Um estado paternalista que interfere nas nossas vidas e atuaA. C. Grayling
como uma ama-seca não pode aceitar que as pessoas tomem as
suas próprias decisões, assumam os seus próprios riscos e
aceitem responsabilidade pelas consequências.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
O QUE É FEITO DA CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS?
Passaram mil dias - mil dias! - sobre o início de uma das maiores guerras que conferem ao presente esta tonalidade sinistra de que é impossí...
-
Perguntaram-me da revista Visão Júnior: "Porque é que o lume é azul? Gostava mesmo de saber porque, quando a minha mãe está a cozinh...
-
Usa-se muitas vezes a expressão «argumento de autoridade» como sinónimo de «mau argumento de autoridade». Todavia, nem todos os argumentos d...
-
Cap. 43 do livro "Bibliotecas. Uma maratona de pessoas e livros", de Abílio Guimarães, publicado pela Entrefolhos , que vou apr...
37 comentários:
Caro Desidério,
Pressupor que os cidadãos são pessoas bem informadas, letradas, e que tomarão sempre boas decisões também é uma utopia. Uma coisa é a teoria e o desejável, outra coisa é a prática, a vida real e as suas consequências.
Convinha definir de uma vez por todas, afinal, qual é o papel do estado e os seus limites. Senão parece-me que estamos a fazer a apologia da anarquia. O que não tem nada de mal, por si só, se for justificado. Em alguns casos, nalgumas comunidades restritas uma anarquia poderia funcionar perfeitamente, grupos auto-regulados.
A questão que lhe coloco, então, é simples: no nosso mundo actual, cada vez mais globalizado, e em que os estados cada vez têm menos papel interno e mais cooperativo devido a outros poderes, qual deveria ser idealmente e realisticamente o papel do estado Português, dado o seu contexto externo, e o nível conhecido de literacia da sua população?
Qual é exactamente o papel e ideologia que preconiza para o nosso estado?
O problema principal do estado português sempre foi o paternalismo. O que temos é precisamente falta de iniciativa, de autonomia e de liberdade mental. O dilema que sugere -- paternalismo ou anarquia -- é falacioso, pois no meio desses dois extremos temos um estado que visa a autonomia das pessoas e as protege de ameaças alheias, mas não de si mesmas.
Como expliquei no meu livro Filosofia em Directo, o paternalismo generalizado, por mais bens que nos traga, traz-nos sempre o mal inevitável de retirar a autonomia às pessoas. E sem autonomia das pessoas ficamos todos pior.
Assim, o estado português deve informar, mas não obrigar, as pessoas, em tudo o que elas façam que não prejudique terceiros, mas apenas a elas mesmas. As únicas excepções, como expliquei no meu livro, são medidas de paternalismo localizado (como usar cinto de segurança), que não tenham como resultado óbvio a infantilização da população.
O mais engraçado de quem tem medo da autonomia das pessoas é julgar-se sempre detentor da verdade. E isto num país onde as piores decisões económicas, científicas e políticas nunca foram tomadas obviamente por outras pessoas a não ser pelas elites do país.
Vale a pena acrescentar o seguinte: pressupor que quem se opõe ao paternalismo é porque supõe que as pessoas tomarão sempre as melhores decisões para si mesmas, por serem sábias e em informadas, é falhar radicalmente em compreender o que é a autonomia.
Se Deus fosse português, ninguém poderia duvidar da sua existência. Isto porque estaria sempre a intervir na nossa vida, sempre que fôssemos cair, para não magoarmos o joelho. Felizmente, Deus não é português e por isso entende a importância de nos deixar largamente entregues a nós mesmos. O estado paternalista português, que supostamente deveria ser cristão e o mais obediente a Roma, é na verdade o mais anti-cristõ que se possa imaginar, pois torna impossível a autonomia das pessoas. Ao contrário de Deus.
Ola,
Que tal procurares saber em que medida o estado resulta do exercicio da autonomia das pessoas, para ver se avanças um bocadinho na compreensão desses assuntos complicados que, manifestamente, te ultrapassam ?
Boas
Eu creio que muito pior que ter um estado paternalista é ter um estado ladrão, como tem sido e é, em larga medida, o estado português.
Ou ao serviço de ladrões, o que vem a dar no mesmo.
Aceito no entanto que isso se deva (também) à falta de autonomia das pessoas e à necessidade que julgam ter de um estado paternalista. Sendo que têm grande necessidade do estado. Mas não de paternalismo. Nem o nosso estado é paternalista (se é que alguma vez o foi...), pelo menos de um paternalismo (realmente) bem intencionado.
Estou de acordo com o Desidério. E mais, parece-me ser uma tentação crescente que o estados hoje em dia têm de serem cada vez mais paternalistas e as opiniões públicas aceitarem isso de animo leve (e inclusivamente defenderem uma concepção paternalista para o estado) e acho esta tendência extremamente perigosa.
Não sei se o estado devia ser cristão, não me parece. O que não deve ser é anticristão (nem antimulçulmasno, ou antibudista, ou ...)
"Pressupor que os cidadãos são pessoas bem informadas, letradas, e que tomarão sempre boas decisões também é uma utopia."
O que é inadmissível é o estado admitir que os cidadãos são pessoas mal informadas, iletradas ou que não tomarão boas decisões.
Isto é que é muito perigoso.
É precisamente porque o estado português é paternalista desde há séculos que é um estado dominado por ladrões e incompetentes. Um estado paternalista caracteriza-se por interferir na vida das pessoas supostamente para o seu próprio bem, em vez de as deixar bater com a cabeça na parede e aprender por si mesmas. Ora, um estado assim tem duas desvantagens principais.
Primeiro, as pessoas ficam infantilizadas e não sabem resolver os seus problemas, são incapazes de criar riqueza e eficiência, porque até para lavar os dentes precisam que o estado lhes diga como se faz.
Segundo, para poder ser paternalista o estado tem de crescer imenso, atraindo assim uma horda de exploradores que visam apenas viver à custa da riqueza que o estado roubou às pessoas, supostamente para redistribuir a riqueza, mas que na verdade é principalmente para enriquecer incompetentes que seriam incapazes de enriquecer de outra maneira.
Referi o caso do estado cristão porque o estado português sempre foi historicamente cristão. Contudo, era-o na letra, mas não no espírito. Pois se há algo óbvio acerca de Deus, se existe, é que não é paternalista: Deus não está o tempo todo a intervir para nos salvar das nossas próprias tolices. O que Deus vê é que não há outra maneira de crescermos espiritualmente a não ser aprendendo com os nossos erros, para ganharmos autonomia. Portanto, o meu argumento é que o paternalismo está de tal modo entranhado na mentalidade portuguesa que mesmo quando o estado supostamente era cristão, era afinal herético.
E' tão evidente que Deus, se existe, não é paternalista, que é universalmente considerada uma heresia grave, entre os cristãos, recitar uma oração pagã chamada "padre nosso " que reza assim
Pai Nosso que estais no céu,
santificado seja o Vosso nome,
Venha a nós, o Vosso reino,
seja feita a Vossa vontade
assim na terra como no céu.
O pão nosso de cada dia nos dai hoje.
...
Nos teus muitos anos de estudo, recebeste algum ensimamento que te permitisse familiarizares-te com uma coisa subtil e complexa chamada "realidade" ?
Boas
A minha percepção é que continuamos a falar de um Estado que não existe, de uma democracia, que não existe, porque o que existe do Estado é uma estrutura tradicional de exercício de poder e de tutela, um aparelho burocrático imenso, mas não tanto que todos estivéssemos engrenados nele como funcionários. O aparelho de Estado e seus funcionários, tanto o aparelho militar e policial, como o da educação e do Fisco tem uma estrutura diferente, por exemplo, da dos ministérios da agricultura, pescas, obras públicas, Finanças Públicas e Economia. As faces do Estado são muitas e muito diferentes. O aparelho do Estado é uma estrutura que merece análise e estudo sério. E comparativo. Mas outra coisa, muito diferente, é a rede de Estados em efetivo antagonismo de uns com os outros. E um problema talvez ainda maior são as estruturas políticas que "instrumentalizam" e "governam" esses aparelhos e essas redes. No plano dos princípios, e da arquitectura funcional das teorias, até podemos pensar que tudo gira sobre rodas, tudo obedece à lei e todos são respeitados, que não há discriminações, que temos leis justas, que são aplicadas com justiça e equidade. Que vivemos em economia de mercado...Em suma, no plano dos princípios, talvez não fosse difícil defender que vivemos, não apenas no melhor Estado possível, como até no melhor dos Estados possíveis. Mas é muito difícil defender que vivemos o melhor que é possível, com os políticos e as políticas melhores possíveis. Tudo isto não passaria de uma narrativa alimentada por uma certa coerência interna, cuja correspondência com os factos é grande ilusão.
Já quanto ao papel do Estado e às vantagens da intervenção do estado na vida e nas opções das pessoas, há inúmeros exemplos que se poderiam dar de vantagens económicas dessa intervenção e até da necessidade dela, no domínio urbanístico, nos acordos e protocolos de uniformização de padrões e medidas de componentes de máquinas e ferramentas e de materiais e de meios de pagamento e de regras internacionais de todo o tipo. Que tudo isto é perfeitamente discutível, é e é bom que se discuta sempre. Aliás, as coisas, sobretudo nos domínios políticos e das opções económicas, não têm de ser como são e o que é bom para uns é péssimo e pode ser até insuportável para outros.
Nenhum dos exemplos que dá são medidas paternalistas. Ordenamento do território, coordenação e uniformização de normas, e muitas outras coisas, não são medidas paternalistas. No caso das normas, os estados paternalistas tendem a fazer mais normas oficiais do que as necessárias, mas a justificação aí não é paternalista. Uma política, medida ou lei é paternalista se, e só se, o que a justifica é exclusivamente o (suposto) bem da pessoa que lhe terá de obedecer, e não o bem de terceiros. Eu explico o que é o paternalismo no meu livro Filosofia em Directo, com exemplos muito simples.
Na pratica, são rarissimas, senão mesmo inexistentes, as regras "paternalistas" no sentido definido pelo D.
O ensino obrigatorio, por exemplo, não é uma regra paternalista no sentido indicado : trata-se de uma obrigação que se impõe aos pais para proteger os interesses dos seus filhos menores, que são terceiros em relação a eles (ainda que estes ultimos sejam os seus representantes legais).
Não pergunto se o D. tem alguns exemplos concretos em vista porque, obviamente, isto não faz parte das preocupações que as suas reflexões tomam habitualmente em consideração...
Boas
Se a paternalismo do estado corresponder apenas a intenção de manipular e explorar os fracos - desconheço o(s) significado(s) preciso(s) do conceito, em termos de "filosofia política" -, sob o argumento de que é preciso pensar e agir por eles, em seu benefício, então estou de acordo, claro.
O paternalismo é, pelo menos superficialmente, bem intencionado: visa proteger as pessoas delas mesmas. Mas o resultado é o oposto, pois impede as pessoas de se tornarem autónomas.
Há dois tipos de paternalismo: o restrito e o generalizado. O restrito é aceitável porque talvez não infantilize as pessoas. O generalizado é sempre mau porque infantiliza as pessoas.
Um exemplo do primeiro é a obrigatoriedade de usar capacete nas motos, se esta lei tiver como justificação principal a protecção da própria pessoa e não de terceiros (há quem tenha a visão cínica de que o estado só quer poupar dinheiro com as despesas hospitalares, caso em que a medida não é paternalista).
Um exemplo do segundo tipo de paternalismo é a proibição das drogas, se a justificação for a protecção das pessoas que as querem usar (uma vez mais, é possível usar uma justificação cínica e não paternalista).
"Paternalism, in its crudest form, can be defined as coercive intervention to the behavior of a person in order to prevent an individual from causing harm to his or her self. (http://autonomy.essex.ac.uk/paternalism-2)"
Devido à cadeia de inter-relações que existe, é muito difícil que uma acção contra si mesmo não tenha uma repercussão sobre o todo social. Os casos das várias adicções poderiam ser usados como exemplos. As pessoas que possuem esse tipo de problema, que as afecta na sua vida e que as destrói, acabam, muitas vezes e pela sua decisão autónoma, por necessitar de intervenção dos serviços públicos de saúde.
O estado ao intervir coercivamente sobre essas pessoas está a ser paternalista ou está a defender os interesses de terceiros?
O conceito de paternalismo faz sentido quando se isola a acção do seu contexto social e político. Essas acções absolutamente puras e isoladas não existem, ou são tão raras que não justificam tamanha preocupação.
Eu respondo a esta confusão no meu livro. A confusão é que é irrelevante que grande parte das nossas decisões acabem por afectar indirectamente terceiros, pois noutros contextos é completamente óbvio que há decisões que só ao próprio dizem respeito, como a decisão de comer alimentos menos saudáveis, em vez de mais saudáveis, sem que o estado aí intervenha. Mas, claro, do ponto de vista dos fascistas que infestam este blog, o Admirável Mundo Novo só é mau porque ainda está longe de se efectivar.
Terá valido a pena? Faço-me sempre esta pergunta ao ler os comentários deste blog, e muitas vezes os próprios artigos do blog. Terá valido a pena o 25 de Abril de 1974, em Portugal? Desconfio que para a generalidade dos portugueses o paternalismo do estado salazarista era o melhor que o mundo tinha. A chatice era apenas o subdesenvolvimento económico. Mas a ideia de um estado que controla cuidadosamente o pensamento, os livros que se podem e não podem ler, e os que se pode e não pode fazer que só a nós mesmos diz respeito, não parece afectar grandemente os portugueses que lêem este blog. E eu acho isso assustador.
Um ser humano pleno é um ser humano autónomo. A autonomia, contudo, não é o individualismo, que tanto parece preocupar as pessoas. Na verdade, a solidariedade, a ajuda voluntária do mais necessitado, só pode ser realizada quando temos autonomia – se não a tivermos, como no estado português, somos obrigados a ajudar os outros, queiramo-lo ou não. Mas eu calculo que os leitores deste blog até sejam a favor de uma lei em que se obrigue os pais a amar os filhos, e se pague uma multa por cada manhã em que não dermos um beijinho na nossa mãe.
Quanto leio certas coisas, parece-me evidente: o povo português não merece os militares de Abril.
Quando o estado intervém coercivamente na vida de cada um, com a finalidade de proteger os interesses de terceiros, não está a ser paternalista. O estado só é paternalista nos casos em que decide intervir nas acções que só prejudicam quem as prática.
Veja-se o caso dos fumadores. Se o estado decidisse proibir o consumo do tabaco, com o argumento de que é necessário proteger a saúde dos fumadores, estaria a ser paternalista. A justificação de que é necessário estar-se atento aos custos da saúde pública não pega, pois o estado consegue - ou deveria conseguir - reequilibrar as contas aumentado os impostos em produtos como o tabaco ou as bebidas alcoólicas.
Caro Desidério,
É claro que a liberdade valeu a pena. É certo que as pessoas também podem usar a liberdade para darem cabo dela, não seria a primeira vez, nem será a última. Em tempos complicados, como os de hoje, as pessoas sentem-se mais desprotegidas e o apelo da protecção estatal (ou outros) é muito forte, ainda que não muito saudável.
A mim faz-me impressão que as pessoas nunca se perguntem duas coisas fundamentais. Primeiro, o que é ser um adulto pleno. Segundo, se quem interfere na nossa vida supostamente para o nosso bem não acaba interferindo na nossa vida para o bem deles. A confiança cega que os portugueses têm no estatismo é aterradora. Talvez as gerações mais novas, mais abertas ao mundo e à realidade internacional, sejam menos salazaristas. Talvez. Espero que sim. Por outro lado, não tenho muita esperança: a passividade dos alunos nas escolas e universidades é aterradora. Submetidos a horas e horas de tédio, desperdiçando os seus melhores anos a aprender tolices que esquecem duas semanas depois, ninguém protesta. É assustador.
Galois
«Há dois tipos de paternalismo: o restrito e o generalizado. O restrito é aceitável porque talvez não infantilize as pessoas. O generalizado é sempre mau porque infantiliza as pessoas.»
Já li um livro seu, mas não consegui comprar o Filosofia em Directo (não o encontrei em livrarias).
Pode esclarecer melhor a diferença fundamental que torna o cinto de segurança restrito e as drogas generalizado?
Talvez já tenha dito em posts anteriores. Se for o caso, peço desculpa.
Ola,
Não fui capaz de identificar os comentarios de que D. se queixa. Tanto quanto vejo, não ha ninguém, pelo menos nesta caixa, que concorde com o "paternalismo", nem tão pouco com o "paternalismo" tal como definido pelo autor do post...
O que vejo são interrogações perfeitamente legitimas : se exceptuarmos as suas versões pervertidas pelo totalitarismo (fascista ou outro), em que sentido podemos dizer que o Estado seja "paternalista" ? Que medidas estaduais verdadeiramente "paternalistas" conseguimos identificar hoje em Portugal ?
O Estado Português, como a grande maioria dos Estados da comunidade internacional, assenta hoje num principio radicalmente contrario ao "paternalismo" definido pelo Desidério, que é o principio do respeito da dignidade humana.
Trata-se mesmo do avanço mais significativo, no plano dos principios politicos, a seguir à segunda guerra mundial. Significativamente, a declaração dos direitos de 1948 (ao contrario das anteriores) entendeu sublinhar que os homens "nascem e permanecem iguais em direitos E EM DIGNIDADE". O Estado Português revê-se perfeitamente nesta proclamação, pelo menos que eu saiba...
Contudo, existem de facto algumas zonas marginais, bastante raras, onde o Estado pretende ter legitimidade para restringir liberdades de uma maneira que pode parecer "paternalista". Curiosamente, é o que acontece quando o Estado pretende limitar a liberdade em nome do respeito abstrato do principio da dignidade humana, por exemplo nas regras que procuram enquadrar a prostituição. Mas não apenas. Por vezes, a questão surge onde menos se espera. Assim aconteceu, por exemplo, no caso da municipalidade francesa que proibiu um espectaculo de "dwarf tossing" nos anos 90, o que deu origem a um acordão muito interessante do Conselho de Estado francês sobre a questão da articulação entre liberdades individuais e dignidade.
Haveria, pois, coisas interessantes para dizer sobre o assunto. Mas isso seria no caso de a questão ter sido colocada com rigor e numa autêntica procura de compreender as coisas, o que não me parece ser o caso. Com pena minha.
Boas
Estudo da Faculdade de Direito (FD) da USP delineou em quais circunstâncias o paternalismo do Estado é bem-vindo, no que diz respeito a questões como transfusão de sangue, eutanásia e uso de drogas. “Paternalismo jurídico é quando o Estado intervém na liberdade individual da pessoa por meio do direito penal”, explica o advogado João Paulo Orsini Martinelli, ressaltando que “o Estado quer educar o cidadão passando por cima de sua vontade e entende saber o que é melhor para ele”.
Segundo o pesquisador, o Estado deve considerar, em primeiro lugar, a dignidade humana e individual e a autonomia da pessoa como um direito que deve ser protegido. “O princípio de autonomia sempre deve ser aplicado, exceto em casos em que o sujeito não tenha capacidade para decidir, como é o caso de crianças, deficientes mentais ou pessoas com alguma debilidade temporária, como uma situação financeira ruim, por exemplo”. João Paulo analisou o tema em sua tese de doutorado, apresentada na Faculdade de Direito (FD) da USP, sob orientação do professor David Teixeira de Azevedo.
O estudo dividiu o paternalismo estatal em duas formas: direto e indireto. O paternalismo direto representa uma intervenção na liberdade do próprio cidadão para protegê-lo. Como a criminalização do uso de drogas, por exemplo. “O Estado criminaliza o consumo de drogas denominadas ilícitas para proteger o usuário. Com isso, o Estado também criminaliza o usuário. Quando o comportamento é criminalizado a liberdade é restringida”, diz Martinelli.
Já o paternalismo indireto almeja proteger o cidadão punindo uma outra pessoa. “É como punir o cafetão por crime de exploração da prostituição alheia”, exemplifica.
De acordo com o advogado, também pode-se diferenciar os paternalismos rigorosos e os moderados. “O paternalismo rigoroso é o mais presente no Brasil e caracteriza-se por sempre interferir na liberdade da pessoa, independente de sua autonomia, faixa etária e capacidade de discernimento”, diz. Já o moderado leva em consideração a situação individual da pessoa.
Casos Concretos
Nos casos das testemunhas de Jeová, a transfusão forçada de sangue é uma forma de paternalismo com consequências drásticas à vida da pessoa adulta, segundo o pesquisador. “As testemunhas de Jeová entendem que a transfusão de sangue é proibida pela lei Divina. Alguém que não faz parte da religião pode achar um absurdo essa atitude, mas por causa do contexto desta pessoa, ela se sentiria impura e constrangida se recebesse a transfusão”.
Martinelli ressalta que o Estado brasileiro é laico — ou seja, que não prega nenhuma religião, sendo esta de livre escolha de seus cidadãos — e deve respeitar os dogmas das diversas religiões de sua população.
No que se refere à eutanásia, o Direito brasileiro é conservador, afirma o pesquisador. A legislação brasileira não pode punir alguém por autolesão, exceto quando a finalidade é provocar uma fraude. Porém a eutanásia é considerada como algo que tira a autonomia da pessoa no futuro, e por isso é proibida, pois o médico incorre no crime de homicídio. Para o advogado, “se o Estado respeitasse a dignidade da pessoa, em primeiro lugar, a eutanásia poderia ser permitida, conforme o caso”, conclui.
Na verdade, há vários tipos de paternalismo (veja-se http://plato.stanford.edu/entries/paternalism/). Eu falo apenas de dois casos porque são os mais fáceis de entender.
O paternsalismo restrito caracteriza-se por não interferir fortemente na vida das pessoas, interferindo apenas em banalidades irrelevantes. É o caso da obrigatoriedade de usar cinto de segurança. A defesa deste paternalismo é óbvia: 1) sem interferir seriamente na vida das pessoas, 2) salva muitas vidas.
Contudo, este argumento não é generalizável para casos como as drogas, por exemplo, ou a religião. Nestes casos, a interferência do estado, seja dificultando um estilo de vida religioso, seja proibindo as drogas, interfere fortemente na vida das pessoas, o que é desde logo um mal. Além disso, tem muitas vezes a consequência de infantilizar as pessoas. No caso das drogas, por exemplo, a generalidade das pessoas não faz a mínima ideia do que é fumar uma boa ganza ou chutar uma bela heroína; apenas ouve dizer, falsamente, que é péssimo. E o mesmo se pode dizer das religiões: as pessoas que na Internet querem enfiar o ateísmo à força na sociedade não fazem a mínima ideia do que são as ideias religiosas mais sofisticadas e nem têm a experiência do contacto directo com Deus, do extâse do diálogo profundo com a divindade.
O estudo delineou em que circunstâncias o paternalismo é bem-vindo? Bem-vindo para quem? E qual é o argumento?
A definição dada está errada: “Paternalismo jurídico é quando o estado intervém na liberdade individual da pessoa por meio do direito penal”. Isto está errado porque nesse caso quase toda a lei seria paternalista, porque em quase todas as leis o estado intervém na liberdade da pessoa.
A definição correcta de paternalismo é esta:
Uma medida é paternalista se, e só se, proibe alguém de fazer algo ou a obriga a fazer algo exclusivamente para o seu próprio bem, sem que a violação dessa proibição ou obrigação prejudique terceiros.
O paternalismo é a violação do princípio do dano de John Stuart Mill, que é o axioma de partida de qualquer sociedade livre: só é permissível proibir alguém de fazer alguma coisa ou obrigá-la a fazer alguma coisa se está em causa a protecção de terceiros e nunca a da própria pessoa.
A ideia de uma sociedade livre é que os seres humanos adultos não só têm autonomia como a autonomia é um dos aspectos mais importantes para a realização de um ser humano e para uma sociedade responsável, adulta e humana. Uma sociedade de criancinhas que têm de ir perguntar ao estado a cada passo o que podem e não podem fazer ou pensar, ler ou cultivar, é certamente um passo atrás no ideal de uma sociedade melhor. Mas, claro, é um passo à frente para quem tem o gosto perverso (e paradoxalmente infantil) de mandar nos outros, tratando-os como crianças (outra discussão é saber se as próprias crianças não serão sistematicamente sujeitas a uma violência psicológica paternalista inaceitável, mas isso é outra conversa).
Galões
Ok. Restrito se a obrigação incidir sobre uma banalidade que nao impeça a pessoa de seguir determinado estilo de vida (nao prejudicial para terceiros).
A nao utilização de cinto de segurança nao pode ser considerada propriamente um estilo de vida.
Obrigado pelo esclarecimento.
Caro Desidério,
A sua pergunta choca(-me). Porque a faz a si mesmo "ao ler os comentários deste blogue", etc. Ora eu gostava que fosse mais preciso e dissesse "ao ler alguns comentários desde blogue"...
Eu sei que é um provocador. Um provocador sério e brilhante. Mas, por vezes, excessivo e até injusto. Dou-lhe um exemplo: na minha família próxima há muitas pessoas que passaram fome, muita fome, e que andaram descalças até ganharem, com o esforço do seu trabalho enquanto crianças, os primeiros sapatos. Algumas dessas pessoas sabiam muito bem quem era Salazar e os resultados da sua política. Pois lhe digo que algumas delas ficaram gratas ao "paternalismo" de Marcelo Caetano, pessoa que ainda hoje recordam com estima. E essas pessoas, algumas delas, não manifestam o mesmo pela generalidade dos democratas que nos têm servido enquanto políticos desde o 25 de Abril. Mas saiba que essas mesmas pessoas sabem quem foi Salgueiro Maia e Marques Júnior e quem é Vasco Lourenço.
Sabe, caro Desidério, não podemos culpar os cegos porque são cegos, como não podemos culpar de ignorantes aqueles a quem impossibilitámos de aprender. O que o salazarismo fez, mais do que paternalismo, foi impedir as pessoas de aprender. E, nessa matéria, a "escola" da democracia, que eu conheço muito bem, na sua realidade concreta, faz rigorosamente o mesmo, sob uma capa de liberdade e autonomia. Por isso me entristece que fale assim. E quando assim fala vejo-o como um menino mimado que terá lido muito e vivido muito,seguramente, mas que não viveu certas realidades, realidades que eu estou em crer que ensinam tanto ou mais do que grande parte dos livros à disposição de qualquer mortal...
Como quer o Desidério que as pessoas não desejem paternalismo? E não se "chorem"? E não queiram "a mama" do estado ou de quem quer que seja?, se ainda não foi possível fazê-las sair das "cavernas" dos seus condicionalismos?...
É claro que uma pessoa, sobretudo se se trata de um professor (mesmo que do ensino secundário) sente ganas de trepar às paredes, por ver o que vê... Mas são ossos do ofício.
E outra coisa: alguns dos militares de Abril, repito, alguns deles, também não são (ou não foram) merecedores da revolução em que participaram. Assim mesmo estou-lhes grato.
Como lhe estou grato a si.
Muito obrigado pelas suas palavras. Mas acho que há um mal entendido aqui. É que a miséria portuguesa é o resultado do paternalismo. Pois a contrapartida óbvia de se mandar nos outros é fazer deles o que queremos. Por vezes, temos até boas intenções. Mas a simples subalternidade é em si um insulto. Claro que entre os jovens de hoje que sofrem o tédio de uma escola mentecapta e os de há 60 anos, que passavam fome e não tinham sapatos, a escolha é óbvia. Viva o presente.
Mas se damos um pedaço de pão e tiramos um pedaço de alma, podemos ter dado um passo em frente, mas demos vários para o lado.
Você disse-o melhor do que eu: sob a capa da liberdade, a escola faz hoje o mesmo trabalho de menorização que antes fazia a fome e a miséria económica. E fá-lo precisamente porque não há genuína liberdade, não há autonomia: há A escola, toda igual, segundo o que querem as pessoas do ministério, e segundo o que serve os interesses monetários dos professores, mas não o que precisam e querem os jovens.
Eu penso que há um equívoco aqui no blog. Quando falo de paternalismo as pessoas parecem pensar que se trata de atacar políticas sociais, mas não tem nada a ver com isso. Uma política, para ser social, não precisa de ser paternalista. Uma política é social quando tem como resultado melhores condições de vida, mais dinheiro para as pessoas. Isto não tem de ser feito de maneira paternalista, e geralmente não o é.
Uma coisa é certa,
Ainda que sejam discutiveis, como com certeza são, as regras do ensino em Portugal não têm rigorosamente nada de "paternalista" no sentido aludido no post...
Compreender o 25 de Abril é talvez começar por compreender as bases do ordenamento politico que a revolução nos legou, que são essencialmente liberais e se reclamam do Estado de direito e que, precisamente nessa medida, se distinguem do fascismo.
Mas o que é isso ao pé dos caprichos de um menino mimado que julga que fazer filosofia é atirar frases à toa, sem a minima preocupação de procurar saber se elas correspondem à realidade e que desata a chorar e a armar-se em vitima de cada vez que os factos infirmam as suas hipoteses mais ou menos engenhosas ?
Não ha paciência para tanta arrogância.
Por mim, provavelmente com grande satisfação do Desidério e dos seus séquitos, deixo de comentar os seus posts.
There are more things...
Julgo que os portugueses (como um todo) nunca estiveram envolvidos numa verdadeira luta pela liberdade e culturalmente não estão apegados a essa busca, digamos que a passagem razoavelmente tranquila de um estado paternalista (de direita) para a democracia não foi o suficiente para que esse apelo (da liberdade) fosse claro.
Agora, já longe desse período o importante são a resolução para os problemas mais fundamentais como o acesso ao trabalho e aí surge a tentação de esperar e exigir a protecção estatal (em detrimento da liberdade, que para alguns pode, agora, parecer acessório).
O Desidério faz do paternalismo um espantalho de todo o tamanho, como se fosse uma questão central e gravíssima do Estado português e de Portugal, mas quer dar lições de moral a toda a gente e, quando se vai a ver, os exemplos de paternalismo que aponta, além de serem escassos, são muito forçados. É aqui que tudo falha e o paternalismo se revela um espantalho. Entretanto, faz generalizações descabidas e hostis e emite opiniões à revelia de qualquer preocupação de objetividade e rigor. Não é que não tenha direito de o fazer, desde que não afecte terceiros, mas a filosofia e a ciência não se compadecem com certas liberdades.
Atua? E a minha?
http://www.usp.br/agen/?p=64173
Há muitos problemas no mundo. Quando as pessoas estão profundamente mergulhadas nas suas preocupações diárias, sempre marcadas pelo que vêem na televisão, quase tudo o resto parece irrelevante. Eu nunca afirmei que o paternalismo é o único problema do mundo. Nem o mais grave. É certamente mais grave que neste momento crianças morram à fome. É certamente mais grave que neste momento pessoas boas estão a morrer de doenças incuráveis, com imenso sofrimento. Talvez seja mais grave que os portugueses estejam a ser vítimas de uma mistura de incompetência e ladroagem institucional, pagando uma pesada factura financeira. Há muitas outras coisas graves, portanto.
O paternalismo é uma delas, e talvez não seja a mais grave.
Contudo, está na base de muitas outras coisas. É o paternalismo que é o responsável pela situação financeira do país. É o paternalismo que é responsável pela falta de autonomia intelectual comum em Portugal, o que por sua vez significa que quando há problemas reais para serem resolvidos, cuja solução não vem nos livros estrangeiros, fica toda a gente atarantada sem saber o que fazer. É o paternalismo que é responsável por um sistema educativo ridículo, que não serve aos alunos nem à sociedade, servindo exclusivamente para dar emprego a pessoas que não têm qualquer interesse pelas ideias. Veja-se a entrevista do Carlos Fiolhais: como eu e muitos outros, a escola nunca nos interessou e não foi por ela que nos tornámos intelectuais, não foi por ela que descobrimos a ciência, o pensamento, a literatura, as artes, a história.
O paternalismo não é o único problema do mundo. Nem o mais importante. Mas é um dos problemas que está na base de muitos outros.
Citando um escritor menor e ex-ministro: Desidério, vai tomar no cu. Isto sem qualquer tipo de paternalismo, claro.
Sinceramente, o estado nunca foi pessoa de bem, o paternalismo é bom para meter no caixote de lixo, o 25 de abril foi mera ilusão, os governos governam-se bem e espezinham os povos e o ser humano talvez desde 2012 é que está a sair das cavernas e a perguntar-se se toda esta tecnocracia, servilismo, comercialismo, escravatura vale todo o sofrimento infligido aos humanos.....
Enviar um comentário