domingo, 1 de janeiro de 2012
O FIM DO MUNDO SEGUNDO BUESCU
Respostas de Jorge Buescu (JB) a Christiana Alves Martins (CAM) para o Expresso a propósito de um artigo sobre o fim do mundo.
XA;- Porque as pessoas têm a necessidade de fixar uma data para o chamado fim do mundo? Que mecanismo psicológico justifica isto? Para que surjam estas teses, as teorias científicas são adulteradas?
JB- Provavelmente uma mistura de sentimentos, entre os quais um desejo de sentir que vivem numa época ou altura “escolhidas”. Curiosamente, a evolução da Ciência desde Galileu até à moderna cosmologia tem-nos revelado exactamente o oposto: vivemos num local e numa época típicos, num pequeno ponto azul pertencente a um entre milhares de milhões de sistemas solares, que está numa entre milhares de milhões de galáxias, num gigantesco Universo que tem mais de dez mil milhões de anos. Não ocupamos posição especial nem no espaço nem no tempo.
Nenhuma teoria científica tem de ser alterada para acolher estas ideias delirantes, que não passam de crenças baseadas em pseudociências ou superstições sem qualquer fundamento científico. Hoje, depois de Galileu, Newton e Einstein, compreendemos muito bem como funciona o Universo e podemos prever com precisão o que vai acontecer no nosso sistema solar nos próximos milhões de anos. E não se prevê nenhum apocalipse astronómico.
CAM- É possível, do ponto de vista astronómico que civilizações antigas, como a maia, sem o devido instrumental, possam fazer cálculos elaborados que prevejam acontecimentos com antecedência de tantos anos? Tinham acesso a instrumentos matemáticos suficientes para assegurar algum rigor nos resultados?
JB- Sim, é possível. As civilizações grega, egípcia e chinesa dispunham de observações astronómicas bastante precisas dos planetas visíveis e das estrelas há mais de dois mil anos. O Almagesto, obra em que Ptolomeu descreve os movimentos do sistema solar então conhecido, prevendo matematicamente com grande precisão o seu futuro, as posições planetárias, os eclipses, etc., tem cerca de 2000 anos e foi a obra de referência de astronomia durante 1500 anos.
CAM- Das seguintes teses, quais as que, do seu conhecimento e do ponto de vista científico, têm alguma credibilidade? Profecia hindu (2012 como fim de um ciclo, com base em ciclos), profecia maia (idem, com base em um calendário específico), choque com um asteróide (ou um cometa ou o planeta Nibiru ou X), inversão dos pólos da Terra (guinada magnética que provocaria sismos violentos), explosão de raios gama (causaria danos no núcleo das células, desenvolvendo cancros), índios hopi (fim d um ciclo), código da Bíblia (o sol transformará o planeta num mar de chamas), tempestades solares (erupções do sol atingirão o seu auge em 2012), profecias de Nostradamus (cataclismos no solstício de inverno)?
JB- Nenhuma. Todas elas (excepto duas que destacarei) têm em comum o facto de se basearem em pseudociências, superstições ou crendices recuperadas por uma certa mentalidade New Age, colidem directamente com o conhecimento científico e não merecem qualquer credibilidade. Eu já sobrevivi a nove “profecias do fim do Mundo”, as últimas das quais de Nostradamus, que o previa para 1999; do Código da Bíblia, que fez furor em 1997 e previa um holocausto nuclear para 2006; e do televangelista Harold Camping, em Novembro de 2011. E tenciono sobreviver às de 2012 e seguintes.
Os únicos fenómenos citados com alguma realidade física são os ciclos solares e a inversão dos pólos magnéticos da Terra. Os primeiros correspondem a um ciclo de cerca de onze anos e temos desde sempre coexistido pacificamente com eles. A inversão dos pólos magnéticos é um fenómeno cientificamente menos bem compreendido; corresponde a tempos menos regulares, que podem ir até cerca de um milhão de anos. Mas não há qualquer indicação nem de efeitos apocalípticos nem que um deles ocorra em 2012.
CAM- O nosso calendário - o calendário gregoriano - é arbitrário?
JB- O calendário gregoriano é tudo menos arbitrário, sendo um prodígio de sofisticação astronómica e matemática. É o produto de 1500 anos de evolução do conhecimento científico que civilizações mais primitivas não poderiam possuir. Foi elaborado durante anos no século XVI por uma comissão de astrónomos e matemáticos liderada pelo alemão Cristóvão Clávio, que foi estudante em Coimbra. Permite prever eclipses e fenómenos astronómicos ao minuto. Por outro lado, o problema que resolve tem tudo a ver com a situação do ser humano no planeta Terra: concilia de forma precisa a duração do dia solar, que rege os ritmos humanos, com a do ano terrestre, que rege fenómenos que nos afectam directamente, como estações do ano, sementeiras e colheitas. E fá-lo com um rigor matemático impressionante, tendo uma precisão de cerca de uma parte num milhão. É uma obra admirável e nada tem de arbitrário ou artificial (a não ser irrelevâncias como a marcação do ano zero ou o nome dos planetas).
CAM- Tem conhecimento de que, desde 2008, existe um «cofre do fim do mundo», com sementes de valor alimentício?
JB- É um exemplo extremo da ideia de “bancos de sementes”, que tentam preservar a fonte da biodiversidade alimentar.
CA;- Conhece um programa chamado «Time Wave Zero», que faz cálculos que permitem previsões?
JB- Não conhecia o programa. É um bom exemplo de uma crença pseudo-científica: utiliza interpretações ad hoc de ideias não-científicas com milhares de anos para fazer “previsões” sobre acontecimentos já ocorridos. O seu nome (“Zero”) é igual à sua credibilidade.
CAM- Se as previsões são possíveis em ciências, porque não se previu o grande tsunami no último grande terramoto no Japão?
JB- O facto de ser possível fazer previsões e de posteriormente as testar com a realidade é a pedra angular da Ciência Moderna. Contudo, embora regidos pelas mesmas leis físicas básicas, sistemas diferentes têm graus de complexidade muito diferentes. As mesmas leis de Newton que permitem prever o movimento dos planetas aplicam-se a sistemas como a atmosfera ou os oceanos. No entanto, estes últimos são física e matematicamente muitíssimo mais complexos e a nossa capacidade de previsão muito mais limitada. Embora conheçamos perfeitamente as leis que regem os fenómenos, é a complexidade dos sistemas físicos que nos impede de prever um terramoto ou tsunami. Mas têm sido feitos avanços técnicos significativos a nível da recolha de dados, por exemplo, com sensores submarinos, e talvez num futuro próximo seja possível uma previsão eficaz.
CAM- Já agora, conhece o Movimento de Extinção Voluntária (VEHMT), que prevê o fim da reprodução humana?
JB- Não conhecia. É uma ideia delirante, e parece-me muito bem que os autores se proponham a auto-extinção voluntária. Pessoalmente não tenciono aderir.
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2 comentários:
Alexandra Nobre
Parabéns Jorge. Gostei de ler as tuas respostas.
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