“A educação está a ser mercantilizada mas é um bem público que precisamos de defender”
(Director do gabinete de investigação educativa da UNESCO)
Em Portugal, a privatização da/duma parte da educação básica e secundária está na ordem do dia. No debate público são avançados, as mais das vezes em tom de imposição, dois argumentos a seu favor:
1) o custo por aluno e por turma, que se diz mais baixo do que o do sector público, e
2) o direito das famílias escolherem as escolas para os seus educandos.
Atendendo aos estatutos, nem sempre óbvios, das instituições de ensino público e com contrato de associação, ao lugar dessas instituições no sistema educativo, às populações que servem ou deveriam servir, às opções curriculares que tomam, ao modo como funcionam e usam o financiamento, esses dois argumentos devem ser devidamente ponderados.
Uma recente reportagem da TVI, intitulada Dinheiros públicos, vícios privados, assinada pela jornalista Ana Leal, sobre hábeis manobras de financiamento a escolas não públicas, que se instalaram no sistema educativo, trouxe dados fundamentais para um debate que a sociedade não pode deixar de empreender.
Dos muitíssimos textos de grande interesse que essa reportagem desencadeou, detive-me num artigo de José Manuel Pureza, publicado hoje no Diário de Notícias, onde se apresentam, com a serenidade que se requer, algumas linhas que ocupam lugar central nesse debate que diz respeito a todos e a cada um de nós.
Existe, porém, uma linha que me parece prioritária e que ditará o encaminhamento reflexivo de todas as outras: a quem estamos dispostos a entregar a responsabilidade do ensino das nossas crianças e jovens?
Esta pergunta é tanto mais pertinente quando partirmos do princípio que a educação escolar, além de permitir a aquisição de conhecimentos a que damos valor e de facultar o desenvolvimento de capacidades humanas várias, contribui, em larga medida, para a estruturação do carácter.
14 comentários:
Para quem está no sistema de ensino há muito que muitos sentem e afirmam que a "escola pública" tem vindo a ser maltratada para favorecer o (negócio do) ensino privado. E vários aspetos concretos podem ser invocados para apoiar essa ideia. O menor deles não será termos milhares de escolas "todas diferentes e todas iguais", com uns documentos pomposamente chamados "projetos educativos", os quais comportam umas lengalengas a que ninguém dá importância nenhuma. E a autonomia (responsabilizante, evidentemente) das escolas nem ficção chega a ser. Há uma espécie de lixo que tudo conspurca e tudo uniformiza: nas teorias (leia-se tretas), na "diarreia" legislativa (que tem vindo a ser "mitigada"...), nos modos (rígidos) de organização, com órgãos com que ninguém verdadeiramente se identifica nem respeita, na brutalidade com que se agregam escolas que passam a funcionar com milhares de alunos, os quais vão ficar menos integrados e vão ser menos acompanhados, e por aí fora. E as coisas são tais que as escolas, diga-se os professores, nem sequer acreditam na liberdade de que poderiam usufruir. Porque não confiam no ministério, quase não mexem em coisas como a duração das aulas, que tendo 90 minutos são normalmente uma tortura..., com medo de que faltem horas para os horários de todos os professores, ou que seja mesmo essa a intenção da medida!... Igualmente, como agora se recebem "mails" às catadupas, todos os vindos das estruturas do ministério tendem a ser vistos como perigosos, desencadeando, por vezes, atitudes repulsivas.
E no entanto, a educação, um bem público, devia ser uma prioridade fundamental do estado, através da escola pública. E lá porque tem funcionado mal, não pode isso ser argumento para a pôr a funcionar pior. Especialmente quando há "pequenas" coisas que seriam muito fáceis de adotar e que dariam, seguramente, bons resultados.
Como a assumpção de que os alunos vão à escola para serem ensinados. E que a disciplina é um bem imprescindível e que tem que ser obrigatória na escola, especialmente na sala de aula. E que os alunos têm que prestar provas sobre o que aprenderam. E que os professores têm quem prestar provas de que dominam bem a língua portuguesa, são cientificamente bem preparados e são capazes de ensinar. E que estão em condições físicas e psicológicas de ensinar. E que
é absolutamente fundamental que a escola e a comunidade não afetem nem destruam as capacidades físicas e psicológicas dos professores para ensinar (pelo menos isso, se não os souberem estimar...).
Como sei que os tempos não estão para divagações como esta, lamento perante quem, ao lê-las, possa sentir-se incomodado.
Arrumem com o Construtivismo da Educação e depois falamos.
Professora Helena Damião;
Escrevia eu há poucos dias num comentário ao post - Prefácio a “Outras Terras no Universo”, e em troca de ideias com o Senhor Professor João Boaventura, o seguinte:
“Eu considero que a diferença entre cultura e civilização talvez não seja assim tanto do conhecimento geral das pessoas, ou pelo menos o desejável. São muitos os sinais que recebemos e que consentimos e que são um retrocesso civilizacional.”
Quem quer que assista ao vídeo que a Senhora nos apresenta compreende imediatamente o significado das minhas palavras.
Professora Helena Damião:
Estas situações são como a Senhora sabe características daqueles povos civilizados mas que não são cultos, veja o exemplo da diferença entre cultura e civilização que nos dá o Professor Bento de Jesus Caraça e que eu transcrevo também num comentário.
Professor José Batista;
Apercebeu-se o senhor através do vídeo o que acontece aqueles povos onde a cultura é abafada? Vê o destino que lhes está reservado?
Têm agora o senhor Professor ao menos consciência do que acontece aqueles povos cuja cultura é pertença de uma elite? E têm agora o senhor Professor ao menos a consciência do significado do que é negar a 'Escola Única'?
E porque ainda acredito que o senhor seja um «homem de boa vontade» peço-lhe que leia novamente, e com redobrada atenção, a conferencia que lhe enviei do Professor Bento de Jesus Caraça 'Escola Única'. Sem preconceitos de espécie alguma, e verá no logro em que o senhor se encontra quando nega a 'Escola Única'.
Estou solidário, e custa-me imenso a ver o tratamento que aqueles Professores (do vídeo) receberam. Espero que o senhor Professor nunca receba nada de parecido.
Todos podemos fazer alguma coisa para evitar isso, mas também está nas suas mãos Senhor Professor José Batista, que como pessoa inteligente que é, deverá lutar para que isso aconteça (e não o têm feito da melhor forma, quando para isso o Senhor Professor diabolizar a 'Escola Única').
Eu a minha parte tenho tentado fazer aqui no DRN (e socorrendo-me sempre dos ensinamentos que nos deixou o Professor Bento de Jesus Caraça).
Também agora, e porque me parece que o Senhor Professor José Batista não pertence à classe do burguês, peço-lhe que reveja a sua oposição, infundada, à Escola Única. Transcrevo-lhe o que diz BJC:
“Mais, de todos as variadas opiniões sobre a Escola Única, eu só acho lógica inteira numa – a do burguês encortiçado que a ela se põe ferozmente dizendo que a Escola será de classe enquanto o rico a pagar e deixará de o ser quando a gratuitidade for universal.
E só acho lógica inteira nesta porque é a única que corresponde, de facto, aos interesses vitais do sector donde emana.”
Bento de Jesus Caraça - esse Professor que sacrificou a sua cátedra, a sua vida...
Dizia ele:
“(...)
Mas o que não deve nem pode ser monopólio de uma elite, é a cultura; essa tem de reivindicar-se para a colectividade inteira, porque só com ela pode a humanidade tomar consciência de si própria, ditando a todo o momento a tonalidade geral da orientação às elites parciais”
Cordialmente,
*Erro de transcrição: opõe em vez de põe.
Seria interessante perceber que relação estabelece o Leitor Anónimo entre o construtivismo e o assunto em causa. O construtivismo pode ser responsável por muitas decisões contestáveis mas, tanto quanto sei, não inclui nas suas teses os tortuosos meandros do financiamento de algumas escolas portuguesas com contrato de associação. Parece-me uma interpretação algo criativa a tocar a mistificação, talvez para desviar o assunto para outro campo...
Cordialmente,
Maria Helena Damião
Professora Helena Damião;
Permita-me que também eu lhe responda.
É que o construtivismo é um GRANDE PESADELO para aquele tipo de ensino que tão bem foi descrito pelo Professor Sebastião e Silva:
[…] “O que importa focar, sobretudo, é que estamos em presença de um sistema educacional que não ensina a observar, nem a experimentar, nem a reflectir, nem a raciocinar, nem a escrever, nem a falar: ensina apenas a repetir mecanicamente, a imitar e, por conseguinte, a não ter personalidade. É um sistema. É um sistema que reprime o espírito de autonomia e todas as possíveis qualidades criadoras do aluno, nas idades decisivas em que essas qualidades deveriam ser estimuladas ao máximo: um sistema feito à medida da mediocridade obediente, que acerta o passo enquadrada em legiões de explicadores. É, portanto, um ensino em regime de desdobramento: professor-explicador (e o mais grave é que o professor já conta com o explicador). É, portanto, um ensino que favorece os passivos, os superficiais e os privilegiados economicamente, em prejuízo dos autónomos, dos inteligentes e dos economicamente débeis. Em conclusão: é um ensino capaz de atribuir 20 valores ao Conselheiro Acácio e orelhas de burro a Einstein!”[J. Sebastião e Silva]
Professora Helena Damião, pergunto-lhe como se FAVORECE então os passivos e os privilegiados economicamente, em em prejuízo dos autónomos, dos inteligentes e dos economicamente débeis?
Eu sei que a Senhora sabe;
1.- é destruindo ferozmente toda e qualquer pedagogia que se afaste do ensino medíocre, como o descreve o Professor Sebastião e Silva, (favorecendo assim os passivos);
2.- é limitando o acesso aos inteligentes mas economicamente débeis (a via económica, mas para isso à que primeiro destruir o que é publico).
3.- enfim, têm o mesmo significado o diabolizar a Escola Única.
Bem vê que as coisas estão todas interligadas.
Assim se consegue mantém a cultura apenas nuns poucos.
Aos outros (maioria) é preciso manter-lhes a vocação - que lhes dá o berço - independentemente da inteligência que tenham.
Cordialmente,
Estimado Leitor Ildefonso Dias
Já ouvi defender em público, numa conferência de grande dimensão, a orientação construtivista do Professor Sebastião e Silva, o que, imediatamente foi rebatido. Ora, esse extraordinário matemático e professor não era nem deixava de ser construtivista: era matemático e professor. As teses construtivistas, só vieram a ganhar importância nos currículos europeus e americanos depois das décadas de oitenta e, no caso de Portugal, na transição do século XX para o XXI, quando Sebastião e Silva já não estava entre nós. Portanto, relacioná-lo ou distanciá-lo das teorias pedagógicas (ou pseudo-pedagógicas) denominadas por construtivistas é um exercício puramente académico.
Por outro lado, a questão que aflorei no meu texto não é teórica, nem sequer ideológia é de outra natureza. Talvez não me tivesse explicado bem, mas não é de natureza pedagógica, nem tem nada a ver com a pedagogia. A pedagogia, como todas as ciências, tem os seus "pecados", mas não se lhe podem atribuir os que não comete.
Muito agradecida pela atenção,
Maria Helena Damião
Mas isso quer dizer que se devem fechar as boas escolas por serem privadas? E manter más escolas por serem públicas? Ou vice versa? Só interessa que as escolas sejam boas. E há, sim, um direito das famílias escolherem a escola que consideram melhor para os seus filhos. São dois argumentos irrefutáveis em democracia! Quem tem coragem de fechar boas escolas?
Professora Helena Damião;
Quanto ao que me diz acerca da orientação pedagógica do Professor Sebastião e Silva, seria importante saber quem rebateu e que argumentos utilizou. Mas porque só podemos e devemos reproduzir as palavras do Grande Mestre, permita-me então algumas transcrições do seu pensamento, as conclusões, essas são de cada um.
“Os povos que sobrevivem são os que tem maior adaptação e sabem responder adequadamente aos desafios da história. Por tudo isto a mensagem de Sócrates é de importância fundamental para todas as formas de investigação e ensino. Na educação das crianças e jovens deverá adoptar-se a atitude socrática sob a forma de métodos activos heurísticos em que a personalidade do mestre deve apagar-se o mais possível a fim de permitir que se afirme e realize a personalidade do discípulo. O método heurístico no ensino também é chamado método da redescoberta (o aluno descobre factos conhecidos que não conhece). [Heurístico vem de heúreka, exclamação atribuída a Arquimedes ao descobrir no banho o peso especifico dos corpos. O ensino deve levar a tais exclamações por parte dos alunos! Não confundir heurística com erística que é a arte da discussão sofista tendo como objectivo não a verdade mas a vitória sobre o adversário. Uma das pessoas que desenvolveu a pedagogia heurística activa foi Maria Montessori (1870-1952); foi uma grande pedagoga italiana, talvez a fundadora da pedagogia cientifica.]” (A Matemática na Antiguidade)
“12. É dialogando com os alunos que o professor acaba muitas vezes por esclarecer, para si próprio, certos assuntos que pretende ensinar. Isto não vem senão corroborar um velho preceito:
A melhor maneira de aprender é ensinar.
Haja em vista os Diálogos de Platão. No «Teeteto» é definida explicitamente por Sócrates a missão do mestre ajudar a virem á luz as ideias na mente do discípulo. E quantas vezes, no mesmo instante, não se ilumina a mente do professor!”(guia do compêndio matemática)
Ora isto, sabe a Senhora Professora Helena Damião que não é compatível com Professores com a mentalidade do Senhor Professor José Batista; pois isto constitui uma declarada HERESIA muito nociva à formação dos jovens; pois estes preferem continuar a favor do ensino tradicional a ser despojados do seu papel mais que ultrapassado.
Infelizmente, vivemos num pais em que os Professores com a mentalidade do Professor José Batista, podem «arrasar» toda e qualquer pedagogia; desde que esta se incline ou vá despojar o seu papel de transmitir às novas gerações os conteúdos que eles consideram valiosos, ou ainda incomodar a «Senhora Rotina».
E fazem-no com a maior das facilidades, porque os pais e encarregados de educação estão, na sua maioria, fora destas questões da pedagogia, e confiam-lhe os seus filhos sem reservas....
Podem portanto ser tudo; e são sobretudo Anti-tudo (Anti-Eduqueses, Anti-construtivistas …) desde que se sintam ameaçados no seu papel ou na «Senhora Rotina».
(continua)
(continuação)
Portanto, é muito pouco provável que se consiga, com acções de formação ou com outras iniciativas, mostrar a certos Professores o significado de “a personalidade do mestre deve apagar-se o mais possível a fim de permitir que se afirme e realize a personalidade do discípulo”.
Eles utilizam de forma eximia os chavões ou slogans que “simplificam” e estão por detrás de toda uma teoria pedagógica complexa para ridicularizar os investigadores que a tentam aplicar (não significa com isto que não existam muitos exageros, ou que pessoas sem preparação para o trabalho necessário o venham desempenhar; como em quase tudo a culpa nunca está num só lado).
Vale sempre aquela resposta por demais conhecida que é “toda a minha vida fiz assim, não é você que me vem agora ensinar” esquecem-se é que toda a vida fizeram mal....
É o que eu penso.
Pretendo mais tarde, o que não farei hoje, necessito de alguma reflexão, para responder à segunda parte do seu comentário.
Cordialmente,
Professora Helena Damião;
Ainda na continuação do meu pensamento, parece-me importantíssimo esta transcrição de Sebastião e Silva.[veja-se também o post do DRN intitulado “Apresentação dos anos devastadores do Eduques pela professora Celina Veiga de Oliveira”.]
“Há mas de 2000 anos Sócrates mostrou como se podem formar discípulos. Diz-se, e eu aceito, que os Diálogos de Platão fazem parte dos fundamentos da Cultura Ocidental. E, contudo, o ensino em Portugal encontra-se hoje, praticamente, numa fase pré-socrática. Aliás, é preciso notar que também Sócrates já está ultrapassado: nos Diálogos, o mestre aparece a impor discretamente o seu ponto de vista, conduzindo os discípulos onde quer que eles precisamente cheguem... Mas hoje é necessário mais: é necessário que o diálogo assente inteiramente numa base de compreensão mútua. Quer dizer: dantes, o professor falava, para que os alunos se aproximassem dele humildemente e se esforçassem por compreendê-lo; agora é preciso, além disso, que, reciprocamente, o professor se aproxime dos alunos, com humildade, e se esforce por compreendê-los, isto é, por compreender o ponto de vista de cada um deles e por encorajá-lo a sair do casulo e a encontrar por si novos caminhos; mais ainda: é preciso encorajá-lo a pôr os seus problemas e a encontrar o seu próprio caminho. Eu sei que esta ideia de o professor se aproximar dos alunos com humildade poderá escandalizar muita gente. Com efeito, quando se atribui a actual efervescência da juventude a uma crise da autoridade dos pais, dos educadores, etc., tende-se a confundir a verdadeira autoridade (que essa, realmente está em crise) com orgulho, egoísmo e arbitrariedade. Mas, não, a verdadeira autoridade não é incompatível com uma atitude mental e humana de humanidade: eu creio que o exemplo também já vem de longe; as pessoas é que continuam a sofrer de falta de memória.”
Senhora Professora Helena Damião, no post que acima refiro, repare bem na tortura a que estavam sujeitas as crianças nas mãos desta senhora professora Celina Veiga de Oliveira, e todos os disparates cometidos também do ponto de vista pedagógico.
Mas fica a pergunta, não é por um passado destes que anseiam o Dr. Guilherme Valente, o Professor José Batista, e demais Anti-construtivistas?
A verdade é que os anti-construtivistas só se conseguem ouvir quando silenciarmos personalidades como o Professor Sebastião e Silva, ou parafraseando Miguel Torga “O mal de quem apaga as estrelas é não se lembrar de que não é com candeias que se ilumina a vida”.
É disso que eu tenho a consciência – de que não é com candeias que se ilumina a vida.
Cordialmente,
Caro Leitor Ildefonso Dias
Muitíssimo obrigada pela sua colaboração. Deixou-nos matéria para reflexão importante. Ainda que distante do objecto do meu texto, beneficia a discussão sobre o ensino.
Cordialmente,
Maria Helena Damião
Defendo iniciativas como a Pedagogia Waldorf, o ensino doméstico escolas como de Sibirskij. Que aliás pouco ou mesmo nada de comum têm com o ensino que se pratica geralmente em Portugal e que a meu ver pouco dignifica a criança.
Amo quantas, coisas!
Entre (todas) a ética.
Enviar um comentário