quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

No caminho do çuçeço; episódio de episódios:


Continua a novela educativa "No caminho do çuçeço" de António Mouzinho, agora com um "episódio de episódios":

7.º dia — a ÇINOPÇE

Andei seis sessões (poupem-me: não é çeções!) a escrevinhar vantajosamente sobre assuntos que é evidente que desconheço, mas com um formato que conheço: em episódios.

O 1.º episódio falava de «izames»; seguiram-se «os responsáveis», «os projetos educativos», «avaliações», «programas» e «manuais». Sem ordem aparente, ao sabor dos humores e da generosa paciência dos responsáveis do De Rerum Natura.

Haverá algum sumo a extrair de todo este arrazoado? Receio bem que não.

Tenho, no entanto, uma tradição de sinopses na família — muito mais ativa em mim que as sinapses, com toda a probabilidade — que me conduz a concluir.

Ensaiemos a conclusão:

Que dizer de um sistema de ensino que, movimentado por programas de contornos indecisos, é entregue por uma legislação retorta e heterónima a responsáveis que o são em doses homeopáticas, manietados por projetos educativos feitos em piloto automático por processadores de texto zen, apoiados em manuais instáveis vertiginosos e — permanentemente — em atitude de recusa de ir ao médico avaliar a tensão ou mesmo avaliar o que for?

Bem: que é um sistema de ensino que não tem juízo.

Há bons momentos nisto tudo? Claro que há. Sem cinismo, também encontramos sensatez em programas; e responsabilidade e competência em professores; intenções corretas nos documentos das escolas e nos manuais de consulta; alunos preparados para as provas finais e boas práticas de reflexão nos resultados.

Mas é essa a impressão geral? Não é: a impressão geral é a de uma Educação à deriva, a de um sistema que faz vítimas, embora tenha bons momentos.

Para os nossos filhos — uma questão de sorte.

Estamos a viver um momento particular da trajetória do país: estamos por tudo… na medida em que estamos a refletir sobre tudo. Significa isto que talvez seja a altura de pegar pelo começo e reformular o sistema, metodicamente, lentamente, a partir do ensino básico, com programas neutros, sólidos, exigentes, abordando conhecimentos concretos, válidos para iniciar a formação de quaisquer meninos em qualquer parte do Mundo. E exames eficazes, que estabeleçam a veracidade da construção.

Sem outras ambições que não seja fazer um trabalho escorreito para cidadãos que vão tomar conta disto daqui a 20, 30, 40 e mais anos.

Só depois de afinar programas e exames nacionais — uns e outros — poderemos tolerar a autonomia das escolas na formação (as privadas, entenda-se, que nas públicas a autonomia não poderá, em caso algum, colidir com o âmbito nacional). Só então poderemos achar interessantes os currículos alternativos. Há sopa, há um prato, há fruta? O resto, então, é opcional.

A autonomia das escolas é um projeto interessante, se não deixarmos ir o sapateiro além do chinelo: os órgãos de gestão não são génios da lâmpada; não se lhes atribua funções demiúrgicas… mas apenas políticas, de gestão. Querem pôr-se a inventar? Que o façam em casa, ao fim de semana, e utilizem a repartição adequada para patentear: o Instituto Nacional da Propriedade Industrial. E vendam, e sejam felizes.

Será necessário reforçar a escola dotando-a de um corpo de docentes geralmente robusto, dedicado, competente, pouco dado a confusões formativas, nada dado a confusões científicas. Acarinhado, protegido, prestigiado de uma forma que hoje é já difícil de conceber, embora se revele cada vez mais inadiável.

As escolas de formação de professores andam aí; demasiadas vezes, a passar a mensagem errada: a pedagogia primeiro, depois o saber.

Querem que vos diga?: o saber primeiro. Está nas faculdades, e nos institutos. É aí que devem ser recrutados os docentes, e desacreditadas todas as falácias que põem raparigas e rapazes em desespero, todos os anos, à porta do ministério da Educação, revoltados: são professores, e estão no desemprego. Ora, muitos não são — ainda — professores. E estão, de facto, desempregados, transviados por uma formação que, sem provas adequadas, os iludiu e vulnerabilizou. É gente, de certeza, capaz. E é pena; é muita pena e um enorme, um imenso, desperdício.

Agora:

Ninguém avaliou a sua apetência pelo proselitismo. Ninguém examinou o seu gosto por uma determinada classe de idades de formandos. Ninguém asseverou o seu à vontade e bom humor com uma turma normal, e qualidades iguais com uma outra turma — de patifes. Ninguém fez questão de garantir que o futuro professor tem um robusto prazer em fazer isso mesmo que é… ensinar. Teríamos então professor. Seguramente; à confiança!

Que fez a escola de formação? Mistério… Temos professor? Como as coisas estão, depende: só o futuro o dirá. E há futuro? Não se sabe.

A coisa está má, e há que revê-la. Isso somente é possível com melhores leis. É aí que entram os políticos que designámos. É aí que entra a República.

(Retirando-me pela esquerda alta: se isto não é sinopse, queiram desculpar!)

António Mouzinho

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