terça-feira, 13 de agosto de 2013

Por fim, reconhece-se: "é errado desvalorizar o conhecimento"

Como se saberá, à semelhança do que aconteceu noutros países europeus, na transição de século, ao abrigo da Declaração de Bolonha, Portugal empenhou-se na reorganização do ensino superior (por exemplo, aqui, aqui, aqui). Não era uma reorganização qualquer aquela que se tinha em mente: era nada mais nada menos do que uma "mudança de paradigma".

Nada de retocar: a palavra de ordem era transformar. De um "ensino" centrado no "conhecimento", pretendia-se uma "aprendizagem" centrada na "competência". Isto, assim dito, não parece ter importância nenhuma, mas tem.

Imagem encontrada aqui
Anunciou-se que seria o estudante a procurar de, modo activo, autónomo e auto-regulado a sua formação, ele seria o "centro das sua próprias aprendizagens". E que nessa formação não era o conhecimento que estaria em destaque, mas sim a competência: a competência para aplicar, para intervir, para inovar em novos contextos.

Correlativamente, não poderia o professor transmitir (conhecimento), deveria, antes, apoiar, ajudar... Estar disponível (em permanência) para orientar as aprendizagens dos alunos (individual e colaborativamente) era a sua nova função.

Em suma, era o discurso "pedagógico" vigente para o ensino não superior que chegava ao superior. Um discurso equívoco e ideológico que foi acolhido de braços abertos pelo poder político e, em sequência, pelas academias. Um discurso que, nessa exacta medida, não se deixa discutir com as regras de racionalidade que se usam em ciência.

Assim, foi com surpresa que li no preâmbulo de um Decreto-Lei recentemente saído (Decreto-Lei n.º 115/20013, de 7 de Agosto) o seguinte:
No Decreto-Lei n.º 74/2006, de 24 de Março, era mencionada a necessidade de "se fazer a transição de um sistema de ensino baseado na ideia da transmissão de conhecimentos para um sistema baseado no desenvolvimento de competências”. É porém errado desvalorizar o conhecimento ou artificialmente opô-lo à noção de «competências», pelas quais ele supostamente deveria ser substituído ou nas quais deveria ser sempre englobado. Todo o sistema de ensino visa a aquisição de conhecimentos pelos estudantes, o que inclui, de forma adequada conforme os níveis, a sua apropriação, sistematização e exploração e a sua operacionalização em contextos diversos, assim como o desenvolvimento correlativo de capacidades e atitudes. O conhecimento, no entanto, é central e a Lei de Bases do Sistema Educativo é inequívoca a este respeito."
Esperemos que este passo legislativo possa repor o conhecimento no lugar onde nunca deveria ter sido questionado e muito menos retirado.

3 comentários:

Ildefonso Dias disse...

Professora Helena Damião;

Talvez o problema mais fundamental seja mesmo o de evitar criar “uma geração de bárbaros” como era então, nos anos 60, grande preocupação do Professor José Sebastião e Silva.
Hoje, em Portugal e no mundo, o problema adensa-se muito mais, não concorda Professora Helena Damião? E como solucionar o problema?!


São dele estas palavras retirada dos guias para os compêndios:
http://www.fc.ul.pt/pt/pagina/4655/comp%C3%AAndios-de-matem%C3%A1tica


16. Terminaremos estas considerações, traduzindo algumas das medidas preconizadas na América para a renovacão do ensino em geral:

a) O ensino em todos os graus terá de se tornar mais flexível, mais adaptado, quer às solicitações dum mundo em rápida evolucão, quer às aptidões dos indivíduos.

b) Necessitamos de métodos aperfeiçoados para descobrir talentos e levá-los a atingir a plena maturidade.

c) Não devemos encorajar, seja de que modo for, qualquer sistema de ensino que tenda a criar uma geração de bárbaros, incapazes de apreender uma idéia que não lhes seja «programada» por outro cérebro (1).

(1) Alusão aos programas feitos pelo homem para os «cerebros» electrónicos, que não pensam, mas se limitam a executar mecanicamente esses programas.

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Prestígio depende de conceito?!

Anónimo disse...

Quando a oferta educativa do ensino politécnico se traduz em licenciaturas, mestrados e doutoramentos, a perspectiva do ensino politécnico enquanto o ensino superior de curta duração labora em equívoco pois o ensino politécnico concorre com o ensino universitário na atribuição de graus académicos.

Contudo, as diferenças existem; eventualmente, a mais evidente é a qualificação académica dos corpos docentes que, necessariamente, se reflecte no conhecimento produzido, transmitido e difundido pelas instituições de ensino superior a que esses corpos dão suporte.

Ao invés do ensino universitário, em que todos os professores na carreira docente são titulares do grau de doutor, este grau académico no ensino politécnico não é valorizado, resultando a menor qualificação académica dos corpos docentes das instituições de ensino politécnico devido à sua desnecessidade.

Desnecessidade esta recentemente robustecida pelo título de especialista, habilitação substitutiva do grau académico de doutor no acesso às categorias de professor adjunto e de professor coordenador e que releva para efeitos da composição do corpo docente das instituições. Neste contexto, o conceito de especialista deixou de corresponder à denominação aplicada ao indivíduo conhecedor de matéria ou domínio específico, resultante de um trabalho de investigação contínuo, com provas dadas e reconhecidas pela comunidade científica e passou a designar igualmente toda e qualquer pessoa que, provida de formação inicial numa qualquer área, desempenhe funções na mesma durante uma década e eis que todos somos, ou podemos ser, especialistas de alguma forma em alguma coisa.

Preparando-se já o próximo ano lectivo, seria de elementar transparência que o Governo impusesse aos Institutos Politécnicos, e às Escolas de ensino politécnico não integradas em Institutos Politécnicos ou em Universidades, a obrigação de divulgação nos sites das próprias instituições dos currículos académicos de todos os seus docentes. Divulgando de forma obrigatória, relativamente a cada um dos seus docentes, os seus os graus académicos e demais habilitações, a categoria, as disciplinas que lecciona e os ciclos de estudos a que essas disciplinas pertencem, bem como os artigos e livros científicos que publicou, a participação em projectos de investigação, as comunicações apresentadas em congressos e colóquios científicos, os prémios de reconhecimento científico obtidos, a participação em júris académicos de provas e concursos, a orientação de teses concluídas dos 2.º e 3.º ciclos.

Mais, os alunos deviam ser isentos do pagamento de propinas às instituições de ensino politécnico que não divulgassem, no seu site, o grau académico e demais habilitações de algum dos seus docentes

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...