Meu artigo sobre a colecção Ciência Aberta da Gradiva saído hoje no Diário de Notícias:
Acaba de ser publicado o n.º 200 da colecção Ciência Aberta da Gradiva, uma colecção
que há cerca de 30 anos, inovou ao colocar a ciência ao alcance de todos, nas
livrarias e nas bibliotecas, nas ruas e nas escolas. É um feito notável, que se
deve em primeiro lugar à visão e à acção persistente do editor Guilherme
Valente, que com essa marca da divulgação da ciência estabeleceu uma editora
que acabou por se afirmar também noutras áreas como a cultura portuguesa, a
filosofia, as relações internacionais, a ficção, a banda desenhada, etc. Foi,
por isso, merecedissímo o Grande Prémio Ciência
Viva atribuído à colecção e ao editor no final do ano passado.
O sistema científico português quase não existia
em 1982, quando foi publicado o n.º 1 da colecção, O Jogo dos Possíveis, de François Jacob, o francês Nobel da
Medicina que faleceu há poucos dias. O Ministério da Ciência e Tecnologia só
foi criado em 1995, tendo o programa Ciência
Viva começado no ano seguinte. Não é exagero afirmar que boa parte do
extraordinário desenvolvimento da ciência nacional nas últimas três décadas se
deve a essa colecção. Os livros de Hubert Reeves, Carl Sagan (autor do inspirador
Cosmos), Stephen Jay Gould, Richard
Feynman e Stephen Hawking fizeram leitores: não só os jovens da auto-denominada
“geração Gradiva” que, numa parte significativa, abraçaram carreiras
científicas, como a população em geral, que, tomando contacto com a ciência
moderna através dos melhores autores, passaram a adoptar a cultura científica.
Um tal programa editorial de promoção da cultura científica só encontra paralelo
na história nacional na extraordinária colecção Cosmos que o matemático Bento de Jesus Caraça lançou, nos anos 40,
com grande êxito popular, num país então atravessado por mil dificuldades, e
que só a sua morte prematura veio interromper.
Ao defender a ciência, a colecção Ciência Aberta promoveu valores cívicos,
o primeiros dos quais é a liberdade. Não foi por acaso que o volume 100, da
autoria do físico Gerald Holton, se tenha intilado A Cultura Científica e os seus inimigos. e que o recente n.º 200,
do jornalista Timothy Ferris se intitule Ciência
e Liberdade. O projecto da Ciência Aberta era e é um projecto de busca da liberdade.
A ciência promove a independência e o espírito crítico, de que precisamos como
de pão para a boca. A Gradiva não se limitou a publicar os melhores autores
estrangeiros. Promoveu também autores nacionais, antigos como o referido Bento
de Jesus Caraça, mas também modernos como João Lobo Antunes, António Manuel
Baptista, Jorge Buescu, João Magueijo, Jorge Dias de Deus e Nuno Crato. O
crescimento da ciência nacional foi visível através da sequência dos livros da colecção.
Se nos primeiros cem volumes, havia apenas oito livros de autores portugueses,
nos segundos já havia 32! Basta olhar
para a lista de títulos para se perceber como a ciência cresceu em Portugal. Quase
não tínhamos ciência em Portugal e hoje temo-la. É uma das nossas garantias de
liberdade.
Sou suspeito para falar da colecção, pois
colaborei com o editor e com vários autores na selecção de alguns títulos, na
tradução, na prefaciação ou na revisão científica, além de ter sido autor de
alguns volumes. Quando o director da Gradiva me pediu para dirigir a colecção a
partir do número 200 não hesitei em responder afirmativamente, porque o
projecto de cultura científica subjacente à colecção não perdeu actualidade: se
teve o seu Big Bang em 1982, tem de
prosseguir hoje com renovado vigor. Num mundo em transformação, onde as editoras
não estão isentas à crise geral e onde a ciência tem algumas dificuldades em
aparecer socialmente, em contraste com os anos 80 quando ela era entre nós
novidade e a esperança luzia, continua a fazer pleno sentido levar ao grande
público as últimas novidades trazidas das fronteiras do conhecimento humano
pelos seus mais bravos exploradores, em temas cosmológicos e de estrutura da
matéria, da complexidade e da computação, do planeta e do ambiente, da genética
e das neurociências, da medicina e da saúde, etc. Não podemos ser cidadãos de
parte inteira se não soubermos o que se vai sabendo. A aposta nos autores
portugueses vai continuar. Não querendo
revelar muitos segredos,. anuncio os dois próximos volumes da colecção: neste
Ano Internacional da Estatística, sairá um clássico da divulgação da
estatística que, vai-se lá saber porquê, não tinha tido edição entre nós: Como Mentir com a Estatística, de Darren
Huff. O leitor encontrará aí antídoto contra os vendedores de banha de cobra na
política, na economia e na sociedade, que nos andam a enganar com números e gráficos.
A seguir sairá O Diabo no Mundo Quântico,
do químico Luís Alcácer, que nos iluminará sobre a teoria quântica, um tema com
mais cem anos (foi há cem anos que Bohr propôs o modelo atómico) mas que continua
actual, proporcionando estranhas novidades, como a criptografia, a computação e
o teletransporte quânticos. A ciência vai, entre nós, continuar aberta.
2 comentários:
Olá!
Aproveito para dar os meus parabéns à Gradiva e à sua grande coleção Ciência Aberta, de que fui entusiasta leitora (descobri aqui que a minha geração se chama "geração Gradiva" - até aqui só conhecia a "geração rasca" do senhor Vicente Jorge Silva).
Boa sorte para os próximos duzentos livros da coleção! Sugestões para tradução:
"Quantum Generations", Helge Kragh
"The Quantum Quark", Andrew Watson
"Out of the Shadows", Nina Byers and Gary Williams, ed.
"Astronomy Through the Ages"
"The Ten Most Beautiful Experiments", George Johnson
"What is life?", Erwin Schrödinger
Certamente que ciência resulta a priori na condição disciplinar. Há os que gostam mais a outros e de motivo para aprender ciência ?! Eis! Nasce naturalmente onde a esfera do discernimento dialoga impulsionada da competência existencial e por isso aprender ciência é necessário.
O selo Gradiva estabelece a importante tarefa na dinâmica do conhecimento humano da boa leitura.
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