quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

A CIDADE DOS VAMPIROS


Minha crónica na última revista "C" (no desenho, traje dos estudantes de Coimbra no século XVI, segundo autores holandeses):

Coimbra mereceu honras de artigo recente no New York Times. Um jornalista norte-americano passou por Coimbra e escreveu uma curiosa crónica. Ficou sobretudo impressionado com o pitoresco dos estudantes de capa e batina, cuja aparência ele, neste tempo da Saga do Crepúsculo, não hesitou em designar de “vampiresca”. Com uma pitada de humor, acrescentou que nenhum deles lhe tentou sugar o sangue...

Tivesse, porém, o visitante vindo a Coimbra num século anterior, essa comparação não lhe teria ocorrido, até porque o Drácula de Bram Stoker só remonta a 1897. O austríaco Heinrich Friedrich Link, que visitou Coimbra em 1798, comparou o traje dos escolares ao dos padres. De facto, o hábito talar tem uma origem eclesiástica, devido à ancestral ligação entre a universidade e a igreja. Link afirmou que “as ruas estão permanentemente cheias dessas pessoas vestidas de negro que oferecem um aspecto triste e fradesco”. Não admira, por isso, que o Marquês de Pombal tenha, embora debalde, querido banir com o traje antigo e que, no início da República, a capa e a batina quase tenham sido proibidas.

No século XIX, o uniforme dos estudantes de Coimbra foi comparado com as vestes dos antigos alquimistas. Em 1842, o príncipe polaco Feliz Lichnowsky falou dos “estudantes, com um traje negro, em parte eclesiástico, em parte da idade média, como se fossem discípulos de Fausto ou de Paracelso”. E, na mesma linha, em 1866, o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen comentou, após uma visita a Coimbra, que“o traje é pitoresco, lembra Fausto e Teofrasto”.

Estudei em Coimbra pouco após o luto académico de 1969, pelo que não usei capa e batina. Apesar de me parecer um vestuário um pouco quente para o Verão, nada tenho contra o seu uso por quem goste. Todos os visitantes estrangeiros que tenho guiado na Lusa Atenas me têm perguntado pela origem e significado do traje, pelo que não desprezo o valor turístico para a cidade dessa indumentária temporalmente exótica. Já, quanto ao resto do país, acho algo ridícula a imitação que escolas recentes têm feito das tradições coimbrãs, inventando trajes que nunca poderiam ter existido nessas instituições.

Não estranho, pois, a boa recordação que o traje de Coimbra deixa nos modernos visitantes. Mas há um passo da peça do New York Times que me chamou mais a atenção. O jornalista situa a cidade indiferentemente em dois lugares do tempo separados de três séculos e meio: “Igrejas antigas, praças pitorescas e a falta quase total de lojas internacionais podem fazer situar tanto a Alta como a Baixa na década de 1950 - ou na de 1590.” Tal significa afinal que viu, do ponto de vista arquitectónico, urbanístico e comercial, uma cidade parada no tempo. É um pouco injusto, convenhamos. O visitante podia ter referido, por exemplo, o Parque Verde, com o Pavilhão Centro de Portugal, ou o Pólo II da Universidade, com a sede da Faculdade de Ciências e Tecnologia. Mas é, convenhamos também, um pouco justo, já que à beira do Mondego, e pese embora o muito activo Departamento de Arquitectura, são raros os edifícios de traça contemporânea. Os vultos “vampirescos” dos estudantes seriam ainda mais impressionantes se, aumentando o anacronismo, os cenários fossem fachadas dos dias de hoje...

4 comentários:

Rui Baptista disse...

Apenas é de lamentar o aspecto descuidado - mesmo para além das festividades da “Queima das Fitas”, em que o álcool tolda as mentes e, muitas vezes, transfigura os comportamentos habituais - com que grande número dos utilizadores da capa e batina, que deviam cuidar pela dignidade de ser estudante universitário (e agora do ensino politécnico) , se apresentam em público. Os rapazes, apenas, de calças e colete pretos e camisa branca e as raparigas de saia, colete preto e camisa branca como se a democratização do ensino fosse razão de desculpa ou o clima quente das margens do Mondego, sem alteração climatérica desde o tempo em que as trupes zelavam pela utilização a rigor da capa e batina.

Ou seja, das duas uma: ou os estudantes vestem o traje académico como a praxe impõe ou usam uma vestimenta que não tenha a pretensão de identificar quem não merece ser identificado como estudante da velha e tradicional academia coimbrã. Mas talvez isto não passe de minudências ou de um desabafo sem razão de ser meus. Concedo!

Mas até para ser vampiro há um certo cerimonial a cumprir: ou se é vampiro a sério ou vampiro de telenovelas adaptado aos tempos que correm...de um fazer de conta!

Carlos Medina Ribeiro disse...

O livro-prémio é um conjunto de 4 textos, de autores diferentes, acerca de Drácula.
Num deles, é dito que se fizeram 200 filmes sobre ele - e para todos os gostos, desde o mais puro terror até aos que pretendiam gozar com a personagem (por vezes com o mesmo actor principal, em registos diferentes).
Outros filmes foram feitos em série, "à dúzia".

Carlos Medina Ribeiro disse...

Julgo que o júri tem a tarefa facilitada...

Carlos Fiolhais disse...

O livro vai para o comentador Rui Baptista, que, para o receber, deverá indicar a morada em que o quer receber a
medina.ribeiro@gmail.com
Carlos Fiolhais

O BRASIL JUNTA-SE AOS PAÍSES QUE PROÍBEM OU RESTRINGEM OS TELEMÓVEIS NA SALA DE AULA E NA ESCOLA

A notícia é da Agência Lusa. Encontrei-a no jornal Expresso (ver aqui ). É, felizmente, quase igual a outras que temos registado no De Rerum...