"Ao partir-se de uma fasquia tão baixa como é a
leitura de um rótulo ou das instruções de uma máquina de lavar, estaremos
continuamente a nivelar os alunos por baixo. Porque não é na convivência com
esses textos que educamos o interesse dos alunos para outra coisa mais elevada
como a literatura. Tem de se melhorar os programas e voltar à exigência e à
qualidade. Não o será com a implementação desta nova reforma que oficializou o
nivelamento por baixo. Nunca levaria para a aula um rótulo de uma garrafa,
instruções de uma camisola ou de uma torradeira eléctrica. Quando os alunos
aprendem a interpretar os autores que são património, qualquer um saberá
compreender uma instrução.
Falo da subestimação de que a literatura foi alvo, nos vários
ciclos, na implementação da reforma em 2003, e do esvaziamento dos programas
dos autores clássicos. E da rivalidade que se criou entre o “novo” e o “velho”.
O “novo” foi introduzir em avalancha textos informativos e subgéneros [nos
programas]. Os autores clássicos foram banidos porque foram considerados “chatos”
e porque não correspondiam aos interesses dos alunos. A minha experiência e a
de muitos colegas contraria os mentores da nova reforma, porque chatos são os
professores que certamente não leram bem os clássicos e nem os sabem
interpretar. Nesta dicotomia entre o novo e o velho, despreza-se o legado
patrimonial do passado e privilegia-se o “real”, como os reality shows, porque
supostamente correspondem aos interesses dos alunos. Como podemos ajudar o
aluno a ter espírito crítico a discutir o Big Brother?
(...) Sinto que se um aluno consegue interpretar um texto
literário tem todas as ferramentas para quando sair da escola elaborar um
regulamento, um currículo ou uma carta. Se escreve bem é porque sabe pensar,
ora se sei pensar sei ler um regulamento. A aula de Português não é uma aula de
secretariado, sem desprimor para o secretariado.
A escola tem de
acrescentar algo aos alunos, essa é a sua função. Não é fazê-los regredir,
fechando-os nos seus interesses."
7 comentários:
Eu concordo com o essencial da crítica de MCV. A desvalorização do sublime através da sua substitução pelo «lixo» só conduz à ignorância.
Onde não estou de acordo, porque acho que se toma a parte pelo todo, é com a redução de todo o problema do abaixamento do nível a esse facto. Há muitos outros que têm dado contributos igualmente importantes para a situação do abaixamento que a autora refere.
E por aqui me fico por agora.
Vale a pena ler a entrevista.
Nela se mostra, de modo corajoso, claro, lúcido e
simples aquilo a que o horroroso "eduquês" continua a
reduzir o ensino.
Se é que ainda podemos falar de ensino: pois se não se
alargam os horizontes do conhecimento dos alunos, se se
apregoa como fundamental que se abordem
essencialmente
os assuntos dos "interesses" deles, se se recomenda o
trabalho de grupo como panaceia para justificar as
classificações dos preguiçosos, se se calunia a memória
e se despreza a transmissão do conhecimento e o
contributo daqueles gigantes cujo saber nos deleita ou
nos catapultou no sentido do progresso, entre outras
patifarias, o que há-de restar?
Ah pobres, pobres! Cada vez mais cegos e mais...
escravos!
Obrigado sentido à sempre Colega Maria do Carmo Vieira.
A literatura permite-nos pensar/falar/escrever sobre o mundo de forma imprevisível, surpreendente e até incrível e é talvez a única forma de falarmos sobre nós próprios.
Concordo em absoluto que entre os clássicos e os contemporâneos, a literatura de qualidade, faça obrigatoriamente parte dos programas da disciplina de Português.
A minha pergunta é, e os alunos que não conseguem, de todo, numa aula, compreender seja que literatura seja?
Também concordo que, com demasiada frequência, o problema está no professor que esvazia o gosto por qualquer leitura. Nem todos são professores sublimes, ou sequer bons, para também eles, no seu discurso, traduzirem o gosto pela literatura que supostamente ensinam nas aulas.
E que fazer quando quem mata o gosto pela literatura é o próprio professor na sala de aula?
Caro Anónimo (de Jan. 29, 2012 o9:19 AM):
Pois é, mas mesmo que esses professores que matam o gosto pela leitura na sala de aula sejam profundamente anti-eduquêses, mesmo que não percebam nada de construtivismo e de ideias românticas sobre a Educação, nada melhor do que atribuir todas as culpas da falta de gosto dos alunos pela sublime literatura ao eduquês (termo instrumental do tipo canivete suíço).
Note-se que eu também acho que lhes devia ser ensinada, melhor, lhes devia ser incutido o gosto por essa sublime literatura na Escola.
Eu também reconheço que certas ideias líricas ou mesmo delirantes entraram na Escola, mas o ponto não é esse, é deixar-se de pensar, de reflectir sobre tudo o que transformou a Escola neste espaço de não-aprendizagem para tantos alunos e de desprazer pessoal e profissional para tantos professores. E a resposta só pode ser uma multiplicidade de razões (talvez as mais importantes exteriores à Escola) que, para serem combatidas têm primeiro que ser identificadas e compreendidas na sua globalidade; nunca devemos reagir através de slogans dicotómicos que nos poupam de pensar os problemas na sua complexidade e globalidade, que transformam algo (neste caso o eduquês, qual canivete suíço sempre ali à mão) em alvo a abater, o qual, uma vez abatido, e por um passe de mágica, resolve todos os problemas.
P. S. Uma interrogação permanece sem resposta há anos na minha cabeça (pelo menos desde que esta campanha fanática e irracional contra o eduquês está na moda e ocupa os «media»): porque é que pessoas de 50, 60 e 70 anos, portanto, não educadas na escola do eduquês, muitas delas de alta craveira intelectual, falam e escrevem à eduquêsa?
É para mim um enigma sem resposta por enquanto, ou talvez não, talvez eu tenha a resposta, a minha resposta, mas não a revelo.
Com certos defensores do "eduquês" nem é preciso que
haja fanáticos contra ele.
Combater o "eduquês" não é um procedimento irracional,
é um dever moral de qualquer cidadão, mas
particularmente dos professores.
Uma questão de dignidade e higiene. Tão só.
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