quinta-feira, 1 de agosto de 2013

SOBRE A HISTÓRIA DA CIÊNCIA EM PORTUGAL




Entrevista que dei a João Paulo Cotrim e que saiu no último programa do Âmbito Cultural do El Corte Inglês:

P- Historicamente, nalgum momento Portugal foi centro do conhecimento? Quem são os grandes nomes portugueses no panteão universal da Ciência?

 R- Sim, no século XVI. Os Portugueses nesse tempo da expansão marítima, que é o tempo de Copérnico, foram percursores da Revolução Científica que só haveria de triunfar com Galileu no século seguinte. O empirismo que caracteriza essa Revolução tem uma marca que foi dada pelos Descobrimentos: não é por acaso que o filósofo inglês Francis Bacon abre um dos seus livros expondo o método da ciência com uma imagem de caravelas a entrarem no Atlântico. Se novos mundos se tinham encontrado em Terra, também novos mundos se tinham de encontrar no intelecto. O conhecimento de novas terras, novas gentes e novas espécies permitiu ao Ocidente dar um enorme salto civilizacional. Mesmo que não tenhamos tido cientistas conhecidos mundialmente, alguns merecem-no sem dúvida: Pedro Nunes, que criou a navegação astronómica, D. João de Castro, que fez as primeiras medidas globais de geomagnetismo, Garcia da Orta que divulgou as propriedades medicinais de plantas do Oriente, e Amato Lusitano, que compilou preciosas informações clínicas e contribuiu para a descoberta da circulação cardíaca.

 P- Há uma ciência portuguesa?

R- A ciência é um empreendimento internacional, na qual participam, comunicando entre si, pessoas de todo o mundo. Podemos falar de ciência feita em Portugal. Mas gosto de falar de ciência feita por portugueses independemente do sítio. Dos cientistas que referi só Pedro Nunes ficou cá. No século XVIII houve vários "estrangeirados". E recebemos sempre alguns estrangeiros que vieram fazer ciência para Portugal.

 P- Como foi sendo vista a ciência entre nós?

 R- A ciência ganhou visibililidade entre nós à medida que também ganhava lá fora. Pedro Nunes foi "cosmógrafo-mor " por concessão régia, tendo alguns poderes de supervisão sobre o ensino e a certificação de pilotos e navegantes. Os poderes instituídos cedo perceberam o grande poder da ciência: a orientação pelas estrelas de alguém que está à deriva no alto mar pode ser uma questão de vida e de morte. A ciência salva... O mesmo se passa, e até num grau mais visível, com a medicina, que nessa altura realizou um grande salto em direcção à cienticifidade, embora ainda longe dos padrões de hoje Depois da expansão, a ciência nacional não voltou a atingir o mesmo brilho. Mas, no século XVII, cientistas portugueses ou que passaram por Portugal levaram a moderna astronomia à China e ao Japão. Na China foram reconhecidos e recompensados pelo Imperador. E, no processo de globalização, tiveram um grande papel na progressiva instauração da ciência no Brasil. No século das luzes, a ciência foi de novo ajudada pelos monarcas: D. João V e D. José, este pela mão do Marquês de Pombal. A Universidade de Coimbra modernizou-se, abrindo-se à física e química experimentais e à história natural. Houve um período de forte internacionalização. Nos séculos XIX e XX, embora a ciência embora continuasse a ser cultivada e ensinada entre nós, esteve longe de conhecer o forte crescimento que teve na Europa e na América do Norte, que teve reflexos na Revolução Industrial e conduziu aos padrões de desenvolvimento modernos. O país, com muitas vicissitudes políticas, económicas e sociais, não esteve tão ligado a essa explosão da ciência e da técnica como deveria ter estado. Só temos um Prémio Nobel em áreas científicas, o médico Egas Moniz. E, por isso, é normal que tenhamos chegado quase ao fim do século XX com uma ciência reduzida e  pouco visível, tanto interna como externa. Não que a sociedade portuguesa não fosse ganhando confiança na ciência: mas era uma ciência - e principalmente uma técnica, derivada da ciência - que vinham de fora.

P- A ciência não se faz hoje de um modo globalizado?

R- Sim, cada vez mais graças aos meios de comunicação global que a própria ciência foi criando. Repare-se que a Web foi criada para ajudar uma experiência científica internacional e hoje é usada por toda a gente e por todo o lado. Muitos autores colaboram e partilham artigos sem nunca se terem visto pessoalmente. Isto faz com que a nossa posição periférica na Europa, que nos ajudou no processo de expansão e nos prejudicou quando a Revolução Industrial irrompeu na Europa do Norte, não seja hoje um factor importante. Claro que a comunicação de pessoas e não apenas de ideias é importantes e a generalização e embaratecimento dos transportes aéreos ajudou à formação de comunidades científicas mundiais nas várias disciplinas. Essas comunidades é que determinam qual é a melhor ciência e podemos dizer que hoje, depois de três décadas de enorme crescimento, visível não apenas no investimento mas também no número de cientistas e publicações, Portugal é hoje mundialmente conhecido nalgumas áreas, nas quais temos grupos excelentes.

P- Em que campos do saber científico foram os nossos contributos assinaláveis?

R- Se tentarmos integrar cinco séculos de ciência em Portugal - o que não é fácil - podemos reconhecer que  uma área mais teórica, que não exige meios tão grandes como as outras, como a matemática sempre teve entre nós estudiosos que foram conhecidos lá fora. Não foi só Pedro Nunes no século XVI, mas também Anastácio da Cunha e Monteiro da Rocha no século XVIIII, Gomes Teixeira no século XIX, e Mira Fernandes e Aniceto Monteiro no século XX. A astronomia, ligada de perto à matemática, teve importantes seguidores entre nós. Outra área onde tivemos expoentes foi a medicina. Se no século XVI Garcia da Orta e Amato Lusitano foram grandes médicos, essa tradição chegou até Egas Moniz e continuou após este: refiro só Ribeiro Sanches que escreveu na Enciclopédia de Diderot. Uma área no início muito ligada à medicina e à farmácia, que também foi muito cultivada entre nós, em particular devido à biodiversidade no império português, foi a botânica. A química em Coimbra, ao tempo da construção do Laboratório Chimico era muito moderna. Diz-se até que foi o primeiro grande laboratório de química construído em todo o mundo.Mas há, claro, contributos notáveis noutras áreas: devo referir a meteorologia, dado o papel da região dos Açores no clima do hemisfério norte; as águas minerais, um recurso em que somos muito ricos; a rede mundial de telégrafo, cabos submarinos e a TSF na segunda metade do século XIX, dada a nossa posição geoestratégica. Curiosamente, apesar da nossa extensa zona marítima, o mar só recentemente começou a ser alvo de atenção. Não falo dos anos mais recentes, por ainda faltar a perspectiva histórica.

 P- Como avalia a nossa cultura científica actual?

R- Desde 1986 que estamos na União Europeia, um espaço unido entre outras coisas pelo reconhecimento da papel da ciência e tecnologia como motores de progresso económico e social. Houve um progresso enorme desde então. Em particular desde 1995, quando passámos a ter um Ministério da Ciência e Tecnologia. Hoje, apesar de algumas inquietações quanto ao futuro, há mais cientistas vivos e activos do que jamais tivemos em todos os tempos. Alguns são jovens brilhantes que publicam nas melhores revistas internacionais, como a Science e a Nature. Lá fora também há cientistas portugueses, alguns consagrados como o físico João Magueijo.e o médico António Damásio. Não há ciência sem cultura científica: hoje vemos uma muito maior consciência pública da ciência. Basta olhar para os media, mas podemos também olhar para os livros (a colecção Ciência Aberta da Gradiva), para as actividades da Agência Ciência Viva e para os museus e centros de ciência. A ciência não é nem pode ser uma ilha na sociedade. Alimenta a sociedade e é alimentada pela sociedade. Claro que há muito a fazer nesta área, pois a cultura científica é um projecto e prática permanentes e inesgotáveis.

1 comentário:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Sobra história de ciência em Portugal graças a educação científica, marca decorrente diga-se da perspectiva que outrora sabiamente exposta ao anseio investigativo desenvolvido segundo a capacidade portuguesa a aprimorada inteligência; labor de amparada abundância em registos a cerca da mesma ciência. Vincado ao presente em: livro, tratado e carta a renomada(s) biblioteca(s) de seguimento regimental, institucional e religioso na linha de conhecimento milenar: humanístico, humanista e humano.

Gostaria de acrescentar que a comunicação Web fora desenvolvida a invenção de mecanismos do telegrafo e por conseguinte o telefone de Bell.

Esta modesta opinião de quem gosta de estar em sintonia com a prosperidade virtual e sendo aqui do Brasil este possível reconhecimento a dimensão enquanto fenômeno histórico, patrocínio de acolhida firmação.

CARTA A UM JOVEM DECENTE

Face ao que diz ser a «normalização da indecência», a jornalista Mafalda Anjos publicou um livro com o título: Carta a um jovem decente .  N...