Texto recebido do historiador António Mota de Aguiar:
A investigação científica
sofre actualmente um forte ataque por parte das autoridades actuais. Estamos
longe do apoio dado à investigação por Mariano Gago.
Como todos nós sabemos, o
nosso país viveu tradicionalmente de espaldas viradas para a investigação.
Através da nossa História, aqui e ali, algum ministro sobressaiu dedicando
alguma atenção à educação. O século XX foi o século da investigação científica
por excelência, mas o Estado Novo tinha outras preocupações e sítios onde gastar os
recursos nacionais. Mesmo assim, contam-se alguns cientistas que, por mérito
próprio, conseguiram atingir renome internacional e trazer à ciência valor
acrescentado. Vêm-me à memória alguns nomes: Mark Athias, Celestino da Costa, António
Gião, Bento Jesus Caraça, Abel Salazar, Mário Silva, Aurélio
Quintanilha, Ruy Luís Gomes, Egas Moniz, e tantos outros.
Após o 25 de Abril, malgrado
as vicissitudes que todos nós conhecemos, deram-se os primeiros passos na
edificação de uma nova escola, de novos métodos de ensino, as universidades
fortaleceram-se com novos professores universitários, criaram-se novas
universidades e alguma delas dedicaram-se à investigação científica. O único
meio que tínhamos de criar em Portugal uma sociedade avançada – já que somos
pobres em recursos naturais – era seguirmos pela via da investigação
científica, como fez a Finlândia há cerca de 20 anos e vemos bem onde ela está
hoje. Mas não basta o Estado investir, é preciso que os investigadores se
sintam inseridos e voltados para a I&D, como se diz hoje. Isto é todo um
projecto!
É certo que, nestes anos pós 25
de Abril, houve no ensino muita incompetência e confusão. Nalguns casos as
palavras de Egas Moniz, que a seguir cito, referindo-se aos professores seus
colegas de então, escritas “Nas Confidências
de um Investigador Científico” (p.21), fazem ainda hoje sentido:
“Porque não se exige aos professores, de tantos em
tantos anos, a prova da sua actividade em trabalhos e publicações, podendo ser
irradiados os que provarem a sua incapacidade em produção científica? Por que
deixar pulular essa categoria de mestres inactivos, espalhados pelas diversas
Faculdades, e que não passam de ser o eco dos livros, sem contrição de
trabalhos próprios, nem referência à sua observação pessoal?”
O pensamento do Nobel da Medicina, aplica-se de
igual modo ao ensino secundário e faz sentido ainda hoje, para além de, devido
à crise financeira que vivemos, ser necessário igualmente cortar, pois vivíamos
(vivemos) por cima das nossas possibilidades. Mas cortar onde? Na Educação, na Saúde,
na Ciência? Não. Estas três áreas são das mais atrasadas da União Europeia.
Apesar do nosso atraso, ao entrarmos no século XXI
Portugal deu um salto espectacular na investigação científica. Graças ao
esforço de alguns e ao acumular do espírito do 25 de Abril, assim como à acção e apoio do ministro Mariano Gago,os resultados na
investigação científica são ainda
bem visíveis.
Referindo-se a livros de
temática científica editados pela
Gradiva, Carlos Fiolhais, num recente post
publicado neste blogue, escreveu o seguinte:
“Se nos primeiros cem
volumes, havia apenas oito livros de autores portugueses, nos segundos já havia
32! Basta olhar para a lista de títulos
para se aperceber como a ciência cresceu em Portugal” (…) A Ciência promove a
independência e o espírito crítico (…) Quase não tínhamos ciência em Portugal e
hoje temo-la. É uma das nossas garantias de liberdade”
Mas estamos a perdê-la,
os cortes nas universidades, nas bolsas, na investigação, da forma como estão a
ser feitos, são inadmissíveis. De repente, com a entrada deste governo, entrámos na era do “corta”.
Corta-se tudo o que é cultura, até a Cinemateca Portuguesa vai fechar em
Setembro. E cortam-se nos fundos destinados às Universidades, nas bolsas e na
investigação científica.
Não teria maior utilidade que os
enormes investimentos feitos nos dois submarinos do Estado português tivessem sido fossem
feitos nas Universidades, na Educação e na Saúde dos Portugueses? Estamos todos
conscientes que sim.
Tudo isto nos está
trazendo uma perda moral, um desinteresse generalizado dos portugueses pela
coisa pública. Estamos ficando paupérrimos. Dizia recentemente um cientista espanhol:
construir é difícil, destruir é facílimo, reconstruir é quase impossível.
Estamos a destruir o que fizemos de bom do 25 de Abril de 74 a esta parte. É só
cortar a olhos fechados!
Temos que decidir o que queremos ser como país, se queremos continuar a ser um país de emigrantes por essa Europa a fora, ou se queremos viver com dignidade, dentro dos padrões da cultura europeia.
António Mota de Aguiar
1 comentário:
«“Porque não se exige aos professores, de tantos em tantos anos, a prova da sua actividade em trabalhos e publicações, podendo ser irradiados os que provarem a sua incapacidade em produção científica?
O pensamento do Nobel da Medicina, aplica-se de igual modo ao ensino secundário e faz sentido ainda hoje,(…)»
o nobel da medicina está certo no público alvo que escolhe. Mas, o que então era sugestão é hoje passadiço de quem vive do – ou no – ensino universitário. Os professores universitários têm mesmo de publicar se querem prosseguir carreira.
Os professores do secundário? Têm outra realidade. Seria óptimo que um deles relatasse aqui a sua semana de trabalho. Enfim, quem sabe, alguém no governo se lembre de mais essa exigência. E tanto se publicaria para nada. Porque a verdade é que já muito se escreve para poucos leitores. E não julgo um bom critério de selecção.
Por que não fecham as escolas de formação de professores se os há em excesso?
Concordo. Aos cortes falta racionalidade.
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