terça-feira, 10 de janeiro de 2012

A Universidade da Vida


Nova crónica da escritora Cristina Carvalho:

É boa, mas não chega! Tem bons mestres, mas não chega! A universidade da vida, ou seja, subentendendo-se um longo caminho já palmilhado, ensina algumas coisas, traz a atenção de certas atitudes, prevê desgraças previsíveis, atenta em quase todas as reações, percebe, ao longe, intenções de variada natureza. O longo caminho da vida adivinha muita coisa e não se deixa enganar com facilidade. Mas não chega!

Servirá de pouco no que se refere a conversas mais ou menos elaboradas e filosóficas porque a experiência de cada um conta muito para um todo, mas conta pouco, individualmente. Individualmente é apenas uma experiência que, a longo prazo, poderá frutificar ou não. Sem conhecimento teórico não se vai a lado nenhum. É esse estudo, esse aprofundar do conhecimento teórico que faz com que saibamos aplicar a nossa própria defesa, que faz com que saibamos escutar outras opiniões. É esse conhecimento teórico que faz com que saibamos usar a tolerância e não desperdicemos o amor que temos para dar. Podemos olhar para muito longe se não desprezarmos a cultura, a leitura, o que outros estudaram e nos transmitiram com boa vontade e sempre no intuito de ser útil. Podemos avançar se tivermos confiança na Ciência, se nos lembrarmos que, se estamos por aqui a viver rodeados de tanta tecnologia, de tanta descoberta em diversos campos de atuação – médica, social, urbana, cívica, agrícola, em suma, universal – é porque alguém não se ficou pela universidade da vida. Frequentou outras universidades. Se não quisermos aceitar todas estas transformações – e só no século XX foram incontáveis! – podemos sempre evitá-las indo viver para o alto dum monte rodeados de cabras monteses aos saltos de pedregulho em pedregulho em busca de alimento, aspirando o ar gelado das noites de inverno, amolecendo nos dias quentes do verão e comendo bagas. Podemos! Mas cá em baixo, no sopé do monte, criaturas espevitadas, ágeis e inteligentes velam para que, se adoecermos, alguém possa dar um aviso e enviar um helicóptero para nos salvar. Ninguém é indiferente à indigência e à morte.

Devemos ouvir e ler e olhar apenas o que vale a pena e esse “valer a pena” é altamente subjetivo ainda que os conceitos e padrões culturais estejam, há muito, bem definidos. Para ser prosaica, direi que “quem gosta do amarelo, não pode gostar do azul” e quem diz que já aprendeu tudo o que havia para aprender uma vez que andou na universidade da vida porque já tem muita idade, demonstra apenas ralo saber. Também a frase “um burro carregado de livros é um doutor” tem a sua razão de ser. Burros carregados de livros é o que há mais. Cavalos sem sela e sem arreios há poucos e os que existem galopam livremente por todos os campos do saber. Se for caso disso, deixam-se acariciar e até montar!

Ao perpassar por todas estas questões, interrogo-me sempre, para que lado uma pessoa se deve voltar. Se estudar, ouvir, ler, participar, conhecer ou se, por outro lado, seguir um caminho mais fácil e seguro, um caminho definitivo e, em situação saudável, um caminho certeiro ainda que com altos e baixos, daquelas veredas que conduzem, inexoravelmente, ao fim da vida e aceitar tudo “isto” tal como é.

É que, na verdade, todos se encontram com razão. A verdade é essa! A razão é de cada um. A razão é sempre de cada um! Portanto, quando dizemos que isto ou aquilo não presta, que não tem interesse nenhum, que não se aprende nada, não é verdade! Se há questões difíceis de aceitar, esta é uma delas: eu não gosto! Como é que tu gostas? Não acho que preste! Como não presta? É magro? Não! É menos gordo! É gordo? Não! É menos magro!

Depende, unicamente, do ponto de vista do indivíduo.

Não me venham é com conversas da “universidade da vida”! Isso é que eu não aguento!

Aguentas? Aguento!!

É a nossa geocentricidade!

Eu sou sol. Tu, sistema solar.

CRISTINA CARVALHO

3 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Em termos reais, não "podemos ir viver para o alto dum monte rodeados de cabras monteses aos saltos de pedregulho em pedregulho em busca de alimento". Em Portugal não podemos. Já pudemos. Havia-as na serra do Gerês, mas extinguiram-se há muitas décadas. Parece que uma armadilha eficaz consistia em colocar uma tábua comprida com verduras na ponta e com uma pedra não muito pesada a fixá-la na outra extremidade apoiada nos rochedos, sobre os desfiladeiros. A grácil e ágil cabra desiquilibrava-se a meio e era obrigada a cair, magoando-se muitas vezes e sendo então mais fácil de apanhar. A sua carne devia ser saborosa. Isso me disseram, lá pela serra. Da parte dos espanhóis a "re-introdução" já se fez, parece que com sucesso. Mas do nosso lado, se algumas por lá andarem, nos cumes mais altos, não devem ser particularmente abundantes.
Se calhar porque não apreciam o modo como os humanos por lá circulam, nem a caça que eventualmente lhe façam nem, tão pouco, o estralejar de foguetes das festarolas de verão, de algumas localidades serranas.
Mas enfim, para percebermos que o Gerês é bonito não precisamos ler o Torga. Se bem que, para preservar aquela paisagem, mais vale não a publicitar muito, nem fazer lá certas (e nefastas) "visitas de estudo".
Só mais um acrescento: No primeira metade da década de oitenta, havia no museu de zoologia da Universidade de Coimbra" um par de (soberbos) cornos de um exemplar da cabra do Gerês. E foi então que, um dia, alguém roubou os cornos. Foram feitos apelos nas aulas, creio até que se afixaram comunicados apelando à sensibilidade de quem "por acaso" os levou. Mas, tanto quanto sei, a cornadura nunca foi devolvida. Um amigo do grupo de estudo a que eu pertencia - a "trempe dupla" - aventou mesmo que a devolução seria sempre problemática, pois que, em sua opinião, o autor do ato devia precisar, e como terá ficado bem servido...

José Batista da Ascenção disse...

Oh, meu Deus! Abrenúncio!
Eu tenho lá em cima um desequilíbrio em "desiquilibrava-se"!
E ainda há, cá mais abaixo, um "No" em vez de "Na".
Irra! Traem-me os olhos e os dedos.
Desculpem(-me).
E agora uma crítica aos administradores do "De Rerum" (que isto é assim, quando fazemos asneira, temos que arranjar modo de culpar mais alguém...): porque é que não arranjam modo de podermos maximizar estas caixinhas onde comentamos. Assim sempre ficávamos com umas "pantalhas" mais alargadas, o que talvez diminuísse a ocorrência de erros.
Digo eu...
Mas atenção, a culpa é minha. Só minha. Que a caixinha já era assim quando eu decidi escrever nela.

David Migueis disse...

Passei por acaso, e achei interessante esta crónica. Nunca tive conhecimento de alguém que não acreditasse na "universidade da vida"! Entendo que possa não entender, mas não entendo que desacredite totalmente. Eu percebo que a "universidade da vida" não dá tudo, e isso é evidente. Mas uma coisa é certa, apesar do progresso que nos oferecem outras universidades, eu pergunto, a que nos levou tanto estudo, tanta teoria, se esta não é devidamente aplicada na prática? Para quê tanto estudo, tanto progresso, se no final esse progresso dá origem a tanta guerra, a tanto desrespeito? Uma coisa é certa, a "universidade da vida", para além da prática, ensina-nos valores, ensina o respeito pelo próximo!

Queria ainda fazer uma correcção ao Sr. José. é verdade que a subespécie que naturalmente existiu no Gerês, há muito se extinguiu (1892). E é verdade que os esforços da reintrodução foram espanhóis (mas não pense que não se tentou em Portugal). O que não é verdade é o que diz sobre a localização actual delas. Posso garantir-lhe que o efeito da caça, por exemplo, se sente muito mais do lado de lá, onde é permitida a caça a outras espécies (coelho, perdiz, etc.). E isto (no meu entender), aleado a factores de área territorial (o PNPG é bastante mais extenso que o PNBLS Xurés), favoreceu a expansão da cabra-montês para Portugal. E é sabido que esta se encontra mais presente em Portugal do que em Espanha.

NO ENTANTO, é preciso continuar a salvaguardar a sua presença no nosso território. É necessário, não tomar medidas, mas APLICAR medidas que promovam a conservação da população de cabra-montês na Serra do Gerês. E é preciso educar a mente de quem visita o PNPG para a conservação e preservação deste local ÚNICO em Portugal, não só no que diz respeito à cabra, mas também a outros animais e plantas , algumas destas que, no mundo inteiro, apenas existem na Serra do Gerês!!

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