quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O ENSINO DA MEDICINA NA UNIVERSIDADE DE COIMBRA NO SÉCULO XVI



Parte final do meu artigo, com Isilda Rodrigues que acaba de ser publicado na revista Manguinhos. O resto e as referências podem ser lidos aqui. English version in pdf here:

http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v20n2/en_0104-5970-hcsm-20-02-00435.pdf

"Em resumo, com as sucessivas reformas da universidade, para as quais foi essencial a excelência dos professores trazidos principalmente de Espanha, e com a criação do Hospital de Todos os Santos criaram-se condições favoráveis ao desenvolvimento da instrução médica em Portugal. Em contrapartida, a expulsão dos judeus, em 1496, e o estabelecimento da Inquisição, em 1536, foram os dois fatores que mais contribuíram para o seu declínio, em finais do século XV (Brandão, 1969, p.931-961). Esse declínio acentuou-se em 1555, quando dom João III, por suspeita de heresia e pressionado pela rainha e pelos infantes, retirou a direção do Colégio das Artes aos mestres que, vindos de Bordéus, tinham instalado durante alguns anos um ensino marcado pelo humanismo. O passo seguinte seria a entrega do colégio aos jesuítas (Brandão, 1933), que, além de ocuparem o Colégio das Artes, tinham criado o Colégio de Jesus em 1542. Tendo em conta o vigor da Companhia de Jesus, ordem criada por santo Inácio de Loiola, em Paris, em 1534 e que conheceu logo de início uma forte expansão na Europa e no mundo; o trabalho intenso de investigação, por exemplo, em matéria médica sul-americana que inúmeros membros da companhia desenvolveram, nessa época; e ainda a expansão da sua atividade missionária até paragens tão remotas como a China, onde nenhuma ordem religiosa tivera até então autorização para entrar - ainda mais sabendo-se que essa autorização dos chineses teve em parte a ver com a fama dos jesuítas como mestres de alquimia; e sabendo-se, ademais, que foram grandes naturalistas da Companhia de Jesus, como Athanasius Kircher, que vieram a desenvolver, já no século XVII, técnicas tão inovadoras como a microscopia e a câmara escura, não podemos deixar de questionar, de passagem que seja, o papel que lhes é atribuído na estagnação do ensino da medicina em Portugal (Spence, 1984; Findlen, 1990). Com efeito, é difícil justificar que um grupo intelectual tão jovem, ativo e culto constituísse um entrave ao ensino. Os jesuítas dominaram realmente o ensino em Portugal a partir de finais do século XVI, promovendo, nos seus métodos e ensinamentos, a filosofia aristotélica. Esse movimento ficou consagrado com a publicação, na passagem do século XVI ao XVII, em Coimbra, de "Os conimbricenses" (Conimbricenses, 1592), um conjunto de comentários a Aristóteles. Nessa tarefa, os jesuítas beneficiaram-se da proteção e do financiamento do rei. Com colégios bem apetrechados e com bons professores, proporcionaram, nos primeiros anos da sua hegemonia, um desenvolvimento significativo dos estudos universitários, devendo esse progresso ser creditado a seu favor. No entanto, o seu ensino era orientado praticamente só para as artes. Essa orientação terá tido o efeito perverso de, em um tempo de grandes mudanças e inovações, tornar as universidades portuguesas impermeáveis às novas teses físico-matemáticas que estavam na Europa a revolucionar o mundo da ciência (Fonseca, 1997; Barreto, 1983; 1986).

Se a crescente predominância dos jesuítas e do aristotelismo neoescolástico que eles pro-fessavam contribuiu para o adormecimento da universidade portuguesa, os acontecimentos políticos subsequentes concorreram decerto para piorar o cenário. O abalo da monarquia portuguesa, com o desastre de Alcácer-Quibir, no norte de África, e o começo da dominação castelhana, acentuaram o abatimento em que as ciências se encontravam, em Portugal, nos fins do século XVI. Como província de Espanha, Portugal deixou de merecer qualquer investimento especial de Madri. Dessa forma, a qualidade acadêmica do país foi-se distanciando, cada vez mais, da que caracterizava os melhores centros europeus. Em 1592, Francisco Tomás, médico do Hospital de Todos os Santos e cirurgião-mor, em carta para um bispo em Madri, afirmava que "a ciência da medicina está de todo perdida em Portugal, e quase irrecuperável: porque nem na universidade há lentes nem pode haver bons discípulos" (Compêndio..., 1772, p.311). Na Europa, a medicina seguia o seu caminho de progresso, enquanto em Portugal melhores dias só chegariam com a reforma da Universidade de Coimbra em 1772, pelo marquês de Pombal, que daria lugar a mudanças na Faculdade de Medicina, com a construção de um teatro anatômico no Colégio de Jesus, de um hospital também aí situado e para onde passaram os serviços do Hospital da Conceição, e um dispensário farmacêutico, além da modernização dos estudos preparatórios em matemática e filosofia natural, com a instalação de duas novas faculdades."

3 comentários:

João Nobre disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
João Nobre disse...

Publiquei:

http://www.historiamaximus.blogspot.pt/2013/08/o-ensino-da-medicina-na-universidade-de.html

Só é pena o artigo ter sido escrito de acordo com o acordo ortográfico (AO90).

Espero que não levem a mal o facto de eu o ter adaptado à ortografia correcta.

Cláudia da Silva Tomazi disse...
Este comentário foi removido pelo autor.

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