, são indicações sobre as preferências dos telespectadores face aos programas que lhe são oferecidos. Esses números não nos dizem o que devemos ou podemos propor, e esse director também não podia saber que escolhas fariam os telespectadores parantes outras propostas. De facto, ele estava convencido de que a escolha só seria possível no quadro do que era oferecido e não perspectivava qualquer alternativa. A sua posição afigurava-se-lhe conforme aos princípios da democracia e pensava dever seguir a única direcção compreensível para ele, a que considerava «a mais popular». Ora, em democracia nada justifica a tese deste director, para quem o facto de apresentar programas cada vez mais medíocres corresponde aos princípios da democracia, «porque é o que as pessoas esperam». Nestas circunstâncias só nos resta ir para o inferno! A democracia (...) não é mais do que um sistema de protecção contra a ditadura (...). A democracia sempre procurou elevar o nível da educação; é essa a sua autêntica aspiração. As ideias deste director não correspondem em nada ao espírito democrático, que sempre foi o de oferecer a todos as melhores possibilidades e oportunidades.Inversamente, os seus princípios conduzem a propor aos telespectadores emissões cada vez piores, que o público aceita desde que se lhe acrescente violência, sexo e sensacionalismo. De facto, quanto mais uso se fizer deste género de ingredientes, mais se incita as pessoas a voltarem a pedi-los. E, como estas práticas são as que os produtores compreendem melhor e as que suscitam mais facilmente a adesão do público, renunciamos a propostas mais exigentes. Contentamo-nos em acrescentar pimenta aos programas (...) acrescenta-se sempre mais pimenta aos pratos de má qualidade para disfarçar o seu gosto detestável ou insípido.
1 comentário:
A TV de 1995 nada tem a ver com a de hoje. Do elitismo inicial, passando pelo tsunami de novelas e o reinado do tele-lixo, hoje felizmente há muita escolha.
Com dezenas de canais disponíveis, apesar de a "pimenta" e os maus "reality-shows" ainda serem a maioria, basta procurar um pouco para encontrar programas de qualidade onde há muito a aprender. Muitos são mesmo o que eu queria, nomeadamente os verdadeiros reality-shows que se tornaram tendência ultimamente, não os encenados.
Se tivesse hoje um cão seria tão diferente, que ignorantes nós eramos! Aprendo a cozinhar. Fico a conhecer inúmeras profissões. Há conhecimento científico apresentado de forma divertida. Ontem fiquei a saber que apesar de o Japão ser um sociedade machista, também é comum ser a mulher a gerir o dinheiro que o homem ganha e a dar-lhe uma mesada. A lista não tem fim...
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