terça-feira, 10 de janeiro de 2012

QUEM TEM MEDO DA ORDEM DOS PROFESSORES?



“A vida é a hesitação entre uma exclamação e uma interrogação. Na dúvida, há um ponto final." (Fernando Pessoa, 1888-1935).

O meu último post, aqui publicado anteontem, intitulado “A Revisão Curricular e a Ordem dos Professores”, mereceu do habitual leitor e comentador deste blogue João Boaventura (JB) uma importante análise na discussão de um assunto que parece ser tabu no meio sindical, o que até se compreende, e docente, neste caso de forma incompreensível. Transcrevo, abaixo, ocomentário de JB, ipsis verbis, pela forma cirúrgica como cauteriza uma ferida, ou mesmo trata uma gangrena, que tanto tem prejudicado o tecido educativo oficial do ensino não superiorl. Escreveu o leitor no seucomentário:

“Caro Rui: Li uma vez num jornal francês um artigo indagando sobre a saúde da população e propôs, como forma de o saber, convidar os idosos a desfilarem pelas ruas de Paris.
Como não houve desfile, e ninguém se dispôs a organizá-lo, concluiu-se que ninguém estava interessado em saber em que ponto se encontrava a saúde da população, e muito menos a dos idosos.

Mal comparado, assim o Caro Rui, que, desejando melhorar a "saúde do poder e do saber dos professores", para que tenham voz activa no magistério que exercem, acaba por chegar à conclusão de que o professorado está bem, se recomenda, e tolera todas as ambiguidades e afrontas, como recomenda a Igreja Católica Apostólica Romana.

O silêncio também fala e esclarece que o professorado prefere a servidão voluntária”.

Para uma discussão alargada desta temática, que vive na penumbra de uma quase ocultação, eis a minha resposta a este comentário:

Caro João: Já desesperava por assistir ao silêncio cúmplice de quem deveria apresentar as razões da sua discordância sobre a criação de uma Ordem dos Professores e o não fez trazendo-me o incómodo de uma voz a pregar no deserto do contentamento da Fenprof e da FNE. Por honrosas excepções confirmarem a regra, não cometo a injustiça de meter todos os sindicatos nesse mesmo saco, mormente o SNPL que tudo fez (e continuará a fazer?) para a respectiva criação. De resto, apoiados por um exército docente que, como diria Mestre Aquilino, "traz às costas a opinião dos outros como uma mochila de regimento", marchando à sombra de uma única bandeira, ao toque de um clarim de uma espécie de sindicalismo do século XIX, embriagado pelo cheiro acre da pólvora de batalhas de séculos passados e lutando até à exaustão contra um perigoso inimigo comum: as associações de direito público (isto é, ordens profissionais), em que o Estado delega poderes, para que os seus associados, fazendo uso de uma expressão de Adriano Moreira, “estarem nas decisões e não virem a ser apenas objectos dela”. E não, como por vezes são acusadas, de serem uma temível forma de “corporativismo” (como se o sindicalismo, ele próprio, estivesse livre dessa espécie de pecado original!) que aprisiona em garras deontológicas os seus membros que querem continuar a viver a liberdade de um igualitarismo que não separa o trigo do joio, através de um exercício profissional em que reina a bem-aventurança de “serem todos bons só que uns são melhores do que outros”. Assim o proclamava, tempos atrás, e em citação de memória, um representante sindical vivendo os “sacrifícios de uma actividade quase profissionalizada, em época de contenção de despesas que trava a ascensão na própria carreira docente a quem de direito, enquanto sindicalistas vivem, anos e anos, à sombra do erário público, embora podendo, e devendo, ser pagos, em alguns casos, pelas respectivas quotizações sindicais.

Aliás, no mister docente oficial, criou-se o mito da bondade em igualizar desiguais pela chegada ao topo da carreira docente de todos os agentes de ensino oficial não superior em função do número de anos de serviço e numa entrada na carreira que tem por preferencial critério a classificação final de curso, quer essa habilitação seja obtida numa instituição oficial universitária de créditos firmados ou numa simples chafarica privada que passe diplomas como quem põe uma impressora a tirar fotocópias. Ora, nada disto sucede em outras actividades profissionais, e na própria docência dos colégios privados, em que os seus agentes são seleccionados em função dos estabelecimentos de ensino que os formaram e, por vezes, do próprio ano de formatura. Alguém, porventura, sem facciosismos políticos se poderá esquecer do importante papel que, em anos recentes, a Ordem dos Engenheiros teve na não homolocação de cursos de engenharia de fim-de-semana? A exemplo, quantos docentes com complementos de habilitação deste tipo não enchem o topo da carreira docente das escolas oficiais portuguesas?

Parafraseando o dramaturgo Edward Albee, lanço a pergunta: “Quem tem medo da Ordem dos Professores?” Ou será, como dizia alguém, eu não tenho medo, só tenho receio? Seja como for, com ou sem medo, com ou sem receio, a classe docente não deve continuar a viver à sombra de um sindicalismo que se manifesta ruidosamente na rua contra o patrão Estado em defesa de questões meramente laborais não trazendo para o conhecimento público as causas efectivas da sua brutal oposição à criação de uma Ordem dos Professores.

Abandonem-se, pois, os bastidores desta discussão e traga-se para o proscénio da discussão pública um tema, vítima de um certo secretismo, que não diz, apenas, respeito à classe docente por questões que se prendem com o próprio sistema educativo e o seu importante papel na sua controlada massificação (confundida com mediocratização e demagógicos efeitos estatísticos ) e simultânea criação de um escol técnico-científico que coloque Portugal na vanguarda europeia dos países mais desenvolvidos.

Alea jacta est! Atravessemos, pois, a margem do Rubicão de uma questão de aparente interesse limitado a uma determinada classe profissional para a margem de uma discussão nacional numa altura, em que somos herdeiros de um tempo, que segundo Ortega y Gasset, “se sente fabulosamente capaz de realizar, porém não sabe o que realizar”.

P.S.: Para evitar mal entendidos desde já declaro que o facto de me encontrar aposentado (desde os 70 anos de idade e depois de 40 e tal anos de docência) me retira qualquer suspeição de estar a lutar por uma causa que me diga directamente respeito ou de pretensão de qualquer espécie em me tornar sua personagem em destaque dirigente.

Tenho, apenas, a credencial de ser lutador incansável naquilo em que acredito e defendo, desde finais da década de 70, com a fé de quem se bate numa cruzada de que se fez combatente da primeira linha com inúmeros artigos de opinião nos media, a publicação de dezenas de posts nesta tribuna e a própria elaboração, em equipa, de um Projecto de Estatutos da Ordem dos Professores (publicados em opúsculo, 1960), com o apoio logístico do Sindicato Nacional dos Professores Licenciados, na altura em que presidia à respectiva Assembleia Geral de que me viria a demitir por discordância com a integração deste sindicato na chamada Plataforma Sindical com audição pública amplificada pelos megafones da Fenprof.

14 comentários:

José Batista da Ascenção disse...

Eu sou dos que têm receio. Muito receio até. Mas pelo menos tão grande como o meu receio é a minha vontade de que se constitua uma Ordem dos Professores.
E creio que ela se constituirá. Um dia.
E então não ficaremos pior do que agora. Disso estou certo.
Faça-se, pois. E melhoremo-la continuamente. Não creio que haja outro caminho.
Ao caminho, então.

António Bettencourt disse...

Penso que a questão está mal centrada. Há de facto um desinteresse e um aparente acomodar por parte dos professores mas que, quanto a mim, se deve à disparidade dos mesmos.

No mesmo saco temos professores licenciados, mestres, doutorados, sem licenciatura (ainda há alguns em disciplinas técnicas), professores de vários níveis de ensino, com variadíssimas experiências de ensino e de carreira. Creio mesmo que, ao contrário do que pensa a maioria das pessoas, é uma das profissões com formação e experiência pessoal mais heterogénea.

Nesse sentido, parece-me difícil a criação de uma ordem dos professores. Claro que os sindicatos (ou pelo menos a Fenprof) não a querem pois, se já hoje andam aflitos, quando mais com uma ordem que congregasse os professores.

Sim porque, ao contrário do que também muitos pensam, a grande grande maioria dos professores está-se a borrifar para os sindicatos.

No tempos da ministra de má memória o que aconteceu foi que os sindicatos correram atrás dos professores e não o contrário.

Aliás, os sindicatos começaram por assinar tudo o que a ministra quis. Só quando se viram ultrapassados por movimentos dos professores é que se arrependeram.

Da minha parte, venha a Ordem. Porque, com sindicatos destes, estamos mal servidos.

Joaquim Manuel Ildefonso Dias disse...

Professor Rui Baptista, desculpe-me se fujo, ao tema em questão, - a criação da Ordem dos Professores -, com a qual eu concordo, mas gostaria que o Professor, com o seu conhecimento competente, caso queira, analisa-se a desculpa (sempre a mesma, que eu não compreendo e considero até contraditória) dos nossos “cérebros” quando se fala em regressar a Portugal, e a importância que isso teria para o ensino em Portugal, porque sem uma base forte, (criada por eles) talvez nunca consigamos sair desta situação.
Por exemplo:
Em Novembro, Irene Fonseca, foi eleita presidente da Sociedade de Matemática Aplicada e Industrial (SIAM, siglas em inglês), a maior sociedade de matemáticos do mundo (Filadélfia).
Em entrevista, (http://www.ionline.pt/portugal/irene-fonseca-gosto-pensar-tenho-umas-sementes-aqui-voltar-impossivel) a Senhora Matemática, dá também as suas razões, quando confrontada com o regresso a Portugal.
Agora o que lhe pergunto Professor Rui Baptista, que fazer? Devemos aceitar e compreender, ou contra argumentar?
Á Srª Professora Irene Fonseca, (e aos outros “cérebros”) eu digo, desculpem, mas não posso concordar, em tese, com os vossos argumentos (além de que não somos nenhum País do 3 mundo).
Porque, o que invocam é, contraditório, atendendo às vossas capacidades, para realizar a mudança necessária (quem mais?).
E de seguida, dizía-lhes, olhem lá, assim mesmo, desculpem, o Professor José Sebastião e Silva, - o maior matemático português, mundialmente conhecido – também teve convites para leccionar nas melhores Universidades do Mundo, inclusivamente dos EUA, e a resposta dele foi:
“Tenho de ficar. Não posso deixar estes rapazes e raparigas ao abandono, sozinhos naquilo que comecei …”. Referia-se à remodelação do ensino da Matemática, então em curso.
Por isso, os argumentos que os Sr(s) “cérebros” invocam deveriam ser para regressar de imediato, e não o contrário,não é assim, Professor Rui Baptista?

Cumprimentos muito cordiais

Anónimo disse...

Para mim, pior do que a aversão dos sindicatos à criação de uma ordem de professores, e do estado, que obviamente não quer de maneira nehuma uma voz discordante capaz, pior que isso é a indiferença dos professores. Não consigo entender como é que pessoas com formação universitária (que são a maioria) permitem este estado de coisas e não pugnam pela criação de uma ordem.
HR

joão boaventura disse...

O Estado vive da desordem, para ser ele o único capaz de pôr ordem.

Se tudo estivesse na ordem, o Estado deixaria de ter razão de existir... e o mando na mão é uma pulsão muito forte no homem de Estado.

Em tais circunstâncias, se tudo estivesse na ordem, o primeiro passo do Estado seria criar a desordem.

É um círculo fechado, e os círculos fechados, porque fechados, não têm futuro.

Vivemos acorrentados pelo Estado, a bem ou a mal, quer queiramos ou não.

Fernando Martins disse...

Caro Doutor Rui Baptista: continue a lutar pela Ordem dos Professores, pois ela faz falta aos Professores. Não quero que esta substitua os Sindicatos (pese embora o facto de estes terem, nos últimos anos, prestado um mau serviço à profissão e às escolas...) mas, sendo complementares, poderão ajudar-nos...

Rui Baptista disse...

Caríssimo João: Há uma expressão popular que define esta situação de forma lapidar. É a chamada "pescadinha de rabo na boca".

Mas eu não desisto de ver criada a Ordem dos Professores. Tenho aquela teimosia (e lá me respaldo eu novamente numa expressão do nosso povo) "de antes quebrar do que torcer!"

Rui Baptista disse...

Caro José Batista da Ascenção: A situação de escravidão que vivem os professores impõe que algo se faça, e aqui uma Ordem dos Professores defenderá o uso de um título tão abusado por qualquer bicho-careta e sancionado por sindicatos que lhes atribuem cartões de sócios como qualquer clube de bairro.

Longe vai o tempo de prestígio incontestável dos antigos professores liceais em que, em belíssima crónica, “O render dos heróis”, no "Diário de Notícias" (22/10/1955), a professora universitária Clara Pinto Correia lhes prestou a homenagem que merece ser transcrita:

“A barbárie não anda longe. Nunca andou. É contra o seu fundo de trevas que se desenha o brilho da civilização. É nesse mesmo fundo que, de tempos a tempos, o brilho se dissolve e a escuridão total desce sobre a floresta. É cíclico. Já aconteceu antes. Mais que uma vez. Não temos razão, bem pelo contrário, para pensar que não volte a acontecer. Para evitar que assim seja temos nos professores do liceu [“porque o mundo das coisas cria o mundo das palavras” (Lacan), como ela esclarece “mesmo que liceu seja uma palavra que já não se usa, dá jeito, no caso vertente, para simplificar o discurso e toda a gente perceber a que ela se refere”] a mais importante das nossas armas. Devíamos beijar-lhes as fímbrias do manto”.

Eram os professores do liceu, liceu palavra proscrita pelos ventos “abrilinos”, embora se mantenha em países como a França, por exemplo (grau de ensino que ia do 5.º ao 12.º anos de escolaridade, em terminologia dos nossos dias) licenciados universitários. Questionar ou sequer pôr em dúvida a sua continuação privilegiada na docência, pelo menos, a partir do 9.º ano, é abrir caminho a razões do coração, interesses sindicais e partidários (para mais se em mistura explosiva) , ou quaisquer outros motivos escondidos mais não foram do que razões encapotadas para que a ignorância reinasse em terra queimada e das suas cinzas uma pálida chama de pau de fósforo pudesse parecer a luz de um farol que passasse a iluminar a costa portuguesa e a abrir novos rasgos de sabedoria à sua gente. O coração esconde os piores e os melhores sentimentos!

Pois é, meu Caro José. Com sabe o óptimo é inimigo do bom. As ordens profissionais, aliás como todas as organizações profissionais ou não sofrem dos seus defeitos. Mas eu lembro, mais uma vez o importante papel da Ordem dos Engenheiros na creditação dos respectivos cursos para evitar que a Universidade Indepedndente, a título de mero exemplo, continuasse a dar diplomas de licenciatura só tendo fechado as suas portas, com enorme relutância do próprio poder político do Partido Socialista e do ministério que tutelava o ensino superior, após tempo demasiado e com prejuízos que poderiam ser trágicos para a própria segurança das construçõe destesta espécie de "pedreiros de luxo".

Após este arrazoado, sendo impossível optarmos pelo óptimo, optemos pelo bom: uma Ordem dos Professores.

Rui Baptista disse...

Prezado HR: Comungo totalmente da sua justíssima chamada de atenção para o facto de haver "pessoas com formação universitária que permitem este estado de coisas e não pugnam pela criação de uma ordem".

Quiçá eu tenha explicações para esse facto.

1. Os outros que a criem que nós cá estaremos, sem empate de capital, para colhermos os (in)devidos juros. Ou seja, os outros que arquem com as chatices (perdoe-se-me o plebeísmo).

2. A obediência a determinadas linhas políticas faz com que haja professores com formação universitária, como escreveu Mestre Aquilino, "que trazem às costas a opinião dos outros como uma mochila do regimento".

3. O falso "porreirismo nacional", por seu turno, conduz a não emitir opiniões para não criar inimizades.

4. E escrevi "falso porreirismo", porquanto quando foi da nomeação de professores titulares (em título ridículo outorgado por Maria de Lurdes Rodrigues), logo se levantou um coro de vozes a gritar a heresia das menores habilitações desses bafejados. Mas que diabo, nessa altura soube-se separar o trigo do joio sem considerar a justeza de ser uma Ordem dos Professores a fazê-lo!

5. Outros motivos há (ou haverá) para elencar os motivos que levam a uma perniciosa apatia dos professores. Seria uma altura de feição para o fazerem. Eu, pela minha parte, muito grato lhes ficaria!

Rui Baptista disse...

Acabo de publicar um "post", em resposta a este comentário, intitulado "Ordem dos Professores'versus' Sindicatos Docentes".

Rui Baptista disse...

Prezado Colega: Obrigado pelo seu apoio constante nesta demanda, em caminho espinhoso e em veredas quase solitárias, da criação de uma Ordem dos Professores.

Aliás, o seu precioso apoio a esta causa já vem de longe fazendo-me sentir acompanhado (bem acompanhado) numa luta que está longe de chegar ao fim. Mas sempre com o lenitivo das palavras de Segmund Freud: “Um dia, quando olhares para tas, verás que os dias mais belos foram aqueles em que lutaste”. Bem haja, meu amigo!

Rui Baptista disse...

Prezado Joaquim Ildefonso Dias: A resposta ao seu comentário não está esquecida. Em devido tempo, terei o maior prazer em responder-lhe.

Cordiais cumprimentos.

Rui Baptista disse...

Errata: 4ª linha do 2.º §, onde está "olhares para tas", corrijo para "olhares para trás".

Rui Baptista disse...

Prezado comentador: Em resposta ao seu comentário, acabo de publicar um post intitulado "A Investigação Científica em Portugal e os Cérebros de Galinha".

Cordiais cumprimentos.

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