sexta-feira, 16 de agosto de 2013

O direito de não ler


Imagem encontrada aqui.
"É preciso ler", regista Daniel Pennac no tópico 40.º do seu famosíssimo livro Como um romance.

Todas as mensagens vão no mesmo sentido: é preciso pôr as crianças e os jovens a ler, a andarem sempre com um bom livro atrás, a gostarem de ler os autores de renome... porque a leitura, qual "complexo vitamínico", faz bem a tudo quando se está a crescer: enriquece o vocabulário, ajuda a escrever bem, permite descobrir o mundo, ensina a raciocinar, e mais isto e mais aquilo...

Mas, é "sobejamente conhecida... a falta de interesse e gosto que os jovens manifestam pela leitura", diz-se na badana da minha edição popular da Asa, já com dez anos.

Adultos, incluindo professores e pais, muitos dos quais dispensam a leitura, preocupam-se com a rejeição, a aversão ao "mergulho" nessa actividade por parte daqueles que educam, e, assim sendo, não podem deixar de se atormentar: ao aluno, ao filho está destinado um futuro sombrio.

Seduzem, insistem, ameaçam, mas nada parece resultar... resta-lhes conviver com a culpa. E nesta época do ano é pior: as férias estão traçadas para serem um tempo de leitura; se os adultos esclarecidos não conseguem levar os miúdos a ler pelo menos um livro por semana, falharam!

Acontece que "o verbo ler não suporta o imperativo", volto a Pennac, naturalmente. Para atenuar essa culpa, talvez resulte ponderar em cada um dos dez “direitos inalienáveis do leitor” que ele redigiu e explicou com fina ironia e muito saber, no caso, de experiência feito, sobretudo como professor, mas também como pai.

1-O direito de não ler;
2-O direito de saltar páginas;
3-O direito de não acabar um livro;
4-O direito de reler;
5-O direito de ler não importa o quê;
6-O direito de amar os “heróis” dos romances;
7-O direito de ler não importa onde;
8-O direito de saltar de livro em livro;
9-O direito de ler em voz alta;
10-O direito de não falar do que se leu.

9 comentários:

perhaps disse...

Concordo com o senhor Daniel, cujo parece ser entendido. Nada é mais aborrecido que ser obrigado a ler. Será mesmo o caminho mais curto para não ler.

Julgava que as férias eram para descansar e só lia quem eventualmente sentisse - ou sinta - a leitura como descanso; dizem que há gente assim, que descansa lendo.
boas férias no modo que quadre a cada um

João Pires da Cruz disse...

Muito bom

Anónimo disse...

Liberdade


Ai que prazer
não cumprir um dever.
Ter um livro para ler
e não o fazer!
Ler é maçada,
estudar é nada.
O sol doira sem literatura.
O rio corre bem ou mal,
sem edição original.
E a brisa, essa, de tão naturalmente matinal
como tem tempo, não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto melhor é quando há bruma.
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

E mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças,
Nem consta que tivesse biblioteca...


Fernando Pessoa (1934)

Virtude teologal disse...

Fé: "substância das cousas que se devem esperar, argumento das cousas que não aparecem." (S. Paulo)
Portanto, a existência é um intervalo na fé (tudo o que aparece não existe teologicamente - a teologia é um esforço de perceção do que não existe). Cristo não é real. Se o fosse, não seria esperado.

Ler é engano. Criar é secar.

Fernando Caldeira disse...

Segundo Steiner, “Mais de oitenta porcento dos adolescentes americanos não sabem ler em silêncio; há sempre um pano de fundo de música, de volume maior ou menor. A intimidade, a solidão que permite um encontro em profundidade entre o texto e a sua recepção, entre a letra e o espírito, é hoje uma singularidade excêntrica, psicológica e socialmente suspeita. Inútil determo-nos sobre a derrocada do nosso ensino secundário, o seu desprezo pela aprendizagem clássica, pelo que se aprende de cor.”.
Infelizmente, entre nós, a situação não será muito diferente, mesmo entre os jovens que têm “sucesso educativo”, isto é, entre os que chegam ao ensino superior. Isto não é apenas um "palpite", pois muita da minha experiência pessoal aponta nesse sentido.
Deixo aqui o testemunho de uma situação que vivi há cerca de sete anos. Nessa altura acompanhei o meu filho, que ainda não tinha dezoito anos, à capital do distrito, para entrega da candidatura ao ensino superior. Falava-se em esperas de várias horas, pelo que me preveni levando o jornal diário, vício antigo, e um pequeno livro; o meu filho, como fazia sempre, levou o livro que andava a ler. Havia realmente muitas dezenas de pessoas à nossa frente, espalhadas pelo pátio da escola, pelo resolvemos, depois de tirar a senha de atendimento, instalar-nos numa sombra e mitigar o inconveniente do tempo de espera através da leitura. A forma como fomos olhados, particularmente ele, facto que atribuí também às características do livro que levara (preto, com uma lombada de mais de dez centímetros e em inglês), levou-me a reparar que éramos os únicos que aproveitávamos aquele tempo com a leitura. A conclusão a tirar só podia ser uma: se isto se passa com os jovens que conseguiram terminar o secundário e querem continuar os estudos, com os outros as coisas não são com certeza melhores...

Anónimo disse...

"se isto se passa com os jovens que conseguiram terminar o secundário e querem continuar os estudos, com os outros as coisas não são com certeza melhores"

Nao sao melhores porque? Qual o motivo?

Fernando Caldeira disse...

Caro "Anónimo"
Queria eu dizer que os outros, os que não conseguem concluir o 12º ano, mais facilmente se esquecem de levar um livro, ou mesmo uma simples folha de jornal, para, no mínimo, poderem, numa situação semelhante à que referi, proteger a moleirinha do sol. O que, digamos, não é saudável...

perhaps disse...

S. Paulo pode ser uma sumidade com a auréola, mas não se verificar o mesmo com definições acerca do que não aparece e nos parece a nós, mortais que usamos bonés e chapéus, ser indefinível.

E no entanto, burrice minha certamente, não retiro da frase dele que o que aparece não exista ou seja intervalo. Cristo foi pessoa. Tinha conta, peso e medida. Apareceu e existiu. A fé faz dele um deus, mas não pode negá-lo enquanto existência. Mesmo que a sua figura humana seja chamada de aparência. Ninguém é apenas o seu nome.

Sob um determinado ponto de vista, ler é engano. As palavras não são as coisas; por mais exíguas, as últimas diferem e suplantam o dizê-las. Diria antes que, para além dos princípios edificantes da leitura – que deixo para mentes mais doutas -, ler é viver uma segunda realidade esquecendo, se possível, a primeira. Pode mesmo constituir-se como substituto de alguma inépcia nos embates com as aparências que muito nos existem. Ou constituir apenas mudança de registo. Ser evasão do espírito. Interesse desinteressado.

“criar é secar”. Pode até ser verdade. Que nascemos para isso: secar. Criar há-de ser como no reino vegetal as plantas, cada ciclo aproxima-as do fim. E nesse sentido tudo que se faça nos leva a essa condição última.
Mas se afirma que criar nos seca por nos sentirmos incapazes de mais, não é assim que a realidade funciona. Os artistas, pintores, escultores, escritores, actores e etc, não os seca senão a morte. E mesmo a arte de viver, quem a possui tem-na a vida toda; a criatividade dá ao homem a vontade de continuar. Creio mesmo que é ela que cria o desejo. Sem o qual seríamos uma desistência.

perhaps disse...

Penso muita vez que em Portugal se aproveita mal o tempo de ler. Que na praia se lê pouco, no campo idem, nas esperas de consulta parecido, e etc.
Porém, numa candidatura ao ensino superior, que se segue a um período de estudo intenso, parece-me natural que os estudantes prefiram conversar, conhecer outros...

Mas é verdade que os jovens são impertinentes com quem tem um comportamento menos igual. E que um estudante que lê um livro com tais características não é vulgar. Conheço alguns que usam esse género de leitura e tenho a certeza que não levariam tais livros para uma candidatura.
Os hábitos familiares, como se vê, importam. Parabéns.


UM TIPO DE CENSURA DE LIVROS AINDA SEM DESIGNAÇÃO

Não sabemos ao certo, mas podemos colocar a hipótese, muito plausível, de a censura da expressão humana, nas suas mais diversas concretizaçõ...