Meu artigo de opinião no "Público" de hoje:
“A única verdade é a realidade”
(Aristóteles, 384 a.C. – 322 a. C.).
No programa da RTP, Prós &Contras, do passado dia 12 de Novembro, intervencionaram o Secretário de
Estado do Ensino Superior, João Queirós, figuras reitorais de universidades
públicas, um representante do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, um antigo
ministro da Ciência e Ensino Superior e o presidente do Conselho Coordenador
dos Politécnicos.
Este programa tinha como um dos objectivos
estabelecer as diferenças entre as funções das universidades e dos politécnicos.
Pese embora a prestação do Reitor da Universidade Técnica de Lisboa, António
Cruz Serra, na procura de soluções para tentar
pôr cobro à “universitação dos politécnicos e à politécnização das
universidades” (Adriano Moreira), como era de esperar num programa deste género
foram levantadas questões sem haver tempo ou clima para adiantar soluções.
Julgo que uma retrospectiva sobre
a etiologia do ensino politécnico poderá ajudar a melhor situar a complexidade
desta temática. O ensino politécnico foi criado como um ensino superior curto
(2 anos), rapidamente “exigiu” um bacharelato, daí partiu para uma licenciatura
e um mestrado com a pretensão (nunca desistida) de atribuir doutoramentos
porque a legislação facilitou esta
escalada com origem na confusão nela implícita
por não estipular, preto no branco, as diferenças entre o ensino universitário e o
ensino politécnico dificultando a
necessária função reguladora do Estado.
Isto porque a Lei n.º 46/86, de
14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo), presta-se a diversas leituras, por omissão ou
mesmo intencionalidade, ao tornar
nebulosa os respectivos campos de acção. Assim:
- “O ensino universitário visa
assegurar uma sólida formação científica e cultural e proporcionar uma formação
técnica que habilite para o exercício de actividades profissionais e culturais
e fomente o desenvolvimento das capacidades de concepção, de inovação e de
análise crítica” (ponto 3. do artigo 11.º, da LBSE).
- “O ensino politécnico visa
proporcionar uma sólida formação cultural e técnica de nível superior, desenvolver
a capacidade de inovação e de análise crítica e ministrar conhecimentos
científicos de índole teórica e prática e as sua aplicações com vista ao
exercício de actividade profissionais (ponto 4, ibid.).
Nestes dois formulários, as
finalidades do ensino universitário e ensino politécnico pouco diferem ,
exceptuando a ordem que as palavras neles ocupam. Contudo, reporto-me a uma
diferença digna de nota: O ensino politécnico “ministra conhecimentos de índole
teórica e prática”, sendo o texto omisso no que respeita ao conhecimento
prático dos universitários como se fossem, apenas, futuros homens de
laboratório de bata branca, ratos de biblioteca ou técnicos de fato e gravata.
Entretanto é dada ênfase “à sólida formação cultural e técnica de ‘nível
superior’ do ensino politécnico”. Redundância desnecessária porque o ponto 1,
do artigo 11.º da LBSE determina que
“o ensino superior compreende o ensino
universitário e o ensino politécnico”, donde a formação ministrada neste último
subsistema do ensino superior não podia ser de nível inferior (agora, se o é ,
em alguns casos, isso é outra ordem de ideias).
Quanto à investigação científica,
oxigénio para os pulmões do ensino universitário, nem uma simples referência. Embora
eu reconheça, na peugada de George Canning, que possa haver “para cada problema uma solução que é fácil, clara
…errada”, não posso deixar de estabelecer
funções diferentes para coisas diferentes. Ou seja, como defendo publicamente
de há anos para cá, a atribuição de bacharelatos, mestrados e doutoramentos exclusivamente a cargo das
universidades e nos politécnicos de bacharelatos com a atribuição de diplomas
de estudos superiores especializados quando justificados. Desta forma, seria
prestada justiça à respeitabilidade das licenciaturas de antes de Bolonha que
foi desvirtuada por licenciaturas depois de Bolonha com bem menor valor académico
e prestígio social. Mas haverá coragem política para isso?
Rui Baptista
Co-autor do blogue De Rerum
Natura.
2 comentários:
Professor Rui Baptista;
Quando eu me encontrava a tirar a Licenciatura em Engenharia Civil (5 anos) apercebi-me que havia muita gente que enveredava por um bacharelato em engenharia civil, dizia-se que trazia muitas vantagens frequentar um bacharelato em detrimento da Licenciatura!!! (que o curso era mais virado para a prática, que afinal a componente prática é que era fundamental para o exercício da actividade, etc.)
Hoje acredito que a verdadeira e única vantagem do bacharelato em engenharia civil, foi permitir a muita gente ganhar dois anos na entrada no mercado de trabalho. Sim, porque na prática, três anos bastavam e deixavam os engenheiros técnicos, em igualdade para subscrever a autoria da maioria dos projectos; porque não necessitavam de uma Ordem dos Engenheiros, tinham uma associação denominada por ANET - associação nacional dos engenheiros técnicos (hoje não sei se já é Ordem por direito, ou se auto-intitula Ordem dos Engenheiros Técnicos)!!! (confesso que não tenho despendido tempo neste assunto).
Mas o que é um facto indesmentível é que houve muita gente a utilizar esta metodologia, veja-se para isso a quantidade de engenheiros técnicos que se encontram nos municípios que entraram desta forma, e mais tarde, usando o estatuto de trabalhador-estudante, permitiram-se a terminar, em muitos anos, os dois anos que lhe faltavam para a sua Licenciatura (dois anos que eram muitas vezes tirados depois numa qualquer universidade de 'vão de escada', a que estivesse mais próxima). Isto é a realidade, injusta para muitos, e oportunista para outros.
Cordialmente,
Caro Engenheiro Ildefonso Dias: Grato pelo seu comentário que vem corroborar o "pagode" de licenciaturas em engenharia de vão de escada. No ensino, então, foi um verdadeiro se te avias: em escassos meses passou-se de cursos médios a licenciaturas, com o escândalo de ultrapassarem licenciaturas universitárias em concursos para professores do 2.º ciclo do básico mercê de um único valor a mais de diploma. E sabe-se, bem, como as notas são inflacionadas nas ecolas superiores de educação relativamente às classificações universitárias...
Eu próprio, começo a acreditar que nem tudo vale a pena mesmo "quando a alma não é pequena"! A minha idade, aconselha(va)-me a não continuar numa luta perdida pelo desinteresse dos próprios "interessados". Vou espaçando, portanto, os meus post's porque deixei de acreditar que "água mole em pedra dura tanto dá até que fura".
Como escreveu o sempre por mim citado Eça, "não é um vencido que se retira - é umn enfastiado que se safa"!
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