O ensino na alta Idade Média fazia-se nos mosteiros. Por exemplo, no século XII, no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra aprendia-se já medicina, mas esta tinha um papel subalterno relativamente aos estudos de teologia, de direito canónico e de gramática. No reinado de D. Sancho I, alguns monges deste mosteiro foram enviados a Paris, para estudarem Teologia. Um deles, Mendo Dias, estudou também Medicina e veio depois ensiná-la em Santa Cruz. Mas foi só com a criação da Universidade portuguesa, fundada, em Lisboa, em 1290, pelo rei D. Dinis, e mudada para Coimbra logo em 1308, que se iniciaram entre nós estudos médicos devidamente organizados.
A instituição
mais importante fundada na Idade Média é, sem dúvida, a Universidade. Ao fim de
mais de nove séculos ainda perdura, sendo considerada em todo o mundo indispensável
na formação avançada, na criação de novos saberes e no desenvolvimento
socio-económico e cultural das regiões e dos países. A mais antiga universidade
do mundo foi a de Bolonha (se deixarmos de lado escolas da Índia e no mundo
árabe), a Alma Mater Studiorum, que remonta
a 1088. Outras escolas se lhe seguiram, todas elas ligadas à Igreja: no mesmo
século, foi só Oxford e, no século XII, Paris e Modena, em Itália. Mas, no
século XIII, ocorre uma explosão das universidades, com o surgimento de uma
dúzia, entre as quais a de Coimbra, que foi fundada em Lisboa (das outras três
são italianas e quatro são espanholas, o que mostra a força do movimento
universitário no Sul da Europa). A ligação à Igreja é bem visível no facto de a
Faculdade mais importante ser a de Teologia. Outras faculdades eram Cânones,
Leis e Medicina. A medidina foi desde o início a única faculdade científica.
O século mais importante
para a ciência na Idade Média, se é que se pode falar de ciência nessa altura,
foi o século XIII. O chamado “Primeiro Renascimento” foi marcado por um
personagem português que tem muitos aspectos das sua vida e obra envoltos em
mistério: Pedro Hispano ou Pedro Julião, que se tornou em 1276 o primeiro e até
agora único papa português, com o nome de João XXI. Ele foi contemporâneo de
uma tríade de nomes grandes do pensamento cristão: o franciscano inglês Roger
Bacon, estudante em Oxford e professor em Oxford e em Paris, Doctor Mirabilis, o dominicano alemão S.
Alberto Magno, Doctor Universalis,
professor em Paris, e o dominicano italiano S. Tomás de Aquino, que levou a
cabo a cristianização do pensamento de Aristóteles.
Roger Bacon pode ser considerado percursor do método científico, devido à sua ênfase no empirismo e na matemática. Pedro Hispano foi provavelmente aluno de Alberto Magno em Paris e deve ter sido condiscípulo de S. Tomás de Aquino. Foi um tempo de enorme controvérsia na Universidade de Paris. O papa João XXI ordenou um inquérito que conduziu às Condenações de 1277, que se somaram a outras proferidas na mesma cidade nesse mesmo século, e que atingiram algumas teses de S. Tomás de Aquino. Também no Vaticano esses tempos foram de turbulência, com vários conclaves em 1276. Foi o “ano dos quatro papas”. E João XXI não esteve mais de seis meses no trono de Pedro, ao morrer em Viterbo por acidente no ano seguinte.
Roger Bacon pode ser considerado percursor do método científico, devido à sua ênfase no empirismo e na matemática. Pedro Hispano foi provavelmente aluno de Alberto Magno em Paris e deve ter sido condiscípulo de S. Tomás de Aquino. Foi um tempo de enorme controvérsia na Universidade de Paris. O papa João XXI ordenou um inquérito que conduziu às Condenações de 1277, que se somaram a outras proferidas na mesma cidade nesse mesmo século, e que atingiram algumas teses de S. Tomás de Aquino. Também no Vaticano esses tempos foram de turbulência, com vários conclaves em 1276. Foi o “ano dos quatro papas”. E João XXI não esteve mais de seis meses no trono de Pedro, ao morrer em Viterbo por acidente no ano seguinte.
Há uma enorme
obra, sob a forma manuscrita, atribuída a Pedro Hispano, da qual as peças mais
famosas, de que existem várias cópias, são um tratado de lógica aristotélica, o
Summulae Logicales, que vigorou
durante três séculos em várias universidades europeias, e as importantes obras
médicas De Oculo e Thesaurum Pauperum. Mas a questão dessa
autoria não está resolvida, pois há vários Pedros com obras manuscritas que
nasceram na Península Ibérica nessa época. Há quem defenda que o referido
tratado de lógica é de um frade dominicano. E também há quem defenda que,
afinal, o Papa português pode não ser o especialista que deixou tão notável
legado em medicina.
Foi a 1 de Março de 1290 que o rei D. Dinis assinou o documento Scientiae thesaurus mirabilis que instituiu a Universidade portuguesa, reconhecida pouco depois pelo papa Nicolau IV e que hoje é Património Mundial da Humanidade. Os primeiros estatutos dos chamados Studium Generali foram redigidos em 1309, sob o título Charta magna privilegiorum. Quando a Universidade de Coimbra se formou já o papa português tinha falecido há 13 anos. A Universidade medieval portuguesa foi pequena e não ficou célebre: nunca teve muitos alunos e os seus professores, com uma ou outra excepção, não ficaram famosos. A Universidade circulou entre Lisboa e Coimbra. Em 1338 foi transferida de novo para Lisboa, onde permaneceu 16 anos, regressando a seguir a Coimbra. Após nova mudança para Lisboa, em 1377, só voltou definitivamente a Coimbra em 1537, por ordem de D. João III, a fim de fugir ao bulício da capital do reino. A Universidade de Coimbra foi até 1911, com a excepção do período entre 1559 e 1759, quando existiu uma outra universidade em Évora (jesuíta, não tão abrangente como a de Coimbra), a única não só no Portugal europeu, mas também no vasto império português, em claro contraste com o que se passou no Império espanhol.
O ensino, em
Coimbra como nas outras universidades medievais, estava baseado na leitura e
comentário das antigas autoridades grego-latinas. A frase magister dixit traduz o facto de a lições serem lidas pelo professor
(o “lente”) e de os alunos terem de as repetir. Havia discussões (disputatio), mas a palavra dos antigos,
interpretada pelos mestres, era indiscutível. Não havia lugar ao erro. A
ciência moderna estava ainda por surgir.
1 comentário:
Toda a gente fala de história, desde o homem da rua ao eminente cientista. A história da ciência, assim, levezinha, jornalística e bloguista, até edifica e instrui as massas. Não fora os escorregões na ideologia que, aqui e ali, o eminente cientista vai distilando, na sua cruzada contra a não-ciência, qual Papa pós-moderno sem o querer ser, que usa o imaginário social da ciência como arma ideológica da entronização da cientificação dogmática de tudo.
Eminente cientista que glosa a história: no séc. XII, Anselmo de Laon cunhou uma máxima que ficará como um lugar-comum por 200 ou 300 anos. Diversi sed non adversi. Se o eminente cientista tivesse um mínimo senso de verdadeiro saber histórico, saberia que a sua ciência moderna, que tantas vezes é por si endeusada e atirada contra outros, diminuindo-a, portanto, do seu valor cognitivo, prestando um mau serviço ao conhecimento, dizia eu, o eminente cientista saberia que será a modernidade “que fará do consenso o melhor índice de verdade”. Diversi sed non adversi. A diversidade nas controvérsias é, ao mesmo tempo, um método de aprendizagem e de descoberta da verdade. Só os dogmáticos querem esmagar os adversários, anatematizando-os com todos os artifícios retóricos imaginados, como o fizeram a Abelardo, espírito livre e disputador leal que, no meio das mais acesas controvérsias, ele e muitos outros, nunca perderam a “clara e fundamentada percepção da insuficiência cognitiva das criaturas de Deus.”
Colocai a mão na consciência, eminente cientista, estudai, aprendei com os doutos, e sobretudo sede tolerante. Diversi sed non adversi.
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