“Os fautores da tradição, que apelam
para os valores, para o classicismo, para o cânon, são postos fora de
jogo por esses funâmbulos, esses equilibristas, esses acrobatas, que também
querem ser eternizados no bronze e no mármore”. E quem diz que o não conseguem?”
(Mario
Perniola, professor catedrático de Estética na Universidade de Roma).
Escreveu o leitor, António
Bettencourt, um comentário ao meu recente post “Quem
tem medo da Ordem dos Professores?” (10/01/2012). Transcrevo-o na íntegra
(aproveitando para outra ocasião questões pertinentes e oportunas levantadas em
comentários por outros leitores nessa mesma altura) :
“Penso que a questão está mal
centrada. Há de facto um desinteresse e um aparente acomodar por parte dos
professores mas que, quanto a mim, se deve à disparidade dos mesmos.
No mesmo saco temos professores
licenciados, mestres, doutorados, sem licenciatura (ainda há alguns em
disciplinas técnicas), professores de vários níveis de ensino, com
variadíssimas experiências de ensino e de carreira. Creio mesmo que, ao
contrário do que pensa a maioria das pessoas, é uma das profissões com formação
e experiência pessoal mais heterogénea.
Nesse sentido, parece-me difícil
a criação de uma ordem dos professores. Claro que os sindicatos (ou pelo menos
a Fenprof) não a querem pois, se já
hoje, andam aflitos, quanto mais com uma ordem que congregasse os professores.
Sim porque, ao contrário do que
também muitos pensam, a grande maioria dos professores está-se a borrifar para
os sindicatos.
Ainda no tempo da ministra de má
memória o que aconteceu foi que os sindicatos correram atrás dos professores e
não o contrário.
Aliás, os sindicatos começaram
por assinar tudo o que a ministra quis. Só quando se viram ultrapassados por movimentos dos professores é
que se arrependeram.
Da minha parte, venha a Ordem. Porque,
com sindicatos destes, estamos mal servidos”.
O comentário, atrás transcrito, perspectiva a dificuldade da criação da Ordem
dos Professores na heterogeneidade de
formação académica dos professores (temática por mim já equacionada e podendo
ser resolvida com o exemplo, o mau exemplo, de ordens profissionais existentes como a
recentíssima Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas que obriga à inscrição de próprios doutorados em Economia em paridade
com indivíduos com pouco mais que a antiga 4.ª classe do ensino primário).
Aliás, este desconchavo já se verifica numa
carreira docente (única) que não tem paralelo em qualquer outro país em que a
justiça não seja sujeita a pressões político-sindicais.
Carreira única que defini como um
verdadeiro ”Leito de Procusto” . Aliás, título de um dos livros da minha autoria em que aludo
ao facto ,em citação da respectiva p.
101, “de nela se esticarem os professores menos ilustrados e se cortam as
pernas aos mais habilitados para nesse parto teratológico caberem à medida todos os docentes
com parca distinção das respectivas
estaturas científica, técnica e pedagógica”.
Mas mesmo essa parca distinção
(de um único escalão no acesso ao topo das carreira docente) teve a duração efémera
de uma bola de sabão por grande parte de diplomados por escolas médias, ou nem isso sequer, no
exercício docente se terem dirigido a escolas privadas, ditas superiores, que
em escassos meses lhes venderam um diploma de licenciatura mesmo antes de terem
sido criadas as “Novas Oportunidades”. Ou seja, em “Velhas Oportunidades”! Isto
é, como nos legou a sabedoria dos latinos: “Nil novi sub sole” (nada de novo
debaixo do sol).
Para este statu quo, ou
verdadeiro estado de sítio?, parece ter
contribuído um conceito vigorante entre
gente vulgar ou, pior do que isso, mal
intencionada. Mas acabe-se definitivamente com este sofisma e falemos claro, de
uma vez por todas.O pinta-monos e uma festejada pintora como,
por exemplo, Vieira da Silva fazem trabalho igual? Ambos pintam, na verdade! O
aprendiz de piano que martela o teclado do piano sem qualquer arte ou sombra de
paixão e uma consagrada pianista como Maria João Pires fazem trabalho igual?
Ambos tocam piano, é certo! O cábula que não completou sequer o ensino
secundário e o professor credenciado com estudos universitários, ambos na
docência fazem trabalho igual? Ambos dão aulas, sem dúvida!
Mas o mesmo valor de venda para
os quadros do pinta-monos e de Vieira da Silva? O mesmo cachet para o
pianista falhado e Maria João Pires? O mesmo vencimento para o cábula e o
professor licenciado? Ninguém de boa-fé, ou simplesmente no pleno uso da razão, se atreverá a subscrever esta iníqua igualdade
sem que a face lhe core de vergonha! E
por isso, os professores que com ela não pactuam não devem esconder-se atrás da cortina do
silêncio desertando de combates de libertação de uma dignidade aprisionada em liames de prepotentes medidas oficiais
que protegem os ignorantes e dão cobertura
ao atrevimento (como diz o povo não há nada mais atrevido do que a ignorância!)
em prejuízo do desenvolvimento cultural, social e económico do país. E, desta
forma, aceitando, de cerviz curvada, um
destino sem honra, nem glória. Excepciono, ou excepcionam-se eles próprios, um
sindicalismo que, em proveito de alguns dos seus dirigentes e de grande
parte dos seus associados beneficiados por tabela, se faz opositor feroz de uma Ordem dos Professores.
Se me é permitido o uso de palavras
corajosas suas, meu caro António Bettencourt, termino com chave de
ouro: “Com sindicatos destes estamos mal servidos”. Apenas acrescentaria, se
me permite: pessimamente servidos!
Na fotografia: Mario Perniola, professor catedrático de Estética na Universidade de Roma.
6 comentários:
Mário Orlando Moura Pinto
Não sou professor e quero deixar uma única pergunta e um comentário:
Como deveriam os sindicatos actuar de modo a estes pudessem servir condignamente os professores?
Sim, porque convém não esquecer que muitos professores, a exemplo do que acontece com outros profissionais, abominam os sindicatos por muitas razões que não têm razão alguma. Dou como exemplo o preconceito, político ou outro.
Grato pela oportunidade de poder abordar este tema.
Obrigado`pelo comentário. À sua única pergunta, entendo dar-lhe a resposta seguinte: circunscreverem-se a questões laborais, como horários de trabalho e ordenados condignos. E, assim, deixar, a exemplo de outras profissões de igual (ou até menor) exigência académica, questões outras para as respectivas ordens profissionais. Não se pode servir a dois senhores ao mesmo tempo.
Quanto ao preconceito político ele baseia-se (só por mim falo) em idêntica circunstância: não se pode servir o partido político e, simultaneamente, o interesse dos respectivos associados politizando questões que não devem orbitar à sua volta.
Caro Rui, obrigado pela atenção que deu ao meu comentário.
Coloquei a questão da disparidade na formação dos professores por uma questão de economia do comentário e para não me alongar. No entanto, há outras questões que me parecem importantes, de certa forma relacionadas com esta. Uma dessas questões é, por exemplo, a da precariedade: muitos são os professores que se calam e não reagem por saber que estão na corda bamba em termos de contrato e por isso preferem não fazer ondas.
E é preciso não esquecer que há sempre uma espécie de espada de Dâmocles sobre a cabeça dos professores: há uma lista imensa de pessoas disposta a trabalhar o dobro das horas por metade do salário. Isto deveria motivar e promover o esforço individual, mas depois toda a carga de burocracia e estupidez a que um professor está sujeito matam qualquer veleidade de originalidade, de criatividade ou inovação. Por vezes penso em professores como Vergílio Ferreira , Sebastião da Gama ou Rómulo de Carvalho que seriam na escola de hoje completamente trucidados por não terem a planificação, o plano, o cronograma, a acta e demais papeladas.
Quanto aos sindicatos, plenamente de acordo que estes não estão em qualquer tipo de luta para defender os professores mas apenas em querelas partidárias. E mais, não são livres pois são pagos pelo ME. Segundo se disse na época, a ministra conseguiu dominá-los muito simplesmente ameaçando que mandava regressar às escolas todos os professores destacados na Fenprof.
Ainda uma vantagem da ordem em relação aos sindicatos, estes estão-se nas tintas para questões que não sejam laborais. Estou convencido que uma ordem jamais teria aceite essa aldrabice das Novas Oportunidades que são uma afronta para qualquer professor digno desse nome.
Um testemunho recente;
Caro(a) ENG(A),
Foi convidado(a) a participar na melhoria dos Serviços da sua Associação Profissional.
Nesse sentido, a Ordem dos Engenheiros – Região Norte, solicita a sua estimada colaboração para o preenchimento do inquérito "Avaliação da Satisfação"
[…]
Quando instado a pronunciar-se e escrever sobre o que não estava bem o Sr. Engenheiro diz o seguinte…
“Não recomendaria, em particular, os serviços de consultadoria Jurídica. E explico porquê; em 2010, através de e-mail, solicitei ao Sr. Presidente do Conselho Directivo, Eng Fermando Santos, um parecer Jurídico sobre uma situação que eu considero uma violação da lei, e que a verificar-se punha em causa o meu posto de trabalho, como infelizmente veio a verificar-se (tinha razão, infelizmente). Aguardei pelo parecer e este nunca chegou, entrei em contacto, por diversas vezes com os serviços, e disseram-me que o assunto estava com o Dr …., que ele iria se pronunciar. Teria sido importante para mim, o parecer jurídico, caso ele confirma-se aquilo de que me queixava, e com isso, talvez o processo tivesse sido suspenso...esperei, esperei e...enfim,... talvez por isso, e pela experiência negativa, recomendaria, um Sindicato, sem duvida, era isso que eu recomendaria. Ao dispor, para eventuais esclarecimentos (porque tempo, agora não me falta...) Cumprimentos,”
Esclarece-se que o Engenheiro exercia funções num Município;
Quero concluir, não obstante o desconsolo do Sr. Engenheiro, que ambos são importantes, e com funções distintas, talvez a Ordem não seja boa para questões políticas (Municipio), é melhor o Sindicato. Mas como se verifica a Ordem está a fazer o seu trabalho e pede um inquérito de Avaliação da Satisfação aos seus membros, no sentido de implementar melhorias. Há espaço para ambos.
com tantos grupos de influência numa profissão que pela sua natureza foge à padronização
uma ordem é das coisas mais estúpidas que poderia ser imposta
já os sindicatos empestam ideologicamente o que deveria ter considerações mais racionais (EMRC e EV excluidas)
Outras profissões também fogem à padronização (julgo ser essa a referência aos inúmeros cursos que dão acesso à docência), como, v.g., a de engenheiro com formações tão díspares com a de engenheiro civil ou de engenheiro silvicultor. Eu até costumo dizer que quando se não sabe a nomenclatura a dar a um determinado curso se tem a vida facilitada baptizando-o de engenheiro disto e daquilo...
Este facto, todavia, não obsta (por depender da qualidade dessas formações) a que convivam sob o mesmo tecto numa espécie de relação de Deus com os anjos!
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