domingo, 18 de agosto de 2013

A CADEIRINHA DA “PROMETIDA”

Texto enviado pelo Professor Galopim de Carvalho que o De Rerum Natura muito agradece.
               A cadeirinha de “prometida” (2,1x2,1x5,2)
Símbolo do contrato pré-matrimonial no Alentejo, na primeira metade do século XX, talhada à navalha, em madeira, numa única peça, a cadeirinha de “prometida” testemunha uma arte, sobretudo, de pastores, ainda viva nos anos 50 em que, embora na cidade, também ao jovens casadoiros da minha geração percorreram todos passos de uma tradição recordada no texto de Hernani Matos no seu blogue “Do Tempo da Outra Senhora”.

Felizmente para os jovens de hoje que os costumes, no que diz respeito a esta fase da vida, mudaram radicalmente. Já lhes basta a infelicidade que lhes está a ser imposta por uma classe política sem preparação nem ética, responsável pelo aniquilamento das suas perspectivas de vida, a começar pelo espectro do desemprego.

Mas detenhamo-nos sobre o belo texto de Hernani Matos.

“Campos do Alentejo na primeira metade do século vinte. Um moço que num rasgo de olhar, vislumbra uma moça, na qual existe qualquer coisa que irreversivelmente o atrai e o fulmina. É tiro e queda. Passa a segui-la como um perdigueiro que segue a caça. Pisteiro, procura dirigir-lhe palavra. Mas manda a tradição que a moça, apesar de se sentir atraída por ele, lhe dê um ou mais cabaços (negas). Todavia, «Quem porfia sempre alcança» e um dia, os sentimentos do moço são retribuídos pela moça e o amor irrompe como um vulcão. Ela dá-lhe trela e ele recebe luz branca para lhe fazer a corte. Derretem-se um pelo outro, mas procuram encontrar-se em segredo, longe das bocas do mundo, para que a família dela não saiba antes do tempo próprio. E as coisas assim continuam até que um dia, deixam de ter medo que os outros saibam e passam à condição de «conversados», encontrando-se às claras, na pausa dos trabalhos do campo, no regresso dele, junto à fonte ou na igreja, nos domingos e dias santos. É a época em que o moço oferece à moça, objectos utilitários de arte pastoril, finamente lavrados: dedeiras para a ceifa, rocas e fusos, ganchos de fazer meia ou caixas de costura, que ele próprio confecciona se da arte pastoril tem o jeito ou que encomenda a alguém, no caso de não o ter. Ela retribui com prendas finamente bordadas, tais como uma bolsa para o relógio, para a tabaqueira ou para as moedas. E na comunhão do amor perene, qualquer deles usa e ostenta com orgulho, as prendas que recebeu do outro e que «selam» a sua condição de «conversados». A instâncias da moça, com o apoio da mãe primeiro e do pai depois, os pais dão autorização para que os «conversados» falem à janela ou à porta de casa, seja ela na vila ou no monte. E as coisas assim vão prosseguindo até que o estado psicológico do par atinja o ponto de rebuçado. Nessa altura, o moço pede aos pais da moça que lha dêem em casamento. Estes, naturalmente, protagonistas activos ainda que ocultos, desta saga amorosa, concedem-lhe a graça solicitada. A moça passa então da condição de «conversada», à condição de «prometida». Só então o par recebe autorização para conversar dentro da casa dos pais da moça. E para «selar» o contracto pré-matrimonial, o moço oferece à sua «prometida» uma cadeirinha em madeira que ela passará a usar, presa na fita do chapéu de trabalho, até à altura do matrimónio. Esta a fórmula encontrada pela sábia identidade cultural alentejana, de dar a conhecer à comunidade que a moça já estava «prometida» e que em breve iria casar”.
A. Galopim de Carvalho

2 comentários:

perhaps disse...

Tão bonito! Até parece, pelas palavras do professor, que o amor no Alentejo era o máximo do romantismo. A ideia da cadeirinha no chapéu.

E talvez que o amor alegria num mundo tão sofrido. Se lhe retirarmos o contexto da pobreza, de os irmãos esperarem uns pelos outros para ir dançar porque o par de sapatos era de todos. De haver fome e miséria, de se comprar sempre fiado e já não se ser dono do dinheiro das empreitadas e jornas antes delas começarem. De estar na praça à espera de trabalho, a aceitar qualquer preço, e não o ter. De tanta coisa antes e depois do amor.

Que, ainda assim, o amor seja a cadeirinha onde nos sentamos a descansar das agruras da vida que não se escolhe mas gostamos de pensar que sim. E não me refiro ao amor nupcial ou de conversados. Amor dos homens que preserva e cuida indistintamente. Talvez um sonho. Quem sabe.

E não era assim o namoro em todo o lugar do Alentejo. Usos havia em que nunca antes do casamento se entrava na casa da prometida. Chovia e eram molhas terríveis que nem um guarda chuva se emprestava ao pobre rapaz:)

Bom Dia

Cláudia da Silva Tomazi disse...

Em que valha-nos da habilidade o bem apreciado é arte.

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