sexta-feira, 23 de agosto de 2013

COSMOS - A SÉRIE MÍTICA DE CARL SAGAN VOLTA EM 2014


Com a devida vénia, divulgamos o artigo de Nicolau Ferreira do Público de ontem:

A série Cosmos, que em 1980 se tornou um sucesso mundial, vai ter continuação. Os 13 novos episódios serão apresentados por Neil deGrasse Tyson, astrofísico e divulgador de ciência norte-americano, que estará aos comandos da nave espacial criada por Carl Sagan na série Em 1980, Carl Sagan dizia: “A água parece convidativa.” O astrofísico e famoso divulgador de ciência, falecido em 1996 com 62 anos, referia-se ao Universo, no primeiro episódio da série Cosmos: Uma viagem pessoal. Os 13 episódios que passaram na televisão, onde Sagan explicava o início do Universo, o aparecimento da vida, a importância da ciência ou por que é que a humanidade tinha o dever de manter a paz, marcaram para sempre a divulgação da ciência. Sagan, a mente por trás da série, pedia ao espectador para olhar para as estrelas e convidava-o a sonhar com futuras viagens interestelares. Poucos anos depois de se ter caminhado na Lua e quando já se enviava robôs para outros planetas, o cientista desejava que a espécie humana — pó das estrelas tornado consciente — mergulhasse neste mar gigante que é o cosmos.

Mas mais de 30 anos depois, as missões propostas por Carl Sagan parecem postas de lado. O financiamento científico está contraído em muitos países e os voos que a agência espacial NASA ambiciona são mais baixos. Para contrariar esta tendência, Ann Druyan, a terceira e última mulher de Carl Sagan, que esteve envolvida na série original, voltou a esta viagem inventada pelo marido. Cosmos vem aí, com 13 novos episódios a estrear na Primavera de 2014.

“Demos tantos saltos na década de 1960. Havia uma certa audácia e confi ança, e tivemos entretanto uma falta de confi ança”, afi rmou Ann Druyan na convenção Comic-Con Internacional, que teve lugar em Julho, em San Diego, nos Estados Unidos. “Parte dessa falta traduzse num retrocesso em direcção ao medo, à ignorância, à superstição, ao pensamento mágico. A nível cultural existem ciclos, onde as pessoas estão prontas para se abrirem [ao conhecimento] e andarem para a frente, e ciclos em que regridem. Acho que estamos prontos para voltar ao caminho, essa é a mensagem de Cosmos.”

Druyan falou depois da apresentação na convenção do trailer da nova série chamada Cosmos: A Spacetime Odyssey. Ao seu lado estava Neil deGrasse Tyson — famoso astrofísico e divulgador de ciência norte-americano que vai ser o protagonista da série, ou seja, estará no lugar de Carl Sagan — e Brannon Braga, director executivo da rede televisiva Fox, que está a produzir os novos episódios juntamente com o canal National Geographic.

Brannon Braga, que nasceu nos Estados Unidos, mas tem origem portuguesa, foi produtor executivo e guionista das séries 24, Flashforward, Treshold, além de ser o criativo de centenas de episódios de diferentes séries televisivas do universo Star Trek. Outra estrela envolvida na produção da novo Cosmos é Seth MacFarlane, criador das séries animadas da Fox para adultos Family Guy, American Dad! e The Cleveland Show, que diz ser um fã do Cosmos.

Sabe-se pouco sobre a nova série. O trailer, de três minutos e 24 segundos, mostra Neil deGrasse Tyson numa nave espacial que, de acordo com o astrofísico, pode viajar para o passado e para o futuro consoante o seu pensamento. A nave é a nova versão do veículo onde Sagan se movia na série original. Vêem-se ainda planetas, estrelas, uma descida a Marte, mas também o oceano terrestre, uma seara e uma árvore. Há imagens que parecem mostrar a fisiologia humana e os microrganismos.

Os efeitos especiais saltam à vista e são intercalados com desenhos animados sobre a evolução humana com cenas de caça dos nossos antepassados ou de um auto-de-fé. Na convenção Comic-Con, Brannon Braga explicou esta inovação. Nas passagens da série sobre o passado, os criadores resolveram recorrer a desenhos animados com o estilo dos graphic novel da banda desenhada. No trailer aparece ainda Tyson a caminhar sobre uma versão melhorada e tridimensional do calendário cósmico, um conceito que Carl Sagan utilizou primeiro no seu livro Os Dragões do Eden e que depois levou para a série. O calendário cósmico divide em 12 meses o tempo desde o Big Bang, ocorrido há 13.800 milhões de anos, e hoje, e ajuda a ter uma perspectiva dos períodos de tempo que separam os grandes acontecimentos do Universo e da Terra.

Assim, se o Big Bang aconteceu a 1 de Janeiro, a origem da nossa galáxia, a Via Láctea, ocorreu a 1 de Maio. O nosso sistema solar apareceu a 9 de Setembro e a Terra nasce cinco dias depois. A origem da vida terá sido por volta de 25 de Setembro e os primeiros vertebrados surgiram a 19 de Dezembro. Os dinossauros extinguiram-se a 28 de Dezembro e, fi nalmente, os primeiros seres humanos apareceram às 22h30 do último dia do ano.

Série continua actual

“Esta série é sobre o mesmo, mas contamos uma data de novas histórias, estabelecendo coordenadas de base, para depois saltar mais longe a  partir delas”, resumiu Ann Druyan, autora e produtora executiva.

O Cosmos foi um fenómeno. Quando se estreou na PBS, uma televisão pública norte-americana, tornou-se a série mais vista de sempre nos Estados Unidos, e manteve esse estatuto até 1990, quando foi destronada por A Guerra Civil. Ganhou três Emmy e um Peabody. Desde então já foi vista por 750 milhões de pessoas em 175 países. Hoje está disponível no YouTube.

Por trás deste sucesso esteve um guião bem feito — que, além de Sagan, contou com Ann Druyan e Steven Soter, astrofísico também envolvido no novo projecto —, bem como uma produção de três anos com 150 pessoas. Houve filmagens em 40 lugares espalhados por 12 países, o uso inovador de efeitos especiais e o génio de Carl Sagan.

“O grande êxito de Cosmos devese à personalidade de Carl Sagan, que tem uma capacidade de persuasão incrível”, sublinha ao PÚBLICO o físico Carlos Fiolhais, da Universidade de Coimbra e actual editor da colecção Ciência Aberta da editora Gradiva, onde foram publicados os livros de Carl Sagan, incluindo o Cosmos, uma versão escrita da série, editada no mesmo ano.

“Pôs a sua inteligência ao serviço da comunicação e passou essa inteligência para nós. Sentimo-nos inteligentes ao ler o Cosmos”, refere o físico, que ainda hoje mostra partes da série aos jovens quando faz divulgação de ciência. “Fixa-lhes a atenção. Continua actual e fresco.”

As primeiras palavras de Carl Sagan na série ainda ressoam em nós: “O cosmos é tudo o que existe, existiu ou existirá.” Durante 13 episódios, o cientista, numa linguagem simples mas cientifi camente correcta, fala sobre estrelas, planetas, galáxias, evolução, ADN ou moléculas orgânicas. Visita a Grécia Antiga e vai até Marte, explica as raízes do método científico e aborda temas que lhe eram caros, como a possibilidade da existência de vida noutros planetas ou a capacidade destrutiva do homem, tão presente durante a Guerra Fria, quando, muitas vezes, parecia estar iminente um confl ito nuclear. “Somos nós que nos responsabilizamos pela Terra. Devemos a nossa obrigação de sobreviver não só a nós próprios, mas ao cosmos, vasto e antigo, de onde despontámos”, defende Carl Sagan, encerrando o último capítulo.

 Para Neil deGrasse Tyson, estamos numa altura óptima para voltar à viagem inventada por Carl Sagan. “Não queremos esperar mais de uma geração para contar de novo a história de quem somos e onde queremos ir neste Universo”, disse o astrofísico na Comic-Con.

Tyson é um reconhecido divulgador de ciência, já ganhou vários prémios, além de ser o director do Planetário Hayden do Museu Americano de História Natural de Nova Iorque. O seu estilo é completamente diferente do de Carl Sagan – é fisicamente possante, mistura humor e gesticulação com um toque de pregador e tem grande facilidade em lançar sound bites no discurso. “É talvez uma das maiores figuras da divulgação de ciência de hoje”, diz Carlos Fiolhais. “Mas tem a sombra de Sagan por trás.”

O norte-americano é um acérrimo defensor do cepticismo, da procura do erro, do papel da razão na ciência. Mas, tal como Sagan, não deixa de ser um sonhador. “Hoje em dia ninguém anda a sonhar com o futuro. A NASA sabe como é que se sonha com o futuro”, disse em 2010 numa conferência na Universidade de Buff alo, em Nova Iorque, onde defendeu que haja mais dinheiro para a agência espacial dos Estados Unidos. Todavia, há um lado pragmático quanto à escolha do seu público, quando está a divulgar ciência. “Os adultos sempre foram o meu objectivo. Porque não há nada mais perigoso do que um adulto no poder com iliteracia científi ca”, referiu em Julho em San Diego.

Pode, por isso, antecipar-se o carácter universal do próximo Cosmos. Simples, informativo, ambicioso, científico e sonhador. Afinal, somos uma espécie inteligente — a única que, para já, conhecemos —, a viver à volta de uma estrela de meia-idade, num braço da Via Láctea. O que queremos fazer com o futuro, para onde queremos olhar e como podemos tornar o mundo melhor? “O século começou com a queda das Torres Gémeas [em Nova Iorque] e instalou-se uma nova confusão nos assuntos humanos que impediu de olhar para as estrelas”, avalia Carlos Fiolhais. “Há muitas coisas a dividir as pessoas neste planeta, mas a ciência é um assunto que une.”

O físico português espera ver tratados na série os novos temas que se tornaram importantes nos últimos 30 anos na física, como a energia negra e a matéria negra: “Tenho uma enorme curiosidade.” O cosmos continua a chamar por nós.

2 comentários:

Pedro disse...

No título - Carl e não Car

perhaps disse...

Agrada-me a ideia de sermos “pó de estrela tornado consciente”, ínfimos grãos universais. Partículas que sabem que são partícula. Uma alegre tragédia.

“O cosmos é tudo o que existe, existiu ou existirá.” (…)Devemos a nossa obrigação de sobreviver não só a nós próprios, mas ao cosmos, vasto e antigo, de onde despontámos”.

Comentar, só desnivela.

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