terça-feira, 13 de agosto de 2013

HÁ 95 MILHÕES DE ANOS, NA REGIÃO DE CARENQUE (SINTRA)


Foram muitas, nos últimos 16 anos, as tentativas junto dos governos central e local (Sintra) para salvar a importante jazida de Pego Longo, na vizinhança de Carenque. Todas elas infrutíferas, demonstrando a total falta de sensibilidade e de interesse dos responsáveis pelo nosso valioso património geológico e paleontológico. Nos tempos difíceis que estamos a atravessar, fruto da actuação de uma classe política incompetente e, parte dela, ao serviço dos grandes interesses que governam o mundo de hoje, não faz sentido insistir neste mesmo propósito, solicitando dinheiros do Estado (que tanta falta fazem em múltiplos sectores da vida nacional) a fim de mostrar umas centenas de pegadas de dinossáurios ao nosso público e aos estrangeiros que nos visitam.

Vedar o acesso ao local
Uma atitude, porém, pode e deve ser feita, com um mínimo de gastos, e que consiste em proteger a jazida das intempéries e do vandalismo, impedir o despejo de entulhos e lixos e vedar o acesso ao local. Assim sendo, quando daqui a uns anos, a crise passar e um escol de políticos dignos desse nome repuser a dignidade a Portugal e aos portugueses, talvez se possa dar início à projectada musealização do sítio, desde 1997 classificado como Monumento Natural (Decreto n.º 19/97, de 5 de Maio). Nesta perspectiva vale a pena recordar o significado deste importante património.

Há cerca de 95 milhões de anos, no Cretácico, esta região e, como ela, parte da actual Estremadura, era baixa, ribeirinha, plana e alagadiça, numa transição do meio continental para o marinho. O clima era quente e húmido e a vegetação abundante. O oceano Atlântico não tinha ainda, na sua progressão de abertura para norte, separado suficientemente os continentes norte-americano e euro-asiático. Havia, sim, no que é hoje a orla ocidental de Portugal, uma penetração do mar limitada, a Oeste, por terras actualmente do lado de lá do Atlântico, na Terra Nova e no Labrador, e a Leste, pelo bordo ocidental da Ibéria.

É nesta espécie de estreito e extenso golfo que se passa grande parte da história geológica desta orla onde, 15 milhões de anos mais tarde, se começou a formar a Serra de Sintra e 25 milhões de anos depois, muitos vulcões derramaram extensas e espessas camadas de basalto alternantes com outras de piroclastos, entre Lisboa e Mafra. Ao deslocarem-se nas margens dos rios, lagos ou lagunas litorais, os animais deixaram impressas as suas pegadas no chão húmido, ou mesmo na vasa do fundo de zonas pantanosas.
Pegadas de um bípede conservadas numa camada de
calcário argiloso muito frágil

Esses sedimentos, ao secarem, e sempre que o acaso permitiu a sua cobertura por novos depósitos, ficaram protegidos e, com eles, as pegadas. A evolução geológica da região conduziu a que estas ficassem sob grande espessura de sedimentos marinhos, testemunhos da invasão pelo mar durante mais alguns milhões de anos, sedimentos que se transformaram em calcário ao longo do tempo, através de processos lentos e complexos que nos permitem reconstituir essa evolução. As pegadas de Pego Longo (Carenque) foram deixadas sobre terrenos planos, horizontais e sub-horizontais e, se hoje as encontramos numa superfície inclinada é, tão-só e apenas, porque esses terrenos foram deslocados da sua posição inicial, aquando da elevação do maciço de Sintra. Estas marcas, postas a descoberto pelo trabalho de lavra da pedreira, têm o valor de fósseis com o maior interesse na pesquisa da referida história geológica, informando-nos ainda sobre o paleoambiente preferido pelos animais que as deixaram.

Pegada tridáctila de carnívoro com cerca
de 25 cm de comprimento.
É esta a história do nosso velho passado que se pode ler e contar nesta importante jazida. Foi este capítulo da caminhada do “planeta azul” que esteve prestes a perder-se em nome do “progresso” (a construção da CREL) e que, os media, a opinião pública e o bom senso acabaram por salvar. Depois dos milhões gastos com a abertura dos dois túneis, os custos da musealização representam muito pouco, além de que a respectiva obra pode ser faseada no tempo.

                   Esboço do projecto do Museu e 
               Centro de Interpretação de Pego Longo.
O projecto do Museu e Centro de Interpretação de Pego Longo (Carenque), da autoria do arquitecto Mário Moutinho, apresentado à Câmara Municipal de Sintra em 1997, aprovado por esta Autarquia em 2001, e ali esquecido numa qualquer gaveta, faz agora dezasseis anos, caracteriza-se por um conjunto de equipamentos do maior interesse.

O pegarium é uma estrutura leve, transparente, de metal e vidro, cobrindo as pegadas a fim de as resguardar das intempéries. O edifício principal dispõe de um auditório, de salas de exposições temporárias e de outras dependências adequadas a este tipo de equipamentos. O poço, escavado na rocha, sob o edifício principal, é uma escadaria em espiral que permitirá a observação directa dos aspectos litológicos, paleontológicos e estruturais do substrato local. Ao descê-lo, o visitante vai observando camadas sedimentares sucessivamente mais antigas, ou seja, vai recuando no tempo até à época dos dinossáurios que aqui viveram. O jardim dos minerais e rochas é um espaço ao ar livre destinado a mostrar as rochas e os minerais da região, com relevo especial dado à Serra de Sintra, e explicar a evolução geológica desta parcela do território. O jardim do Cretácico constituirá um mostruário das espécies botânicas vindas desse tempo, complementado com réplicas de dinossáurios e de outros animais seus contemporâneos.

Os dois túneis da CREL em Carenque
Numa época em que o turismo de natureza cresce significativamente por todo o mundo, o potencial desta jazida, como pólo de atracção para este tipo de actividade económica, é grande e é maior, ainda, se tivermos em conta a sua situação privilegiada às portas de Lisboa, numa região tão procurada como é a do grande concelho de Sintra, representando para Portugal uma significativa mais valia. Assim o demonstram outros equipamentos congéneres existentes em países que já despertaram para o significado do património natural, num mundo tornado pequeno pelos progressos ao nível dos transportes e das comunicações. Em boa hora, aquando da construção da CREL, a BRISA entendeu distinguir esta obra com uma alusão artística à causa que determinou a abertura daqueles túneis, o que mereceu, desde logo, o mais vivo aplauso.

Foi assim que o arquitecto Alves Baptista, da firma "Frederico Valsassina", concebeu dois dinossáurios gigantes enfrentando o trânsito que os atravessa, numa estilização formal, de grande rapidez de leitura, sugerindo o atravessamento dos seus corpos pelo recurso a referências anatómicas colocadas nas entradas e saídas de cada túnel. O efeito conseguido não podia ser melhor.

A. Galopim de Carvalho

2 comentários:

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Professor Galopim de Carvalho o senhor estudou em Évora ?!

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Lamento da questão. Afinal seria de rememorar posto que o colégio de Évora deu-se em atividades à partir de vinte oito de agosto do ano da graça de 1553.

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