No último século ligou-se directa e indubitavelmente a ideia de Bom Selvagem às teorizações de Jean Jacques Rousseau (1712 - 1778). Jacques Barzun considera tal ideia, que assume na nossa cultura o estatuto de culto, muito anterior a este filósofo. A verdade é que, regredindo na História do Pensamento Ocidental, ela perde-se no tempo. Ainda assim, Barzun procura acompanhar a sua evolução e expressão. Sigamos o seu raciocínio...
“O selvagem com o seu credo simples, é saudável, sereno e altamente moral, um ser mais merecedor do que o homem civilizado que se vê obrigado a ludibriar e a urdir intrigas para prosperar. Nos finais do século XVIII assiste-se ao regresso desta esperança utópica; nos finais do século XIX, Edward Carpenter dá-lhe voz na obra Civilization: Its cause and cure; e na década de 60 do século XX o tema reaparece associado à rebelião dos jovens, que procuram a vida simples em comunidade, ou que, enquanto «Flower People», defendem o amor como único e suficiente elo social” (página 18).
“Em resultado da batalha por almas e corpos que Las Casas e outros combateram em Madrid e na Nova Espanha para proteger os nativos maltratados, deu-se o reviver de uma velha ideia. O romano Tácito,
recordar-se-á, tinha descrito as tribos germânicas do século I de maneira a fazer corar de vergonha os cidadãos de Roma. Essas tribos levavam uma vida simples, em que a honestidade, o amor, a verdade, a coragem e a lealdade eram tão normais como a falsidade, o ludíbrio, a traição e o medo cobarde da morte na civilização. Este contraste foi exemplificado para o século XVI por um certo número de tribos americanas – pelo menos tal como elas se afiguravam aos observadores situados a cerca de 5000 quilómetros de distância. Assim surgiu a figura do Bom Selvagem, que desde então tem fortalecido os sucessivos PRIMITIVISMOS (...)"
recordar-se-á, tinha descrito as tribos germânicas do século I de maneira a fazer corar de vergonha os cidadãos de Roma. Essas tribos levavam uma vida simples, em que a honestidade, o amor, a verdade, a coragem e a lealdade eram tão normais como a falsidade, o ludíbrio, a traição e o medo cobarde da morte na civilização. Este contraste foi exemplificado para o século XVI por um certo número de tribos americanas – pelo menos tal como elas se afiguravam aos observadores situados a cerca de 5000 quilómetros de distância. Assim surgiu a figura do Bom Selvagem, que desde então tem fortalecido os sucessivos PRIMITIVISMOS (...)"
"Note-se que essa noção remonta virtualmente a Colombo, que no seu primeiro relato faz alusão à vida simples dos nativos (...)"
Factos posteriores deste género inspiram todas as Utopias, a começar pela de Thomas More, na primeira década do século XVI. Sendo assim devíamos tentar separar o Bom Selvagem do nome de Rousseau, que se destacou 200 anos depois e que não tinha qualquer simpatia por esta figura imaginária” (página 123).
“… modificar a noção dos povos ocidentais sobre as suas origens. Durante 1000 anos, tinham-se considerado filhos e filhas dos antigos romanos. Agora a ideia de raças diferentes substituía a de uma linhagem comum. O fundamento desta mudança é claro: ela está em paralelo com o fim do império e com o surgimento das nações (…) A partir desta nova perspectiva, um novo grupo de palavras ganhou notoriedade: normando, lombardo egodo (…). Além disso, cresceu a convicção de que o carácter de um povo é inato e imutável. Se os seus traços parecem estranhos ou odiosos, a teoria da raçajustifica a inimizade perpétua. Chegamos assim a alguns dos habituais preconceitos e hostilidades do nosso tempo. «Raça» acrescentou a ideia secular de diferença inata à ideia teológica de pagão e cristão" (página 123).
Referência: Barzun, J. (2003). Da Alvorada à Decadência: De 1500 à Actualidade - 500 Anos deVida Cultural do Ocidente». Lisboa: Gradiva
Sem comentários:
Enviar um comentário