"Saul Kripke nasceu em Nova Iorque em 1940
e é um dos mais criativos e influentes filósofos analíticos do nosso tempo. O Nomear e a Necessidade é a sua obra mais conhecida. Juntamente
com o artigo «Identity and Necessity» [1] (uma apresentação mais resumida das mesmas ideias), trata-se da sua obra de
estreia como filósofo. É baseada em três palestras que proferiu na Universidade
de Princeton em Janeiro de 1970. Kripke tinha então 29 anos e já firmara uma
reputação como lógico brilhante, graças à publicação de trabalhos importantes sobre
lógica modal, lógica intuicionista e teoria da recursão.
Foi durante a sua adolescência, nos anos
cinquenta, que Kripke se interessou pela lógica modal — a lógica do necessário
e do possível, que procura formalizar o raciocínio correcto acerca das relações
entre a maneira como as coisas são, a maneira como elas
têm de ser e as diferentes maneiras como poderiam ser. Aos 18 anos, era estudante de licenciatura na
Universidade de Harvard quando conseguiu a proeza de publicar, no prestigiado Journal of Symbolic Logic, um artigo com uma demonstração de
completude para a lógica modal. A época era ideal para um jovem talentoso
alimentar um interesse por lógica modal: tratava-se de um ramo da lógica
matemática moderna que estava naquele preciso momento a desenvolver-se,
acompanhado de uma discussão filosófica muito acesa acerca do possível uso ou
das possíveis interpretações dos sistemas formais propostos.
Os principais intervenientes eram Rudolf Carnap, W. V. Quine e Ruth Barcan Marcus. Carnap e Marcus foram os primeiros a publicar, nos anos 1946-47, sistemas axiomáticos de lógica modal quantificada (quer dizer, sistemas que combinavam a já bem conhecida lógica de predicados com a lógica modal proposicional de C. I. Lewis). E Carnap tentou recuperar a ideia leibniziana de conceber as verdades necessárias como verdades em todos os mundos possíveis, para lançar as bases de uma semântica formal para esta nova lógica. Mas Quine, professor em Harvard, era muito crítico do empreendimento e considerava que o projecto de uma tal lógica pouco valor teria. Segundo Quine, a lógica modal violava um princípio básico de raciocínio, por isso, não seria possível dar-lhe uma interpretação que fizesse realmente sentido e que a tornasse uma teoria aplicável.
Os principais intervenientes eram Rudolf Carnap, W. V. Quine e Ruth Barcan Marcus. Carnap e Marcus foram os primeiros a publicar, nos anos 1946-47, sistemas axiomáticos de lógica modal quantificada (quer dizer, sistemas que combinavam a já bem conhecida lógica de predicados com a lógica modal proposicional de C. I. Lewis). E Carnap tentou recuperar a ideia leibniziana de conceber as verdades necessárias como verdades em todos os mundos possíveis, para lançar as bases de uma semântica formal para esta nova lógica. Mas Quine, professor em Harvard, era muito crítico do empreendimento e considerava que o projecto de uma tal lógica pouco valor teria. Segundo Quine, a lógica modal violava um princípio básico de raciocínio, por isso, não seria possível dar-lhe uma interpretação que fizesse realmente sentido e que a tornasse uma teoria aplicável.
Neste debate, Kripke ocupava uma posição
intermédia. Por um lado, como Carnap, Marcus e muitos outros, acreditava na
possibilidade de desenvolver uma lógica modal madura, com um sistema dedutivo e
uma semântica formal em harmonia entre si, e com uma interpretação
intuitivamente aceitável. Ele próprio trabalhava nesse sentido e, em artigos
que publicou entre 1959 e 1965, acabou por contribuir decisivamente (com
conjunto com Stig Kanger, Richard Montague e Jaakko Hintikka) para a criação da
chamada «semântica dos mundos possíveis», que se impôs como a semântica canónica
para a lógica modal. Mas, por outro lado, reconhecia a importância das
objecções de Quine.
O princípio invocado por Quine, geralmente
conhecido por princípio da indiscernibilidade dos idênticos (ou «lei de
Leibniz»), diz que se x e y são o mesmo objecto, tudo o que for verdadeiro de x será também verdadeiro de y. Aparentemente, uma das coisas que é verdadeira de qualquer x é ser necessariamente idêntico a x (pois todos os objectos são necessariamente idênticos a si próprios). Daqui
segue-se que ser necessariamente idêntico a x é uma propriedade que y também tem, já que x e y são o mesmo. Ou seja, aquele princípio tem como
consequência que todas as identidades são necessárias: qualquer afirmação de
identidade, se for verdadeira, será necessariamente verdadeira.
Mas, ao que parece, muitas identidades são
contingentes. Um exemplo disso é o que foi celebremente dado por Gottlob Frege,
da identidade entre Héspero e Fósforo. O facto de a primeira «estrela» visível à
tarde ser a mesma que a última «estrela» visível de manhã e o facto de ambas
serem afinal o planeta Vénus correspondem a descobertas empíricas feitas pelos astrónomos,
por isso, deve tratar-se de verdades contingentes, pois, como dizia Kant, a
experiência ensina-nos que as coisas são de uma certa maneira, mas não que não
possam ser de maneira diferente. Um segundo exemplo, dado por Quine, contrasta
a identidade «9 = 5 + 4» (uma verdade necessária, conhecida a priori) com a identidade «9 = o número de planetas do sistema
solar» (uma verdade obviamente contingente, já que o sistema solar poderia ter
menos, ou mais, planetas do que efectivamente tem) [2]. Um
terceiro exemplo, sobre o qual Kripke se interessou especialmente, é o da
identidade, defendida pelos materialistas como identidade contingente, entre
uma pessoa e o seu corpo, ou entre os estados mentais de uma pessoa e os
estados físicos do seu cérebro. Kripke considerava que exemplos como estes
revelavam uma dificuldade real, que precisava de ser respondida.
Em Fevereiro de 1962, Ruth Marcus visitou
Harvard e participou num encontro apresentando o artigo «Modalities and
Intensional Languages». Quine leu um comentário que veio a ser publicado com o
título «Reply to Professor Marcus». Seguiu-se uma discussão em que também
participaram Kripke, Føllesdal e McCarthy. Esta discussão foi gravada,
posteriormente transcrita, revista pelos diversos intervenientes e publicada
num volume da revista Synthese3. A participação de Kripke nesta discussão
revela bem a posição. (…)"
NOTAS
[1] Originalmente publicado em Identity and Individuation, ed. por Milton K. Munitz, Nova Iorque, New York
University Press, 1971, pp. 135-164. Reimpresso como Capítulo 1 em: Saul A.
Kripke, Philosophical
Troubles: Collected Papers, Volume I, Nova Iorque, Oxford University Press, 2011, pp. 1-26. Este
artigo baseia-se numa palestra dada por Kripke na Universidade de Nova Iorque
cerca de um mês depois das palestras de Princeton.
[2] Em 2006, a União Astronómica Internacional estipulou uma nova
definição de «planeta», de acordo com a qual Plutão deixou de ter essa
definição. Passou então a considerar-se que o sistema solar tem oito planetas.
A causa próxima desta revisão da classificação tradicional foi a descoberta de
Éris, um corpo esférico que também orbita o Sol e que é maior do que Plutão. Éris
e Plutão integram agora o grupo dos «planetas anões».
1 comentário:
Parabéns ao novo livro da Editora Gradiva. O De Rerum Natura, responde em princípio a qualidade do pensamento.
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