quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Um Artigo Sobre o Ensino Superior no Blogue da Universidade de Aveiro


“É um homem simples no fundo: não tem ambições – excepto saber” (Eça de Queiroz, 1845-1900).

Na minha fraca literacia informática, navegando na Net num barco a remos enquanto especialistas o fazem em lanchas rápidas, só por estes dias me deparei com a seguinte notícia:

“No âmbito do Laboratório de Avaliação da Qualidade Educativa (LAQUE), estrutura funcional do Centro de Investigação Didáctica e Tecnologia na Formação de Formadores (CIDTFF) da Universidade Aveiro, foi criado, em Março de 2007, o presente blogue onde são colocadas notícias da imprensa da área da Avaliação Educativa. Esta recolha tem como principal finalidade avaliar o impacte, nos mass media, das questões da avaliação educativa”.

Com essa intenção, transcreveu aquele blogue um artigo de opinião, publicado em “O Primeiro de Janeiro” (21/06/2007), que abaixo se reproduz porque, infelizmente, em vários aspectos, está longe de ter perdido a actualidade no que respeita ao actual estado do sistema educativo neste dealbar do século XXI:

"O Ensino Superior dos Primórdios do Século Passado aos Nossos Dias

'O verdadeiro progresso democrático não é baixar a elite ao nível do povo, mas elevar o povo ao nível da elite' (Gustave Le Bon).

Para uma análise do que se passa no actual ensino superior nacional é mister caracterizar a sua evolução em três períodos distintos:

1.º - Até 1911 (data da criação da Universidade Clássica de Lisboa e da Universidade do Porto) coexistiam escolas superiores, v.g., Escolas Médico-Cirúrgicas e Curso Superior de Letras, com a única universidade de então,a de Coimbra.

2.º - A partir de 1911, a par das duas universidades referidas acima, existiam , segundo o Decreto n.º 36.507/47, de 17 de Setembro, duas escolas superiores militares – Escola do Exército e Escola Naval – e três civis:Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, Instituto Nacional de Educação Física e curso de Arquitectura de Lisboa, os três últimos cursos, com assento na Universidade Técnica de Lisboa(criada em 1930), respectivamente, em 61, 75 e 79. Neste último ano é integrado, também, o curso de Arquitectura na Universidade do Porto.

3.º Nos anos subsequentes ao 25 de Abril, assistiu-se a um verdadeiro boom com a criação em catadupa de universidades e instituições de ensino politécnico estatais e privadas.

Em 1979, é instituído o ensino politécnico que deu azo à transformação, por exemplo, dos cursos médios dos Institutos Industriais em Institutos Superiores de Engenharia e das Escolas do Magistério Primário e de Enfermagem, respectivamente, em Escolas Superiores de Educação e de Enfermagem. Este subsistema binário do ensino superior (sendo o outro o ensino universitário) tinha como destino inicial a instalação em cidades carecidas de ensino universitário. Mas logo se instalou, de armas e bagagens, em Lisboa,Porto e Coimbra, caindo, assim, por terra esta louvável intenção, como outra não menos importante para o desenvolvimento dessas regiões: ser o ensino politécnico um ensino de curta duração e de carácter profissionalizante.

Simultaneamente, em cascata, surge o ensino superior privado(em força a partir da década de 80, pela mão do então ministro da Educação Roberto Carneiro). Através de umas tantas dessas instituições universitárias (vg.,Moderna, Independente e Internacional) tem ele agora andado nas bocas do mundo,nas páginas dos jornais e nos ecrãs da televisão, nem sempre pelas melhores razões. Em abono da verdade, nada disto se passou sem a responsabilidade dos diferentes partidos políticos tutelares da pasta da Educação, embora tenham sido alertados para este statu quo de que eram previsíveis os funestos efeitos.

A título de exemplo, em tempos, escrevia um professor da Universidade Católica, de seu nome Sérgio Rebelo, com cáustica ironia: “Ondeantes havia uma pastelaria ou uma pequena mercearia, hoje tende a haver uma universidade ou uma escola superior, onde ontem se compravam pastéis de nata e garrafas de groselha, hoje conseguem-se licenciaturas e mestrados e encomendam-se doutoramentos (“Exame”, 4 de Novembro de 1996).

Este incontrolado crescimento do ensino superior privado necessita de uma terapia de choque para que possa sobreviver com alguma dignidade a um estado comatoso provocado pela escassez de candidatos à sua frequência. Nunca de um unguento, destinado ao tratamento de uma simples borbulha, espalhado numa carne em adiantado estado de gangrena!

Mas pior do que isso foi procurar a cura na permissão do respectivo ingresso a maiores de 23 anos, independentemente das habilitações académicas”, com o argumento de Mariano Gago de se tratar de “um passo para a democratização do sistema de acesso ao ensino superior”! E, desta forma, se chama democratização a uma forma de desrespeito pelo esforço daqueles que cumpriram um percurso académico culminado com o exigente 12.º ano do ensino secundário ou daqueles que em esforço pessoal se tornaram em verdadeiros autodidactas capazes de satisfazerem a seriedade do antigo exame ad hoc.

Falemos Claro! Em primeiro lugar, esta candidatura (que tenho como verdadeiro salto de canguru na ultrapassagem de normativos curriculares)atenta contra o desenvolvimento científico, social e económico do País que deve assentar numa séria formação académica dos seus cidadãos do ensino básico ao ensino universitário. Em segundo lugar, é uma maneira de lançar fornadas de “licenciados” para um mercado de trabalho mais carenciado da força de uma mão-de-obra com know-how do que, na circunstância, de um simples diploma de ensino superior que pouco deverá acrescentar em termos de competência profissional e, muito menos, de cultura geral. Em terceiro lugar, tem – isso sim – como finalidade combater o decréscimo crescente de alunos de posse do12.º ano que demandam o ensino superior, assistindo-se, desta forma, ao primado da quantidade em detrimento da qualidade de uma clientela que satisfaz, com sacrifício das magras bolsas, o rendoso negócio de umas tantas escolas privadas.

Por tudo isto, não me parece ser o caminho a seguir no acesso ao ensino superior. Poderá ser o mais expedito para os alunos, o mais rendoso para as instituições privadas e o mais credor de dividendos para os políticos. Mas é, em contrapartida, o menos sério e o mais penalizante para com uma sociedade maltratada pelo facto “de uma minoria intelectual,que constitui o capital de orgulho de cada nação, se ver obrigada a cruzar os braços com inércia desdenhosa ou a deixá-los cair desoladamente sob pena de ser esterilmente derrotada” (Manuel Laranjeira, “O Norte”,1908). Ontem como hoje !

Rui Baptista"

Post Scriptum: Anteriormente a 25 de Abril de 1974, foi anunciada a integração universitária do Instituto Nacional de Educação Física conforme se documenta: ”Quando este número já se encontrava em fase adiantada de impressão, chegou-nos a notícia de que o INEF havia sido integrado na Universidade Novas de Lisboa! Assim se concretiza uma das mais antigas e legítimas aspirações da Escola. Assim se abre um novo caminho à instituição (Boletim do INEF, 2.ª série, n.º 2, Abril – Junho de 1973).

19 comentários:

António Pedro Pereira disse...

«Mas pior do que isso foi procurar a cura na permissão do respectivo ingresso a maiores de 23 anos, “independentemente das habilitações académicas”, com o argumento de Mariano Gago de se tratar de “um passo para a democratização do sistema de acesso ao ensino superior"».

Mas este triste exemplo (dos 23 anos) de falta de exigência e de traição ao esforço não é tudo, o acesso ao ensino superior via Ensino Recorrente, uma verdadeira finta às regras universais (universais porque deviam ser iguais para todos os alunos) de acesso é (ou foi até há pouco tempo) outra indecente «porta do cavalo».

E isto para não falar em quem termina o ensino secundário com mais de 18 valores de média e, se se tivesse candidatado a Biologia, por exemplo, teria entrado facilmente, mas porque se candidatou a Medicina ficou a uma décima da entrada.
Contudo, rumando à República Checa, vê a entrada novamente recusada ao mesmo tempo que vê serem admitidos colegas com médias bem menores.
É que lá não são apenas as médias finais do secundário que contam, há uma entrevista que avalia o perfil psicológico, a maturidade, a adequação ao curso e à função para que este habilita, a «vida» que cada um deve ter para além das exigências puramente académicas.
Mas nós ainda estamos no patamar anterior, basta-nos os números, e mesmo para esses arranjamos escapatórias.

Anónimo disse...

"É que lá não são apenas as médias finais do secundário que contam, há uma entrevista que avalia o perfil psicológico, a maturidade, a adequação ao curso e à função para que este habilita, a «vida» que cada um deve ter para além das exigências puramente académicas." Por aqui se abre caminho a todas as arbitrariedades. Pior do que isto nem as novas oportunidades.

António Pedro Pereira disse...

Caro Anónimo:
É por causa dessas arbitrariedades do tipo NO que aponta que a procura dos cursos de Medicina na República Checa tem uma enorme procura, apesar de a propina custar 13 euros/ano e de um quarto individual, por exemplo, custar 650 euros; e há ainda a alimentação, cujo custo pode variar muito de acordo com os padrões alimentares de cada um.
São uns tontos estes estudantes portugueses e de outros países que rumam até à Rep. Checa para cursar Medicina.

António Pedro Pereira disse...

Adenda ao meu comentário anterior:

e de um quarto individual, por exemplo, custar 650 euros/mês;

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

O sistema educacional nos graus pré-universitário era assim descrito pelo Professor Sebastião e Silva – entrevista na "A CAPITAL", publicada em 4 de Dezembro de 1968;

[…] “O que importa focar, sobretudo, é que estamos em presença de um sistema educacional que não ensina a observar, nem a experimentar, nem a reflectir, nem a raciocinar, nem a escrever, nem a falar: ensina apenas a repetir mecanicamente, a imitar e, por conseguinte, a não ter personalidade. É um sistema. É um sistema que reprime o espírito de autonomia e todas as possíveis qualidades criadoras do aluno, nas idades decisivas em que essas qualidades deveriam ser estimuladas ao máximo: um sistema feito à medida da mediocridade obediente, que acerta o passo enquadrada em legiões de explicadores. É, portanto, um ensino em regime de desdobramento: professor-explicador (e o mais grave é que o professor já conta com o explicador). É, portanto, um ensino que favorece os passivos, os superficiais e os privilegiados economicamente, em prejuízo dos autónomos, dos inteligentes e dos economicamente débeis. Em conclusão: é um ensino capaz de atribuir 20 valores ao Conselheiro Acácio e orelhas de burro a Einstein!”

[…] “Porque é hoje tão grande a procura de explicadores às vezes desde a primeira classe do ensino primário até ao último ano da Universidade? Como se admite que a educação dos filhos, com semelhante nível, se torne um tão pesado encargo, um verdadeiro flagelo que cai sobre as famílias? Não acabaria afinal por sair muito mais económico para todos, e também para o Estado, conceder um tratamento de excepção para os professores?”

Professor Rui Baptista, quanto evoluímos? Ou, na prespectiva de Mariano Gago, que passos foram dados “na democratização do sistema de acesso ao ensino superior”?
Desculpe-me, Professor Rui Baptista, aceito a resposta “eu não fui ministro”.

Cumprimentos muito cordiais

Anónimo disse...

É, de facto, muito caro.

António Pedro Pereira disse...

Caro Joaquim Manuel Ildefonso Dias:

Permita-me que lhe responda sem que me tenha interpelado.
Creio que passámos um pouco do 8 ao 80, como é nosso apanágio.

Receio que regressemos ao 8, o que nos mostraria que nada evoluímos desde os tempos do Prof. Sebastião e Silva.

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Professor Rui Baptista,
Na ultima frase do meu comentário - pretendo dizer, de forma pouco explicita o seguinte: quem têm competências e possibilidades para democratizar, verdadeiramente, o acesso ao ensino superior, são os governantes (ministros) e não o fizeram. E considero, que um professor, não têm que responder por algo que não é responsável, dai as desculpas que lhe peço antecipadamente. Professor Rui Baptista a minha inquietude, é se o meu filho, que frequenta o pré-escolar, continua com o mesmo sistema. E o que dizer dessas folhas A4, que estão por todo o lado, e dizem "dão se explicações de... Telm...", quem é responsável pela qualidade desse ensino; e isso não é vexatório para um verdadeiro PROFESSOR dedicado à sua profissão.

Cordialmente

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Obrigado pelo seu comentário.
Sabe, eu licenciei-me muito tarde, e isso é algo que me desconsola, e muito. Ao ler as palavras do Professor Sebastião e Silva, fico com a certeza, de que isso se deveu ao sistema de ensino, que era precisamente como ele mostra; E repare eu nasci no ano do 25 de Abril.
Nunca ouvi falar no nome do Professor Sebastião e Silva, não vi os seus magníficos compêndios, parece impossível não é (quem devo culpar?).
Hoje, nós vamos a uma livraria e os livros que encontramos são, por ex: "Exames Resolvidos - Matemática A 12ºAno; Preparação para o exame nacional de Matemática; Formulário Matemática etc…
Permita-me que transcreva, um pequeno texto do Professor Sebastião e Silva, retirado, [Guia para a utilização dos compêndios de matemática, vol 2 e 3]
[…] “Diga-se a verdade: é de vida, é de alma, que o ensino está necessitado – porque tudo nele se reduz afinal a … matéria que vem para exame.”

António Pedro Pereira disse...

Caro Joaquim Manuel Ildefonso Dias:

Quando eu lhe disse: «Receio que regressemos ao 8, o que nos mostraria que nada evoluímos desde os tempos do Prof. Sebastião e Silva», isso deve-se a 2 razões:
1.ª - à campanha radical, fundamentalista mesmo, contra o que os autores/actores dessa campanha apelidam de Eduquês, a qual, devido à natureza intrínseca das coisas fundamentalistas, acaba por se tornar acrítica (embora envolvida num aparentemente grande criticismo).
Não digo isto no papel de defensor do chamado Eduquês, reconheço que há muita tralha pedagógica no Ensino, mas sempre houve tralha e até algum exoterismo, só quem desconheça a história da nossa Educação acha que até 1960/70 (baliza fixada pelos anti-ediquêses fundamentalistas) estava tudo bem e a partir daí passou a estar tudo mal.
2.ª – à nossa característica de nunca avaliarmos racionalmente as coisas, fazemo-lo sempre muito mais com o coração (senão mesmo com o fígado) do que com o cérebro. Em vez de combatermos paulatinamente o que está errado basculamos 180º de um lado para o oposto.
De repente, o que era branco passa a preto e vice-versa, mas no fundo o essencial continua na mesma. Iludimo-nos com a construção retórica das coisas, o que é uma grande ilusão.

Neste momento caminhamos para o que o excelente e tão esquecido Prof. Sebastião e Silva criticava, e não o fazia para o substituir pelo chamado Eduquês, mas para lhe dar um sentido muito para além da mera apropriação acrítica e papagueação dos conhecimentos apreendidos.

É bom ver um jovem como o senhor ler atentamente os escritos do Prof. Sebastião e Silva, pessoa de tanto valor e tão injustamente esquecida (sabe, o seu racionalismo não serve à campanha dos anti-eduqueses fanáticos).

Sem qualquer intenção paternalista, sugiro-lhe três livros, que, estou convencido, muito apreciaria:

Rómulo de Carvalho (2010) «Memórias». Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian;
Crato, Nuno (2006) [org.] «Rómulo de Carvalho – Ser Professor». Lisboa: Gradiva;
Nóvoa (2005) «Evidentemente». Porto: Edições ASA.

E um texto grátis, embora de altíssimo valor:
António Nóvoa (2006) «Desafios do trabalho do professor no mundo moderno», Palestra efectuada em S. Paulo (Brasil) a convite do Sindicato dos Professores de S. Paulo. Obtém o PDF na Internet com este título.

Rui Baptista disse...

Em agradecimento aos seus autores, acabo de publicar um novo" post", intitulado "Ainda o meu post 'Um Artigo Sobre o Ensino Superior no Blogue da Universidade de Aveiro' e respectivos comentários".

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Caro, António Pedro Pereira, li o texto, que me sugeriu, António Nóvoa (2006) «Desafios do trabalho do professor no mundo moderno», Palestra efectuada em S. Paulo (Brasil).

No decorrer da leitura aconteceu-me várias vezes, ter a necessidade de interromper a leitura, e meditar, por instantes, nas conferências Escola Única e A Cultura Integral do Individuo, do Professor Bento de Jesus Caraça, (um bom crivo, é certo) para melhor entender o texto, quer nos méritos quer nas insuficiências e inconvenientes que eu creio que apresenta, e que lhe posso indicar, aqui não evidentemente (Não nego, contudo que tenho uma profunda admiração pelo nome e Obra dos Professores Bento de Jesus Caraça e José Sebastião e Silva).

Cordialmente

António Pedro Pereira disse...

Caro Joaquim Manuel Ildefonso Dias:
Se o gestor do blogue não achar inconveniente, não vejo porque não poderá apresentar as suas dúvidas e críticas aqui, partilhando-as com um conjunto alargado de pessoas.

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Caro António Pedro Pereira, espero não ser inoportuno ao DRN;
Vou-lhe transcrever, em primeiro lugar, um texto de Bento de Jesus Caraça de (A cultura Integral do Individuo), depois o outro de António Nóvoa, (Desafios do trabalho do professor no mundo moderno) para que o Senhor possa reflectir, - e, entender, a razão do meu comentário - concluindo, ou não, pela existência dessas insuficiências e inconvenientes que eu assinalo ao texto. Depois deixo-lhe um link, onde poderá ouvir as palavras de do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, e, a sua ligação, ou não, com o que falamos.

Assim, BJC diz,

[…] “A aquisição da cultura significa uma elevação constante, servida por um florescimento do que há de melhor no homem e por um desenvolvimento sempre crescente de todas as suas qualidades potenciais, consideradas do quádruplo ponto de vista físico, intelectual, moral e artístico; significa, numa palavra, a conquista da liberdade.

E para atingir esse cume elevado, acessível a todo o homem, como homem, e não apenas a uma classe ou grupo, não há sacrifício que não mereça fazer-se, não há canseira que deva evitar-se. A pureza que se respira no alto compensa bem da fadiga da ladeira.

Condição indispensável para que o homem possa trilhar a senda da cultura – que ele seja economicamente independente. Consequência - o problema económico é, de todos os problemas sociais, aquele que tem de ser resolvido em primeiro lugar. Tudo aquilo que for empreendido sem a resolução prévia, radical e séria, desse problema, não passará, ou duma tentativa ingénua, com vaga tinta filantrópica, destinada a perder-se na impotência, ou de uma mão-cheia de pó, atirada aos olhos dos incautos.”

António Nóvoa, diz,

[…] “É importante que as crianças saiam da escola com um patamar comum de conhecimentos. Mas será isso possível? Sim, se os professores mudarem suas práticas e identidades profissionais. Durante muito tempo nas escolas normais foi ensinado que numa turma há sempre um terço de crianças boas, um terço de crianças “assim assim” e um terço de crianças más. Portanto, um terço estava condenado ao insucesso inevitavelmente. Isto é impossível de aceitar dentro de um processo de inclusão. A idéia de que se pode alcançar um patamar comum de conhecimentos, que se pode atingir verdadeiramente sucesso, deve ser uma exigência dos docentes, é uma exigência civilizatória conseguir isso. Não se consegue isso por várias razões históricas, de resignação ou por questões de identidade da profissão. Falar de um patamar comum de conhecimentos é também falar de um compromisso ético dos professores, compromisso ético com esse sucesso. E os professores muitas vezes, infelizmente, não tiveram esse compromisso ético.”


Link, para entrevista de Marcelo Rebelo de Sousa (minuto 31,19 até ao 31,34 do vídeo).
http://www.youtube.com/watch?v=N7cFKSqajxI

Cumprimentos Cordiais.

António Pedro Pereira disse...

Caro Joaquim Manuel Ildefonso Dias:

Lamento decepcioná-lo, mas não encontro as deficiências que refere.
O que vejo é que ambos são textos que apenas fazem sentido no seu tempo, isto é, só se compreendem na plenitude das realidades e aspirações dos respectivos tempos: o 1.º na 1.ª metade do século XX, o 2.º na actualidade (com a especificidade da plateia que o ouvia, professores brasileiros).
Provavelmente o defeito é meu, não tenho problemas em assumi-lo.
Sinceramente, não percebi a ligação com o MRS.

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Caro António Pedro Pereira,
Começo a não perceber o que me diz, esclareça-me o seguinte:

Que sentido que devo dar às suas palavras “realidades e aspirações nos respectivos tempos”, quando aquilo que está em causa é tudo aquilo que importa para a aquisição da Cultura como forma de conquista da LIBERDADE pelo homem, pode-se, suspender esse processo, porque ele é hoje menos importante, há hoje outras aspirações mais importantes ao homem? Diga-me quais?

Quanto a Marcelo Rebelo de Sousa, e para ir até ao fundo da questão, o que lhe queria mostrar é esta coisa verdadeiramente sórdida, daqueles que, reconhecendo a importância dos estudos na formação profissional e na cidadania, não são capazes de defender o ensino gratuito em todos os níveis, incluindo o ensino superior, - arranjam para isso todas as desculpas para o não fazerem - e porquê? por uma única razão, e aqui faça uso das palavras de Bento de Jesus Caraça “A razão está simplesmente nisto – na necessidade de conservar, para a classe dos que podem pagar, o monopólio da cultura e, consequentemente, da direcção da sociedade.”

Cordialmente,

António Pedro Pereira disse...

Caro Joaquim Manuel Ildefonso Dias:
Apenas quis dizer que, por vezes, há palavras e conceitos que se usam em determinados tempos/contextos que estão marcados por eles e pelas suas realidades.
Daí talvez as insuficiências que encontrou no texto de A. Nóvoa em contraponto com o de B. J. Caraça.
No essencial não se contradizem, pois têm aspirações semelhantes quanto ao progresso pessoal dos alunos.
Mas não se esqueça de que no tempo de B. J. Caraça a escola se destinava a uma elite restrita e que hoje se destina à grande massa.
Portanto, os resultados/expectativas não poderão ser iguais.
É a isso que me referia.
O texto de A. Nóvoa poderá parecer por isso muito pragmático enquanto que o de B. J. Caraça mais programático (e com objectivos mais elevados).

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Caro António Pedro Pereira,
Obrigado por este dialogo que mantivemos, e que afinal serviu muito bem o objectivo do DRN que a meu ver, é também, o de agitar ideias.

Como dizia Bento de Jesus Caraça “E agitar ideias, a despeito do que dizem certos escribas abafadores de cultura, agitar ideias é mais do que viver, porque é ajudar a construir a vida.”

Cumprimentos muito cordiais

António Pedro Pereira disse...

Caro Joaquim Manuel Ildefonso Dias:
Obrigado.
Retribuo.
Até à próxima.

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