segunda-feira, 26 de agosto de 2013

Portugal: Regressa o Passado


Texto recebido do historiador António Mota de Aguiar:

A investigação científica sofre actualmente um forte ataque por parte das autoridades actuais. Estamos longe do apoio dado à investigação por Mariano Gago.

Como todos nós sabemos, o nosso país viveu tradicionalmente de espaldas viradas para a investigação. Através da nossa História, aqui e ali, algum ministro sobressaiu dedicando alguma atenção à educação. O século XX foi o século da investigação científica por excelência, mas o Estado Novo tinha outras preocupações e sítios onde gastar os recursos nacionais. Mesmo assim, contam-se alguns cientistas que, por mérito próprio, conseguiram atingir renome internacional e trazer à ciência valor acrescentado. Vêm-me à memória alguns nomes:  Mark Athias, Celestino da Costa, António Gião, Bento Jesus Caraça, Abel Salazar, Mário  Silva, Aurélio Quintanilha, Ruy Luís Gomes, Egas Moniz, e tantos outros.

Após o 25 de Abril, malgrado as vicissitudes que todos nós conhecemos, deram-se os primeiros passos na edificação de uma nova escola, de novos métodos de ensino, as universidades fortaleceram-se com novos professores universitários, criaram-se novas universidades e alguma delas dedicaram-se à investigação científica. O único meio que tínhamos de criar em Portugal uma sociedade avançada – já que somos pobres em recursos naturais – era seguirmos pela via da investigação científica, como fez a Finlândia há cerca de 20 anos e vemos bem onde ela está hoje. Mas não basta o Estado investir, é preciso que os investigadores se sintam inseridos e voltados para a I&D, como se diz hoje. Isto é todo um projecto!

É certo que, nestes anos pós 25 de Abril, houve no ensino muita incompetência e confusão. Nalguns casos as palavras de Egas Moniz, que a seguir cito, referindo-se aos professores seus colegas de então, escritas “Nas Confidências de um Investigador Científico” (p.21), fazem ainda hoje sentido:

“Porque não se exige aos professores, de tantos em tantos anos, a prova da sua actividade em trabalhos e publicações, podendo ser irradiados os que provarem a sua incapacidade em produção científica? Por que deixar pulular essa categoria de mestres inactivos, espalhados pelas diversas Faculdades, e que não passam de ser o eco dos livros, sem contrição de trabalhos próprios, nem referência à sua observação pessoal?”

O pensamento do Nobel da Medicina, aplica-se de igual modo ao ensino secundário e faz sentido ainda hoje, para além de, devido à crise financeira que vivemos, ser necessário igualmente cortar, pois vivíamos (vivemos) por cima das nossas possibilidades. Mas cortar onde? Na Educação, na Saúde, na Ciência? Não. Estas três áreas são das mais atrasadas da União Europeia.

Apesar do nosso atraso, ao entrarmos no século XXI Portugal deu um salto espectacular na investigação científica. Graças ao esforço de alguns e ao acumular do espírito do 25 de Abril, assim como à acção e apoio do ministro Mariano Gago,os resultados na  investigação científica são ainda bem visíveis.

Referindo-se a livros de temática científica editados  pela Gradiva, Carlos Fiolhais, num recente post publicado neste blogue, escreveu o seguinte:

“Se nos primeiros cem volumes, havia apenas oito livros de autores portugueses, nos segundos já havia 32! Basta olhar para a lista de títulos para se aperceber como a ciência cresceu em Portugal” (…) A Ciência promove a independência e o espírito crítico (…) Quase não tínhamos ciência em Portugal e hoje temo-la. É uma das nossas garantias de liberdade”    

Mas estamos a perdê-la, os cortes nas universidades, nas bolsas, na investigação, da forma como estão a ser feitos, são inadmissíveis. De repente, com a entrada deste governo, entrámos na era do “corta”. Corta-se tudo o que é cultura, até a Cinemateca Portuguesa vai fechar em Setembro. E cortam-se nos fundos destinados às Universidades, nas bolsas e na investigação científica.
 
Não teria maior utilidade que os enormes investimentos  feitos nos dois submarinos do Estado português tivessem sido fossem feitos nas Universidades, na Educação e na Saúde dos Portugueses? Estamos todos conscientes que sim. 

Tudo isto nos está trazendo uma perda moral, um desinteresse generalizado dos portugueses pela coisa pública. Estamos ficando paupérrimos. Dizia recentemente um cientista espanhol: construir é difícil, destruir é facílimo, reconstruir é quase impossível. Estamos a destruir o que fizemos de bom do 25 de Abril de 74 a esta parte. É só cortar a olhos fechados!

Temos que decidir o que queremos ser como país, se queremos continuar a  ser um país de emigrantes por essa Europa a fora, ou se queremos viver com dignidade, dentro dos padrões da cultura europeia. 

António Mota de Aguiar

1 comentário:

perhaps disse...

«“Porque não se exige aos professores, de tantos em tantos anos, a prova da sua actividade em trabalhos e publicações, podendo ser irradiados os que provarem a sua incapacidade em produção científica?
O pensamento do Nobel da Medicina, aplica-se de igual modo ao ensino secundário e faz sentido ainda hoje,(…)»

o nobel da medicina está certo no público alvo que escolhe. Mas, o que então era sugestão é hoje passadiço de quem vive do – ou no – ensino universitário. Os professores universitários têm mesmo de publicar se querem prosseguir carreira.

Os professores do secundário? Têm outra realidade. Seria óptimo que um deles relatasse aqui a sua semana de trabalho. Enfim, quem sabe, alguém no governo se lembre de mais essa exigência. E tanto se publicaria para nada. Porque a verdade é que já muito se escreve para poucos leitores. E não julgo um bom critério de selecção.

Por que não fecham as escolas de formação de professores se os há em excesso?

Concordo. Aos cortes falta racionalidade.

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