No futuro, o ensino será muito diferente do que é hoje. Os nossos descendentes olharão para o nosso ensino com a mesma perplexidade que sentimos quando olhamos para o ensino de há apenas um século, quando era comum bater desalmadamente nas crianças, chegando a fazer sangue.
E qual é o futuro do ensino? Lamento dizê-lo, mas no futuro do ensino, os professores, enquanto categoria profissional, desaparecem. O que terá pelo menos a vantagem maravilhosa de acabar com os muitos discursos hipócritas de quem publicamente parece defender o ensino, mas na verdade está apenas a defender o seu tacho e a sua corporação.
Desaparecem porquê? Porque os professores profissionais, na maioria dos casos, não fazem coisa alguma que contribua para a formação dos alunos. Nada fazem que os alunos, seguindo a sua curiosidade natural, não fariam sozinhos, lendo.
Dois factores provocarão o fim do ensino tal como o conhecemos. O primeiro é quase invisível: o preço dos livros, sobretudo electrónicos. Poucas pessoas, sobretudo as que se queixam do preço de livros e manuais, se dão conta de que qualquer livro em papel é hoje quase 70% mais barato do que no início do séc. XX. Com os livros electrónicos, os preços irão baixar ainda mais, desde que se combata de maneira eficaz a pirataria. De modo que praticamente qualquer pessoa que queira aprender seja o que for o pode fazer sozinha, lendo.
O segundo factor é a especialização. O desenvolvimento -- cultural, económico, social -- depende crucialmente da especialização. É a crescente especialização que permite que a produtividade aumente e os preços de custo baixem. É a base da nossa riqueza actual, que era inimaginável há dois séculos. Ora, a especialização significa, cada vez mais, que as escolas em geral e as universidades em particular, no modelo actual, estão a mais. Estão a mais porque o que oferecem é um ensino em massa, genérico, não especializado. Toda a gente tem de estudar as mesmas coisas pelos mesmos livros da mesma maneira. E cada vez mais vemos que as pessoas mais criativas da nossa sociedade, cujas actividades intelectuais e criativas mudam o mundo para melhor, ou não têm cursos académicos, ou pouco ou nada aproveitaram dos que têm. No entanto, estudam muito. Estudam muitíssimo. Acontece que o estudo deles se faz exclusivamente lendo os livros relevantes para a sua aprendizagem, sem ter de aprender dezenas outras coisas irrelevantes.
Assim, no futuro, as universidades e escolas passarão a ser apenas seminários abertos, muitíssimo diversificados e sem unidade disciplinar. Seminários onde quem quer discutir e trocar ideias vai lá. Mas só lá vai para discutir e aprofundar ideias, e não para assistir passivamente a aulas que nada são senão livros orais muito maus, na maior parte dos casos.
Evidentemente, este futuro não interessa aos professores que, numa mentalidade corporativa, irão defender o modelo actual, pois é onde eles vão buscar o dinheiro. Mas este modelo é de um desperdício económico gritante, porque é ineficiente: a maior parte dos alunos limita-se a decorar meia dúzia de coisas para passar numa cadeira, esquecendo-as de seguida porque são completamente irrelevantes para ele como pessoa, como profissional, como ser humano.
Este modelo não significa, ao contrário do que se poderá pensar, o fim de estudos que não sejam de pendor prático, como é o caso da filosofia, dos estudos clássicos ou da história. Estas áreas continuarão a existir porque há pessoas que se interessam por elas, tal como a pintura existe porque há quem gosta de pintar. Apenas teremos muitíssimos menos historiadores e filósofos. Mas isto é uma boa ideia, pois na sua maior parte trata-se de pessoas que caíram um pouco por acaso na profissão que têm -- professores de filosofia, de história, disto e daquilo -- sem que tenham o menor interesse real e genuíno nas suas próprias áreas profissionais.
No futuro, teremos um mundo mais livre. Se entretanto não ocorrer uma catástrofe.
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18 comentários:
Hahahaha, delicioso !
Esqueceste-te de mencionar os seminarios organizados por miudos de 7-8 anos para confrontar entre si pontos de vista sobre os livros que consultaram para aprenderem a ler, mas isso é de somenos.
O que mais me espanta nesta provocação é ela sublinhar (negativamente) o que devia ser obvio : a educação deixa de ter sentido se considerada apenas como a transmissão de um saber "especializado". Um saber especializado pode ser facilmente adquirido por quem tem uma boa cultura geral, e quem não tem uma boa cultura geral, por mais educação "especializada" que receba, nunca vai ficar a saber nada de jeito. A educação é o que procura incutir as bases. O resto ja não é educação, mas "treino". Quanto aos professores, como é obvio também, são instrumentais em relação a esse nobre objectivo. Acho que isso é incontroverso. Por isso mesmo, alias, é que se exige que eles sejam muito bons, e que não se comportem como meros domesticadores.
Costuma dizer-se que um médico que so sabe de medicina, nem de medicina sabe.
Pelos vistos, um filosofo que olvida o que seja a filosofia, passa a saber tudo.
Abraço
Em qualquer tempo futuro, quem cá estiver verá.
Parece-me que há tanta certeza no que o texto diz como haveria noutro que dissesse o contrário. Enfim, "prognósticos"...
De qualquer forma seria sempre necessário professores para ensinar as pessoas a ler. Ou também não?
Quanto ao futuro livre que aí vem (a não haver uma catástrofe, raios parta a alternativa!): será que está para breve ou será mais para os trinetos dos bisnetos dos meus netos?
Não se zangue, caro Desidério. Escrevi isto a ver se o faço rir.
O meu texto é compatível com a existência de professores. Mas não nas quantidades que temos hoje e com o poder despótico que têm hoje, obrigando os alunos a aprender não o que realmente interessa aos alunos, mas o que interessa aos professores para terem emprego.
Contudo, aparentemente o sistema actual não vale de grande coisa, pois os adultos são incapazes de ler um texto popular e entendê-lo correctamente.
"E qual é o futuro do ensino? Lamento dizê-lo, mas no futuro do ensino, os professores desaparecem".
"O meu texto é compatível com a existência de professores"
Eu acho que, se o ensino actual tem como consequência as pessoas não compreenderem o que tu entendes que dizes nos teus textos "populares", então não estamos assim tão mal como isso... Ja agora, o que é para ti um texto "popular", um texto em que se fala de "livros orais" ?
Quanto ao que se pede aos professores actualmente, bom, saberas do que falas melhor do que eu, que não sou professor...
Os professores que tive na vida (e foram muitos) não me deram nada essa impressão, mas adiante...
Abraço
Uma perspectiva diferente da educação (sobretudo da educação superior) é dada neste (já antigo) texto de Paul Krugman, na secção "The devaluation of higher education".
http://mit.edu/krugman/www/BACKWRD2.html
E além das que menciona, a matemática acima de todas. Mas poderei estar a puxar a brasa à minha sardinha...
Concordaria com quase tudo. Até, e principalmente, com o facto de os professores se comportarem como uma corporação que apenas se serve a si mesma e que, como conjunto, se esqueceu da sua finalidade: ensinar de forma a que outros aprendam. Isso implica saber muito mais do que aquilo que se ensina e ser muito imaginativo e adaptativo para permitir que os outros aprendam.
No entanto, será escuro o futuro da nossa sociedade se o panorama que descreve se realizar. Lamentavelmente, a grande maioria das pessoas aprende por obrigação. Estudar é um sacrifício a que poucos se dão. Temo que teremos uma sociedade, por via disso, cada vez mais desigual. Será uma sociedade muito organizada pois uns poucos bem iluminados conduzirão uma chusma de ignorantes ou uma sociedade!? sem qualquer estrutura, digna de filmes apocalípticos, sem outros valores que não sejam o da lei do mais forte.
Obrigado pela correcção! Eu tinha em mente professores profissionais e foi isso que agora explicitei no texto. Ao longo de toda a história da humanidade nunca precisámos de professores profissionais para coisa alguma. A verdadeira aprendizagem não precisa de professores profissionais, apenas precisa de profissionais que ensinem o que sabem da sua área, informalmente, a quem quiser aprender. Veja-se os resultados de Sugata Mitra:
http://www.ted.com/talks/sugata_mitra_the_child_driven_education.html
Hoje em dia, vários cursos são oferecidos de graça na Internet por universidades. O ensino tradicional é um disparate sem sentido; todos os anos fico com 60 tolos à minha frente que de mim querem apenas que lhes dê uma boa nota, para terem um diploma, para ganharem dinheiro. O interesse de quase todos eles pelas subtilezas do pensamento filosófico é nulo. E com todo o direito. Tudo o que eles querem é um emprego onde ganhem bem para comprar iPods e ir ao futebol com roupas caras. E quem disse que não têm esse direito? Os professores que sob a capa da defesa da educação o que estão a fazer realmente é a defender o seu tacho?
Obrigado pelas suas palavras. A ideia de que as pessoas mais pobres são tão tolas que não estão interessadas em aprender, a menos que lhes metamos a educação pela goela abaixo é falsa. Sugata Mitra demonstra-o cientificamente. As pessoas querem por natureza aprender. O que não querem é aprender o que os bem-pensantes querem que elas aprendam. No dia em que acabarmos com a corporação das universidades e das escolas, as pessoas todas poderão aprender exactamente o que querem, quando querem, como querem. O grande problema hoje é que têm de aprender o que não querem, quando não querem, e do modo errado.
Vou ler, parece interessante. Obrigado.
Ola,
Ora essa.
Quer-me parecer que o texto ainda podia ser afinado. Os professores começaram por ser profissionais liberais, ou seja pessoas que dão mais do que aquilo que recebem (que é o que define um profissional liberal). Nesse sentido, seria de facto inaceitavel que os professores se passassem a definir, exclusivamente, como uma categoria socio-profissional que se dedica a um "negocio" com o proposito principal de tirarem dele rendimento. Mas não penso que isto suceda nas proporções que descreves e acho que estas a ser pessimista.
Quanto ao resto, penso que, no fundo, o que pões em causa (a partir de determinado nivel, suponho) é que o ensino seja "obrigatorio". Isto é outra discussão. Que não tem necessariamente razão de ser porque a nivel dos anos terminais do liceu, e mais ainda da universidade, o ensino não é obrigatorio...
Quanto ao facto de o ensino profissionalizante implicar muitas vezes que os alunos estudem disciplinas para as quais pensam não ter apetência, é ainda outro assunto.
Deixa-me dizer-te que, como advogado, penso que os colegas que não têm cultura filosofica nenhuma não podem ir muito longe...
Acredito que miudos de 17 anos possam não compreender isto, da mesma forma que uma criança de 7 anos pode não compreender qual é o interesse de ficar fechada num quarto para aprender a ler...
Mas é precisamente para ultrapassar esta dificuldade que se querem (bons) professores...
Ou não ?
Boas
Sinceramente prof. Desidério Murcho e se permite, gostaria que nem acabassem: universidades, estudantes, corporações, agremiações de ensino e até instituições, pois aqui no Brasil há diversas maneiras por aprender cada qual com potencia e limite cultural e o sensato continua sendo a com o exemplo e aos cuidados de professores.
Olá!
Tenho 48 anos (Professora Alfabetizadora) e terminei uma Especialização à distância. Sem professores (só tutores). NO PASSADO...
Requer muita disciplina para o estudo em casa (internet). E na monografia, cada um estuda o que quer (dentro da área, claro).
A Coordenadora do polo à distância de meu município, aconselha curso à distância para pessoas acima dos trinta anos. Pela responsabilidade, comprometimento, disciplina e rotina (ninguém te dirá para estudar).
Um pai com adolescente estudando em casa não "seguraria a onda", seria conflito todo dia, pois há prazos a cumprir com as tarefas.
Concordo que o ensino médio à distância deveria ser opcional, mas os professores não são culpados pelo "depósito de crianças" a que são impostos.
O que mais fazemos na escola, é ensinar a viver em sociedade, intermediar conflitos, convivência com o diferente, aceitar regras comuns, repartir espaço (em casa são "reizinhos").
Um abraço,
Cri.
Desidério,
Sobre esta problemática interessante, faço apelo à minha experiência para dizer que, desde criança, muitos, pais, professores, autores, pares, polícias, tentaram e conseguiram ensinar-me inúmeras coisas, nem todas que eu tivesse sequer pretendido aprender. Tenho a noção de que o ensino, mesmo na catequese, era de um sentido prático e instrumental. Visava alguma forma de proveito ou utilidade... Não conseguiram ensinar-me tudo o que queriam que eu aprendesse, nem aprendi tudo o que, em geral e abstracto, seria possível. Outras, aprendi por minha iniciativa, por curiosidade, por necessidade, conveniência, ou nem tanto assim. Não sei o que teria desejado aprender, saber, se nunca me tivessem ensinado nada. Mas penso que muitas coisas que eu gostava de saber, não me ensinaram e não aprendi. Cada vez sei fazer mais perguntas para as quais não há respostas satisfatórias, ou para as quais as respostas parecem óbvias, mas era melhor (em meu entender)que fossem outras. As políticas educativas, os objectivos curriculares...tudo é fortemente condicionado por razões alheias à vontade ou preferências de cada um e, não raro, por variáveis desconhecidas/incontroláveis, que deitam a perder a veleidade, ou a aspiração a uma liberdade pela qual não haja que pagar-se um "preço". Estou convicto de que gostava de saber imensas coisas, como por exemplo, tocar piano, falar chinês...Mas também sei, por experiência própria, que não estou disposto a esforçar-me para aprender essas coisas e esforço-me por aprender muitas outras que convém saber.
Os sistemas de ensino estão programados. O serem programados até não será mau, nem bom. O serem sistemas, idem. Mas que não são satisfatórios, para mim não foram nem são.
Gaita! E eu, estúpida, que pus os meus alunos a ler e a interrogar-se e a apreciar Filosofia com um livro seu! Devia ter sido costureira, é o que é!
É outra vez a mesma falácia. Eu não estou a dizer que não se deve ensinar filosofia. Eu penso que para muitas pessoas, como para mim, passar a vida a estudar e escrever filosofia é o mais próximo que consigo imaginar do paraíso.
Mas para muitas pessoas não é. E o estado obriga as pessoas a estudar filosofia, quer queiram quer não. Isto não é possível defender adequadamente. Seria como obrigar toda a gente a usar sapatos azuis. Eu acho que quem quiser usar sapatos azuis deve poder fazê-lo, mas daí a obrigar vai uma grande distância.
Assim, eu acho que se você e eu queremos ensinar filosofia, devemos ser livres para o fazer. Mas os nossos alunos devem ter a liberdade de escolher estudar connosco ou mandar-nos à fava e ir ver futebol.
Seria deveras interessante um mundo no qual os pais ofereceriam manuais informáticos às crianças e lhes dissessem. "Agora toca a aprender a ler e a escrever". Seria deveras interessante um mundo no qual jovens de quinze anos abrissem um "tabelete" (não quero saber se isto está mal escrito) num capítulo de análise matemática e, sem conhecerem de antemão as operações necessárias nem a utilidade daquilo, fossem capazes sozinhos de aprender a calcular a trajectória de um foguetão para a Lua, que é o local onde merece estar o Desidério, como sempre acreditei. Boa viagem.
Desculpe lá, mas não. Pelo menos não numa sociedade nos moldes da nossa. Se os meus alunos - os 120 que tenho este ano, por exemplo - tiverem a liberdade de «escolher estudar connosco ou mandar-nos à fava e ir ver futebol», não duvido que uns 100 vão ver futebol. E depois? Repare que eles não são meus filhos, mas mesmo assim não consigo deixar de me preocupar. Depois de passarem os próximos 5, 7, 10 anos a ver futebol, o que vão fazer?
Li tudo com muito interesse e, em último lugar, o comentário acima. E, finalmente, encontrei algo que me fez feliz: desatei à gargalhada!
Agora, espero que publiquem o comentário, porque o que vou escrever não visa ofender o autor do «post», mas apenas assinalar uma, digamos assim, «incoerência». É isto: o Desidério é um cínico, um hipócrita e um parasita acusa os demais professores. Porquê? Porque é professor num quadro que desejava ver destruído e chega a apelidar os seus 60 alunos de tolos por não terem qualquer interesse em aprender o que ele ensina. Este dado leva ainda à conclusão de que é um péssimo professor, logo poderá ser facilmente substituído por uma máquina qualquer.
É conivente com uma orgânica que desejava ver varrida da face da Terra, vive dela, não motiva nenhum dos seus alunos (palavras suas...), mas prossegue.
Por favor, poupem-me! O Mitra (outro nome que parece escolhido a dedo) fez experiências limitadas a campos específicos. Quando era miúdo, ofereceram-me um rádio: não descansei enquanto não o esventrei para ver como aquilo funcionava. Não descobri nada de jeito, apenas consegui destruir o aparelho. Sou um falhado para o Mitra.
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